Quem como eu acompanhou o automobilismo brasileiro nas décadas de 1950 a 1980, teve a felicidade única de conhecer e aprender com Nélson Enzo Brizzi (foto de abertura, ao centro), um dos maiores mecânicos de competição do Brasil, se não o melhor e mais inventivo. Em outubro, velhos pilotos e fãs das corridas de automóveis deverão prestar homenagem póstuma com uma oração ou uma saudosa lembrança a Nélson Brizzi, que nasceu em 8 de outubro de 1921.
Nélson Brizzi foi um mago no desenvolvimento e aprimoramento de veículos de série e carros de competição de alto desempenho. Foi ele que concebeu o Fitti Bimotor, batizado de Fitti-3200, um veículo de dois motores Volkswagen 1600 acoplados, resultando num motor de oito cilindros contrapostos quatro a quatro e, melhor, colocado entre eixos. O projeto do chassi e suspensão foi desenvolvido pelo engenheiro Ricardo Divila auxiliado por Ary Leber no projeto da carroceria, e Brizzi contou com a colaboração dos mecânicos Darci de Medeiros e José Deusdedith,
Esse trabalho rendeu a Brizzi o Prêmio Victor, da revista Quaro Rodas, de “Melhor Trabalho Mecânico de 1969”, entregue a ele pelo então campeão mundial de F-1 Jackie Stewart, em fevereiro de 1970.
Ele disse em uma reportagem “Um dia, eu estava na oficina, com dois virabrequins de Volkswagen 1200 em cima da bancada. Fiquei olhando, e imaginando como ficaria um carro com dois motores”.
O Fitti 3200 tinha um dos motores com a carcaça usinada em toda parte traseira, na região onde fica originalmente a embreagem e fixação com o câmbio, para permitir a aproximação dos virabrequins que tinham um flange adaptado nas extremidades, sendo então ligados por meio de uma junta elástica Giubo, de borracha muito utilizada no cardã dos Alfa Romeo. Esta junta permitia um certo “desalinhamento e jogo” entre os dois motores.
Outros de seus inventos foram a construção do primeiro carro de Fórmula 3 totalmente Made in Brazil, pilotado por Wilson Fittipaldi Jr. em provas nacionais e internacionais, e o desenvolvimento de um monoposto de competição, o “Brizzi Especial”, com motor 2-tempos DKW de 1.000 cm³. instalado entre eixos num chassi tubular, e câmbio Volkswagen. O “Brizzi Especial” foi a sua primeira proposta de fabricar carros de corrida com custo acessível para incentivar o ingresso de novos pilotos no automobilismo nacional.
Filho de italianos, a paixão pelo automobilismo de competição e o dom da mecânica se manifestaram em Brizzi quando tinha 15 anos e seu pai o levou ao bairro paulista dos Jardins, para assistir ao Grande Prêmio de São Paulo, uma corrida internacional, onde ficou fascinado ao ver os carros italianos brilhantes e velozes disputarem as primeiras posições com marcas alemãs e inglesas.
Ao assistir à corrida, Nélson e seu irmão Enzo decidiram seguir a carreira do pai. Nélson procurou aprender mecânica, o que demorou três anos para conseguir matricular-se na escola Técnica de Aeronáutica, onde se especializou em aviões de combate, porque a Segunda Guerra Mundial estava começando e os aviões precisavam de manutenção, de pessoal especializado e abastecimento no País.
O primeiro carro de competição que os irmãos Brizzi prepararam foi um Ford 1937 com motor V-8 adaptado, para o piloto Amaral Júnior. O segundo foi para Pascoalino Bonacorsa, um Chevrolet com motor LaSale, da categoria “Adaptado para Corrida”, futura Mecânica Nacional.
Em 1953 foi trabalhar na AMG Motores, do engenheiro Ângelo Mario Gonçalves, na rua Butantã, 260, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, formada por pilotos e preparadores de carros de corrida do automobilismo paulista da época. Nesse endereço, além da Oficina AMG, que ficava nos fundos do Posto Jardim, pertencente ao piloto Francisco Marques, onda havia também a oficina Argos, de João “Polaco” Skuplik, especialista da marca VW, que mais tarde teria Jorge Lettry como sócio.
O rigor técnico em que adotava em seu trabalho e com a fama dos italianos de muita paixão pelos carros, Nélson e seu irmão passaram a ser famosos pelo elevado nível do trabalho que realizavam, o que os fez preferidos por um grupo de pilotos. Em 1960, com a implantação da indústria automobilística no Brasil, os dois foram convidados a participar da equipe Willys-Overland, que reunia alguns dos melhores pilotos brasileiros.
A fama dos irmãos Brizzi aumentou porque passaram a trabalhar com Christian Heins, Wilson Fittipaldi Jr, Bird Clemente, Luiz Pereira Bueno, José Carlos Pace, Francisco Lameirão e outros jovens da geração de ouro do automobilismo brasileiro. Eles foram contratados como mecânicos responsáveis pela equipe Willys, que reuniu os melhores profissionais do mercado brasileiro.
Na equipe Willys, os irmãos Brizzi foram responsáveis pela produção da parte técnica de carros Willys Interlagos e Renault Gordini e os diversos protótipos de corrida construídos na sede da equipe. Entre essas inovações, citamos a criação de tensores na suspensão traseira de semieixos oscilantes para melhorar o desempenho e equilíbrio nas curvas, modificações na caixa de direção, trambulador de câmbio e redistribuição de peso, entre outras melhorias significativas, como na geometria da suspensão. O elenco de modificações foi determinante para o sucesso dos carros Willys e de todo o desenvolvimento do Renault 1093, a versão esportivada do Gordini.
A estreia deste carro foi na prova 12 Horas de Interlagos de 1963, quando o trio Christian Heins/Aguinaldo de Goes/Rodolfo Olival Costa se classificou em quinto lugar na classificação geral e em segundo na categoria.
Mas, sempre preferindo a modéstia, identificava-se como um dos integrantes da equipe, como ocorreu no recorde estabelecido pela equipe Willys com o Gordini (50 mil quilômetros no anel externo do Autódromo de Interlagos), e pela Ford, de velocidade do Mustang, na antiga Base Aérea de Cumbica e hoje Aeroporto de Guarulhos, cujos carros sempre contaram com a sua experiência. Nessa ocasião Brizzi já trabalhava para Luiz Antônio Greco, que representava a Ford nas competições depois que esta absorveu a Willys-Overland do Brasil em 1967.
Fisicamente forte e sincero em suas manifestações, usou seu estilo ao me receber nos boxes do Autódromo de Interlagos depois de eu quase capotar com o Renault Gordini de uso pessoal de Luiz Pereira Bueno na curva da Ferradura numa corrida entre jornalistas, em que o carro ficou somente em duas rodas. Quando saí do carro fui recebido pela sua voz forte com um breve comentário: “Antes da largada eu o adverti que carro de corrida é uma verdadeira arma na mão de uma criança e você não acreditou”.
LCS
A “Coluna Luiz Carlos Secco” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Acesse nossos podcasts: https://www.youtube.com/watch?v=CfZgNvTXHOM