Fotos: autor (salvo quando indicado)
Sempre que leio notícias sobre os BRICs e sua importância para o mundo atual, uma das minhas indagações é de como pode o “B” ser o único desse grupo que não tem uma ou mais marcas nacionais. A China lidera o ranking mundial de vendas em 2013 com 21,9 milhões de unidades vendidas em 2013. Depois temos Estados Unidos, Japão e Brasil em quarto, com 3,57 milhões. A Alemanha aparece em quinto, a Índia em sexto com 3,02 milhões e a Rússia em sétimo, com 2,77 milhões. Temos recursos e capital humano suficientes para fabricarmos carros nacionais de primeira linha. Isso daria uma boa e longa matéria. Mas isso fica para outra ocasião.
Mas nós temos a Troller, que praticamente é desconsiderada, pois é pequena, atua em um nicho e foi comprada pela Ford. A julgar pelo que vi durante o lançamento do novo Troller T4 e numa visita à fábrica em Horizonte, no estado de Ceará, ela pode ser considerada nacional. Apesar de ser uma empresa autônoma mas que conta com recursos da Ford, a Troller atua como uma divisão, com pessoal próprio e engenharia dedicada junto à fábrica. A Ford comprou a Troller em 2007 com o discurso que queria aumentar a linha de produtos off-road. Isso é ótimo para o público geral e melhor ainda para a Troller. Mas na verdade a Ford foi muito astuta e ágil em perceber que comprando a Troller teria uma considerável isenção de impostos de acordo com o Regime Automotivo do Norte, Nordeste e Centro-Oeste em tudo o que produzisse nessas regiões, incluindo na sua fábrica de Camaçari, na Bahia. E agora resolve retornar uma pequena parte dessa economia com impostos fazendo um investimento de R$ 215 milhões no projeto do novo T4 e na modernização da fábrica.
Antes de falar sobre o carro eu gostaria de comentar sobre a atmosfera que presenciei durante todo o lançamento. A Troller é uma marca muito pequena, com produção de 1.500 unidades por ano. Isso tem suas vantagens. Apesar de ter que prestar contas para a Ford. o time trabalha mais integrado, com mais desenvoltura e com mais responsabilidade. Assim, os resultados são atribuídos diretamente ao esforço desse time, que se mostrou muito motivado e orgulhoso do novo projeto.
Já no design dá para ver que não há influência alguma da Ford. O T4 anterior tinha o seu desenho diretamente relacionado ao Jeep Willys, que por sua vez se derivou até chegar no Jeep Wrangler, e daí a similaridade com este último. Mas o fato agora é que a Jeep é da Chrysler (Fiat Chrysler) e está vindo muito forte para o Brasil. O T4, então, teve que encontrar o seu caminho. No meu ponto de vista foi uma tarefa muito difícil, pois não há uma linha de produtos Troller ou uma identidade visual específica da marca. Isso teve que ser construído. E para isso as premissas e elementos principais e direcionadores foram caixas de rodas pronunciadas, grade com orientação horizontal, estepe na tampa traseira na posição central, elemento gráfico funcional na lateral e maior entreeixos integrados em um design único, robusto e funcional.
Para chegar no design final foram feitas clínicas com desenhos e depois com três modelos em escala, comparados ao T4 que estava no mercado. E ao meu ver o resultado foi muito positivo. o novo T4 tem agora uma identidade própria e um visual moderno e arrojado, bonito, e sem perder nada do apelo off-road. Acredito que agora passe a ser objeto de desejo para um grupo mais amplo.
O T4 anterior até que tinha o seu charme. Muitos ainda acham ele interessante e gostam de como ele é. Talvez demore um pouco para os mais conservadores começarem a gostar do novo T4. Mas garanto que passado esse choque da mudança não há como não preferir o desenho muito mais refinado no novo modelo.
O interior também foi bastante melhorado em termos não só de visual, mas como em conforto também. Agora o desenho é moderno, bem mais atraente e caprichado. A iluminação dos mostradores segue o padrão azul da Ford e estes, assim como o ar-condicionado, são da prima Ranger.
Assim como o design, toda a engenharia do jipe foi feita aqui, mais precisamente em Horizonte, na fábrica, e com um time de 30 engenheiros (esse número variou de acordo com a fase do projeto) que desenvolveu um carro completamente novo, do zero. Foram 200 mil quilômetros de testes para validar o projeto. Inicialmente eu achava que o T4 era um “derivado” da Ranger, mas na verdade ele só usa o mesmo motor Diesel, o mesmo câmbio e alguns componentes. E mesmo assim o motor tem uma calibração específica, relacionada a uma tomada de admissão e cofre do motor bem diferentes.
O chassis é exclusivo e usa longarinas de perfil fechado que proporcionam mais robustez e foi pensado para o uso off-road. O ângulo de entrada foi aumentado em 1º para 51º, o mesmo que o ângulo de saída, que melhorou 14º . O ângulo de transposição de rampa aumentou em 1º, que agora é de 30º. O Troller pode encarar aclive máximo de 45º, inclinação lateral de 40º e imersão em profundidade de até 800 mm. A tomada de ar é bem alta e na lateral direita do jipe. As suspensões dianteira e traseira são por eixo rígido, com barra Panhard e barra estabilizadora, molas helicoidais e amortecedores hidráulicos. Os freios são a disco nas quatro rodas agora com ABS e EBD calibrados para uso off-road. A direção é hidráulica, os pneus são Pirelli Scorpion ATR 255/65 R 17 de uso misto (70% on-road, 30% off-road). e o diâmetro mínimo de giro é de 12,7 metros, entre guias.
O motor é o moderno Duratorq 5-cilindros de 3,2 litros com respeitáveis 200 cv de potência a 3.000 rpm e 47,8 m·kgf de 1.750 a 2.500 rpm, que chega as rodas através de uma caixa manual de seis marchas, com melhora significativa no desempenho tanto no fora-de-estrada quanto em trilhas com um baixíssimo nível de ruído e vibração. O consumo declarado é de 9,8 km/l na cidade e 12,3 km/l na estrada, de acordo com as normas vigentes. No mundo real fez 8,4 em um trecho misto de cidade e estrada. Todo esse conjunto motriz é fabricado pela Ford, o que acrescenta durabilidade e confiabilidade. Os eixos dianteiro e traseiro são Dana 44 sendo o traseiro com diferencial de deslizamento limitado. O sistema de tração, por caixa de transferência, tem acionamento elétrico por botão no painel. Alguns acham que o sistema por alavanca é mais confiável, pois a confirmação do engate da tração 4×4 ou 4×4 reduzida é mecânica. Mas esse sistema com acionamento elétrico já está consagrado e amplamente validado. Dificilmente pode apresentar problemas. Também não há mais o sistema de desacoplamento dos semi-eixos dianteiros, a roda-livre, o que não deve ser motivo de reclamações de ninguém — embora alguns usuários possam sentir saudade do ritual de descer do carro e virar as chaves nos cubos de roda-livre das rodas dianteiras.
Mas o que realmente consumiu muitas horas de pesquisa e engenharia foi a nova carroceria. Um veículo como o T4, feito para uso intenso em condições severas, é desejável que seja robusto e resistente tanto a contato mecânico com obstáculos quanto a corrosão. Daí a escolha por continuar com a carroceria em plástico reforçado com fibra de vidro. Porém em termos de manufatura o processo anterior era praticamente artesanal. O novo modelos é feito com painéis de plástico reforçado com fibra de vidro que são conformados a quente em uma grande prensa. Esse processo é chamado de SMC (de Sheet Moulding Compound) e proporciona peças e componentes com um excelente controle dimensional e acabamento. Os painéis são colados a estrutura espacial feita de tubos soldados formando uma unidade durável e resistente. Um processo similar de painéis plásticos colados é utilizado no Corvette. Esse tipo de plástico moldado também é usado por alguns fabricantes em para-lamas e tampas traseiras. As fotos abaixo mostram diferentes estágios da fabricação da carroceria e o vídeo mostra a linha de montagem do T4 contendo explicações sobre o processo da carroceria.
Já deu para ver que o novo jipe foi desenvolvido de acordo com as necessidades de seus clientes. Estes têm um vínculo emocional com seus jipes e tem um estilo de vida diferente, que não só gosta de aventuras, mas tem a necessidade de vivenciá-las. Eles adoram a Troller, se orgulham de ter um T4, são defensores da marca e realmente usam as capabilidades do produto. Em muitos casos o T4 é o terceiro carro da casa e o índice de fidelização dos clientes é de 48%, ou seja, a metade deles troca um Troller por outro Troller. Eles também gastam de 10 a 15 mil reais em acessórios para deixar seus carros ainda mais bem preparados para as trilhas e ralis. Sendo aproximadamente 1.500 novos T4 por ano pode-se ver que se trata realmente de um grupo pequeno e seleto.
Por conta disso que a avaliação desse novo modelo tem que ser feita com outros parâmetros, pensando no que esse cliente vai achar em comparação ao que ele possui. E como a Troller melhorou muito o produto, querendo vender ao redor de 2.600 unidades por ano, espera-se que o T4 também atraia novos consumidores.
O interior logo agrada muito aos olhos e ao toque com texturas modernas e excelente acabamento, mesmo que simples e sem luxo. Achei tudo muito bem-feito e caprichado, considerando que o interior é lavável (o assoalho ao menos). O painel é de fácil leitura, o volante tem uma excelente pega e regulagem de altura, e logo encontrei uma boa posição. A dica para Troller é melhorar um pouco o encosto dos bancos, muito duros e com pouco suporte lateral, desejável em trilhas. Faltou também um apoio para o pé esquerdo, importante em trilhas também. Mas isso já está sendo providenciado.
O acesso ao banco traseiro é bem difícil e feito com o basculamento do banco dianteiro. Mesmo assim o vão é pequeno. No entanto acredito que o seu uso não deve ser freqüente apesar de o espaço ser razoável. O maior problema é que quem vai atrás fica sentado em cima do eixo e sente muito o trabalho da suspensão. O T4 se enquadra como modelo fora-de-estrada e isso o libera da necessidade das bolsas infláveis frontais — se houver demanda dos consumidores, pode ser desenvolvido.
O espaço no porta-malas é bem pequeno, mas com o rebatimento 40-60 do banco traseiro facilmente se encontra uma configuração apropriada. Agora toda a cabine é forrada por dentro e não há nenhuma barra da estrutura metálica aparente. No modelo anterior, como a parte traseira da carroceria e a capota eram removíveis, as barras serviam de “santantônio”. Perde-se esse recurso mas há ganho expressivo em isolamento e nível de ruído. O conforto aumentou muito. No lado direito do painel, sobre o porta-luvas, há um aplique que quando removido disponibiliza um espaço apropriado para instalação de equipamentos de navegação utilizados em trilhas e ralis.Uma dica para a Troller é fazer esse aplique, ou pelo menos a parte de trás, em preto para não refletir tanto no pára-brisa.
Tive a chance de dirigir 45 quilômetros em estrada e em um pequeno trecho urbano. Três coisas chamam a atenção logo de início: o desempenho do motor, o jeitão de jipe e o baixo nível de ruído. O trem de força é excelente com um motor suave e linear. Quase não há vibração e o ruído, típico de motores diesel mais modernos, chega a ser muito agradável. Remete a força. Através do seu som sabemos que temos muita força para qualquer situação. O acionamento da alavanca do câmbio, depois que se pega o jeito, é bem fácil e preciso. Já a velocidades entre 80 e 120 km/h passei a prestar mais a atenção nas reações dinâmicas. São 2.140 kg com quase 2 metros de altura (1.966 mm), 4.100 mm de comprimento (bem compacto), 1.870 mm de largura e 2.590 mm de entreeixos. Muito peso e altura distribuídos em uma área pequena. Mas é um jipe! A suspensão até que é confortável, e se acostumando com a movimentação da carroceria a gente logo se ajusta aos novos limites. A direção um pouco mais pesada ajuda a conter as reações. Achei-a muito boa. A ficha técnica aponta que ele chega a 180 km/h. Queria saber se existe alguém insano para isso. Para mim a velocidade boa na estrada é de 120 km/h. Muito bom. E nessa velocidade que eu me impressionei com o isolamento da cabine com baixíssimo nível de ruído.
Depois fiz um outro percurso de uns 20 km em areião de praia e dunas, típicos do Ceará. Claro que o jipe tem muita desenvoltura e não passei nenhum apuro. E o melhor, fiz isso com muito conforto. No areião basta colocar a tração em 4×4 pelo botão no console e, pronto. Fiquei pensando que muitos outros jipes, suves e picapes também são capazes de fazer isso. Mas a maioria é mais caro que o T4 e nenhum tem tanta desenvoltura. Um bom exemplo é o fato do interior do T4 ser lavável, não ter carpete e sim um assoalho revestido de borracha. E andar na areia é só uma pitada. Pouca gente tem coragem de colocar carros de mais de R$ 100.000 na lama ou em terrenos bem difíceis. Nas propagandas de TV vale tudo. Mas a diferença é que o cliente de Troller deve realmente fazer isso. Aliás, acho que devemos ter poucos leitores que são donos de Troller. Se algum deles ler esse post gostaria de saber como é ser um “Trolleiro”.
Uma das coisas que senti falta por se tratar de um modelo tão adaptado ao off-road é o bloqueio do diferencial, que ajuda muito em situações extremas garantindo que sempre haverá pelo 50% de torque em uma das rodas do eixo bloqueado. A Troller vai observar essa necessidade e pode introduzir o bloqueio caso necessário. Mas a realidade é que os donos de Troller gastam, em média, de 10 a 15 mil reais em acessórios. Um concessionário me falou que colocar o bloqueio do diferencial é uma das primeiras coisas que os que gostam de trilhas mais radicais fazem. Também houve algum comentário sobre os pneus originais 70% asfalto. Isso foi feito para melhorar o conforto fora das trilhas, Mas há dois outros pneus homologados ambos 245/70 R17, um 50% asfalto e outro 20%, ou seja, bem mais apropriados para o uso fora-de-estrada. Além disso agora há uma ampla linha de acessórios homologados e que quando instalados em uma das 20 concessionárias, mantém a garantia de fábrica, que passou para três anos. A rede de concessionárias também se atualizou tanto em termos de instalações e padrões com níveis mais altos e também na questão de atendimento de vendas e pós-venda. Os seja, a Troller fez a lição de casa completa.
Agora vem a parte que muita gente já acha logo ruim, sem nem saber ou entender o que está falando: o preço. Claro que eu gostaria de tudo isso por algo em torno de 70 mil reais. Assim como gostaria de ter carros compactos completos por menos de 30 mil. Mas isso é impossível. Então para mim o que vale são as referências de mercado e não o tamanho do meu bolso. O T4 que está saindo de linha tinha o preço de R$ 96.844. Esse novo está sendo lançado a R$ 110.990. Um projeto totalmente novo, com um motor muitíssimo melhor, ar-condicionado digital de duas zonas, sistema de áudio, ABS, três anos de garantia e um nível de conforto incomparável ao modelo anterior. Me parece ser um preço razoável e que os Trolleiros vão gostar. O concorrente mais próximo, mas que na verdade não concorre muito, é o Jeep Wrangler com motor gasolina V-6 e que ninguém coloca nas trilhas, por R$ 154.990. Vamos ver o que o mercado vai dizer.
Eu sou mais do tipo que gosta de aventuras do que do que faz aventuras (se fosse o contrário talvez o Ae site não existisse). No entanto não sou nada sedentário e gosto de sair por aí. Já fiz muitos passeios off-road e inclusive fizemos dois quase-morri (como chamamos esses passeios no Ae) com grande parte da turma de editores ante mesmo do blog nascer. Depois dessa experiência fiquei com muita vontade de retomar isso. Fiquei com vontade de pegar um T4 e sair descobrindo caminhos e praias no Ceará e fazendo altas fotos. Mas essa vontade concorre com muitas outras…
A equipe da Troller está de parabéns! Fizeram um produto nacional caprichado. Deu para sentir o entusiasmo deles durante o lançamento. Tenho certeza que vão melhorar alguns poucos pontos rapidamente e que os donos desse novo T4 serão felizes em suas aventuras e também mais felizes quando estiverem usando o T4 como transporte diário.
PK