Hoje estamos todos acostumados com o nome targa, uma variação de conversível. Não há a tradicional capota de lona que se recolhe totalmente ou quase, mas apenas parte do teto que pode ser removido. A idéia começou com a necessidade de se criar um conversível que fosse seguro em caso de capotagem, preocupação que começou nos Estados Unidos nos anos 1960. A Porsche havia lançado o 911 no Salão de Frankfurt de 1963 e tinha planos de vender — muito — seu novo carro naquele que era então, de longe, o maior mercado automobilístico do mundo e, principalmente, grande apreciador de conversíveis.
A Porsche deduziu que se num conversível um arco de segurança provê a necessária proteção numa capotagem, por que não aplicar um arco fixo no carro? Estava pronta a idéia, e de execução bastante simples, com a vantagem de se conseguir boa rigidez torcional sem precisar aplicar mil reforços no monobloco para compensar a falta de estrutura superior, comum a todos os conversíveis. O “conversível” seria a retirada de um pequeno teto feito em plástico de engenharia encaixado entre o tal arco e o pára-brisa e guardá-lo no amplo porta-malas do 911 ou deixá-lo em casa em períodos de tempo firme. E do arco para trás, até a tampa do motor, um vigia de plástico transparente e flexível — mole — que poderia ser removido se o dono quisesse apenas abrindo um zíper.
Mais incrível ainda foi o nome dado à solução do arco de segurança, que virou nome de versão, e que nome! Nascia o Porsche 911 Targa. Assim como houve o Carrera numa versão do 356 que remetia à Carrera Panamericana, prova de estrada no México que existiu de 1950 a 1954, onde a Porsche brilhou na classe até 1.500 cm³ com o 550 cupê, Targa evocava um dos grandes palcos de vitórias Porsche, a Targa Florio, na Sicília, onde o primeira triunfo ocorreu em 1956, com um 550 Spyder pilotado por Umberto Maglioli.
Assim foi que no Salão de Frankfurt seguinte, o de 1965 (é bienal como o de Paris e São Paulo) o 911 Targa foi apresentado, causando sensação não só pelo arco como também pela ausência das colunas traseiras. Era uma novidade absoluta. Mas seria preciso esperar bastante tempo para que chegasse ao mercado, pois levaria mais de um ano para a produção do Targa começar.
Em 1993, com a chegada da quarta geração do 911, o Tipo 993, surgiu um novo Targa, porém o icônico arco desaparecera, desapontando muitos admiradores da versão. Era apenas o 911 cupê com um grande teto de vidro que “desaparecia” deslizando para trás e que se alojava por dentro do vidro traseiro, bem rente. Era interessante também, como função, mas não tinha o charme do Targa, descontinuado com o fim da terceira geração, o Tipo 964.
Pois agora, vinte anos depois, com o 911 de sétima geração no mercado desde novembro de 2011, a Porsche reintroduz o arco, volta às origens com o novo 911 Targa, mas com uma diferença substancial: a remoção e colocação do pequeno teto é mecanizada por meio de um incrível mecanismo, verdadeira obra de arte de engenharia saída da fábrica de Zuffenhausen. O Ae esteve na apresentação mundial da versão à imprensa, que foi em Bari, na Itália, em abril.
Como a Porsche só convidou duas revistas para este lançamento, as revistas Carro, da qual sou editor técnico e colunista, e Car and Driver Brasil, foi preciso da um tempo, uma “quarentena”, antes de eu poder falar a respeito deste novo Porsche aqui no Ae.
Gestação demorada
Foram nada menos que cinco anos entre concepção, projeto, construção de protótipos, testes e finalmente produção. Pelo que vi, como o sistema de escamoteamento do teto funciona, a participação de 17% do Targa na linha 911 toda deverá crescer, e bastante, apesar de existirem o 911 conversível e, claro, o clássico cupê.
Isso porque, a par do estilo atraente, para o motorista do Targa toda a operação de tirar/colocar o teto se resume em apertar um botão para acionar um ciclo de apenas 19 segundos. Simples de operar, mas o que tem de engenharia por trás disso é admirável.
O teto agora é de lona rigorosamente esticada sobre uma fôrma de magnésio, mesma solução empregada no conversível, que tem ainda um isolamento térmico sob ela que contribui para reduzir o ruído de vento. O teto faz par com toda a seção traseira compreendendo vidro e o que seria a tampa do motor chegada aos pára-lamas traseiros, separados pelo arco que, como no primeiro Targa, é totalmente fixo de modo a preservar sua função primária, proteção. Para isso há sob o arco de alumínio fundido uma alma de aço. O toque de nostalgia é dado pelas três guelras decorativas de cada lado e os logos Targa, como no primeiro.
Este vídeo, apesar de narrado em alemão, mostra com perfeição como é o funcionamento do mecanismo. Foi feito no hotel-resort Borgo Egnazia, em Puglia, a meia-hora de Bari, algo inacreditável: construíram um pedaço da Itália medieval, construções tortas, nada dentro de um padrão, verdadeiramente admirável. As imagens dinâmicas são nas vias em torno do hotel.
Como se vê, ao toque do botão, carro imóvel, o vidro traseiro e a parte da seção traseira levantam-se e se deslocam para trás num movimento de translação. Simultaneamente, duas pequenas tampas nas extremidades do arco abrem para liberar o acionamento do teto, que em seguida destrava-se da moldura do pára-brisa permitindo que o mecanismo de acionamento o conduza, sem dobrá-lo, para seu local de armazenamento depois dos dois pequenos bancos traseiros, portanto sem interferir com a habitabilidade. Na continuação, o vidro traseiro fecha de novo, o mesmo acontecendo com as duas tampas do arco. Todo o ciclo é um espetáculo em si mesmo e chamou bastante a atenção no Salão de Genebra em março.
Estando o teto escamoteado, um defletor sai de dentro da parte superior da moldura do pára-brisa para eliminar quase totalmente as correntes de ar, podendo ser ajustado em altura.
Como o vidro e a seção traseira em sua translação, no final do curso ultrapassam a linha do pára-choque em 40 centímetros, há um alarme caso haja um carro ou outro obstáculo nesse campo, de maneira a evitar danos no próprio carro ou a terceiros. O acionamento do alarme se vale do assistente de estacionamento. O vidro traseiro conta com desembaçador elétrico e há opção de limpador traseiro.
A carroceria do 911 Targa é baseada na estrutura do Carrera 4 conversível, de modo que ela se beneficia da redução de peso de sua construção de alumínio e aço combinada com grande rigidez. O novo Targa pesa mais 90 kg que o cupê e apenas 20 kg mais que o conversível.
Como anda
Na bela manhã em Bari, que fica no sul da Itália e na costa do Mar Adriático, só estava disponível para experimentação a versão Carrera 4S, de tração integral. Mais do que a curiosidade sobre o desempenho proporcionado pelos dois motores, o 3,45-litros (Carrera 4) de 350 cv e o 3,8-litros de 400 cv (Carrera 4S) era conhecer o comportamento da carroceria “semi-conversível”. Sempre que se fala em conversível vem a questão da rigidez torcional. Na apresentação técnica perguntei a respeito e, sem apresentar números, foi-me dito que o Targa é torcionalmente mais rígido que o conversível e que a rigidez do cupê é o dobro da do Targa, o que faz sentido.
Nota-se claramente pequena dança do pára-brisa (cowl shake), mas ela não chega a incomodar, fora que diminui algo com o teto de lona colocado, ou seja, ainda que por pouco o teto é elemento estrutural. Pode-se dizer que é o (pequeno) preço a pagar pelo enorme prazer de dirigir a céu aberto.
Como é comum a todo 911, o Targa é mesmo um carro empolgante. A elasticidade do motor de aspiração atmosférica de 105 cv/l é surpreendente. Vai de baixa rotação como 1.500 rpm ao corte (sujo depois limpo) a 7.800 rpm, 400 rpm acima da rotação de potência máxima, com total volúpia, parecendo pouco se importar com os 1.575 kg, carro com câmbio robotizado PDK de sete marchas (20 kg menos com o manual 7-marchas também). Aceleração 0-100 km/h em 5,2 s em 5 s com o robotizado. Se este tiver o pacote Sport Plus, que inclui controle de largada, o tempo cai para 4,8 s. Trafegar a 200 km/h na autostrada — ilegal, mas todo mundo anda muito rápido — com um carro desse calibre é absolutamente velocidade de cruzeiro descansada.
A tração integral contribui para que não se despeje potência em excesso nas rodas motrizes como ocorre quando só são as traseiras, um auxílio inestimável em piso de baixa aderência. Dirigi tanto o de câmbio robotizado quanto o manual. Ambos são excelentes, embora a carga do pedal de embreagem deste último seja realmente alta. Perguntei qual a carga de pedal e fui informado ser de 13 a 17 kg, mas me pareceu mais, pelas referências que tenho.
A maneira de encarar as curvas arranca sorrisos. Nos 911 de tração integral — Carrera 4/4S cupê/conversível, e Turbo/Turbo S cupê/conversível — a bitola traseira é maior que a dianteira, e isso inclui o 911 Targa, ao contrário dos Carrera/Carrera S cupê/conversível série 991, a 7ª geração (novembro de 2011). Por isso, o Targa herdou o “visualTurbo”, com seus pára-lamas traseiros 22 mm mais largos cada lado, além pneus de seção 10 mm maior atrás, 305/30ZR20Y (Pirelli P Zero), contra 295/30/20Y nos Carreras; os dianteiros sãosempre 245/35R20.
Com toda essa borracha no chão, aliada a uma suspensão minuciosamente calibrada (permanece a velha e confiável McPherson na frente casada com a eficiente multibraço “Weissach” atrás), e freios colossais, o fato de o motor ficar lá atrás, “na popa”, não atrapalha absolutamente nada. Pelo contrário, favorece como em nenhuma outra configuração a distribuição de peso nas freadas. A direção de assistência elétrica é perfeita, pois além da indexação à velocidade, abaixo de 50 km/h a assistência aumenta automaticamente. Sem contar o elenco de assistentes ao motorista, como controle de tração e de estabilidade, suspensão ativa e vetoração por torque (de série no 4S, opcional no 4), e o controle dinâmico o chassi por meio das barras estabilizadoras.
Tudo isso, combinado com um interior cuidadosamente organizado, com bancos excepcionais e que passa uma sensação de qualidade ímpar, faz do 911 uma fonte interminável de prazer ao dirigir. Com a chegada do novo Targa, que completa o ciclo de atualização da linha 911, a de 7ª geração, iniciada há dois anos e meio, só inflama o desejo de ter um na garagem. Afinal, sonhar é de graça.
BS
FICHA TÉCNICA PORSCHE 911 TARGA 4S | ||
MOTOR | ||
Instalação | Traseiro, longitudinal | |
Material do bloco/cabeçote | Alumínio | |
Configuração / n° de cilindros | Horizontal oposto / 6 | |
Diâmetro x curso | 102 x 77,5 mm | |
Cilindrada | 4.000 cm³ | |
Taxa de compressão | 12,5:1 | |
Potência máxima | 400 cv a 7.400 rpm | |
Torque máximo | 44,9 m·kgf a 5.600 rpm | |
Rotação de corte | 7.800 rpm | |
N° de válvulas por cilindro | Quatro, atuação direta | |
N° de comandos de válvulas / localização | Dois, corrente / cabeçote, variador de fase na admissão e escapamento, variação de levantamento de válvulas | |
Formação de mistura | Injeção direta | |
Combustível | Gasolina Super Plus (98 RON) | |
SISTEMA ELÉTRICO | ||
Tensão | 12 volts | |
Bateria | 70 A·h | |
Gerador | Alternador 450 ampères | |
TRANSMISSÃO | ||
Rodas motrizes / câmbio | Quatro / robotizado | |
Número de marchas | 7 à frente + ré | |
Relações de transmissão | 1ª 3,91:1; 2ª 2,29:1; 3ª 1,65:1; 4ª 1,30:1; 5ª 1,08:1; 6ª 0,88; 7ª 0,62; ré 3,55:1 | |
Relação do diferencial dianteiro/traseiro | 3,33:1 / 3.44:1 | |
SUSPENSÃO | ||
Dianteira | Independente, McPherson, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora | |
Traseira | Multibraço, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora | |
DIREÇÃO | ||
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência elétrica | |
FREIOS | ||
De serviço | Hidráulico, duplo-circuito em paralelo, servoassistido | |
Dianteiros | Disco ventilado de Ø 340 mm | |
Traseiros | Disco ventilado de Ø 330 mm | |
RODAS E PNEUS | ||
Rodas dianteiras/traseiras | Alumínio 8Jx20 / 11Jx20 | |
Pneus dianteiros/traseiros | 235/35ZR20 / 305/30ZR20 | |
PESOS | ||
Em ordem de marcha | 1.575 kg | |
Carga máxima | 385 kg | |
CONSTRUÇÃO | ||
Tipo | Monobloco em aço, pára-lamas, portas, tampa do porta-malas e do motor em alumínio, cupê 2 portas, 2+2 lugares, subchassi dianteiro e traseiro | |
AERODINÂMICA | ||
Coeficiente de arrasto | 0,3 | |
Área frontal | 2,04 m² | |
Área frontal corrigida | 0,612 m² | |
DIMENSÕES EXTERNAS | ||
Comprimento | 4.491 mm | |
Largura com/sem espelhos | 1.978 / 1.852 mm | |
Altura | 1.289 mm | |
Distância entre eixos | 2.450 mm | |
Bitola dianteira/traseira | 1.538/1.552 mm | |
CAPACIDADES | ||
Porta-malas | Dianteiro 125 L, traseiro 160 L | |
Tanque de combustível | 68 L | |
DESEMPENHO | ||
Aceleração 0-100 km/h | 4,6 s | |
Aceleração 0-200 km/h | 15,5 s | |
Velocidade máxima | 294 km/h | |
CONSUMO (Norma européia NEDC) | ||
Cidade | 8 km/l (12,5 l/100 km) | |
Estrada | 14 km/l (7,1 l/100 km) | |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | ||
v/1000 em 7ª | 59,2 km/h | |
Rotação em 7ª a 120 km/h | 2.027rpm | |
Rotação em vel. máx., 6ª | 7.050 rpm |