Cisitalia 202 GT (www.designnet.ru)
No MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, há um Cisitalia 202 GT. Esse cupê está em exposição permanente como exemplo de design. Foi desenhado por Pininfarina e lançado em 1946, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Foi o primeiro carro a ter os pára-lamas mais altos que o capô e isso mudou radicalmente o desenho do automóvel. Até então o conceito que se fazia de um automóvel era ele tendo uma alta protuberância central que abrigava um radiador na vertical. Hoje, praticamente, o desenho de todos os carros de algum modo descende do Cisitalia 202 GT.
A Pininfarina o desenhou, mas foi piemontês Piero Dusio, o fundador e dono da Cisitalia, que peitou fabricá-lo.
Os carros da Cisitalia, esportivos ou de corrida, primaram pela beleza, leveza e harmonia nas linhas. São coisa fina, elegantes e charmosos.
Um Ford modelo1946 (www.tvhistory.tv)
Dusio era um esportista. Foi futebolista e piloto. Jogou pelo Juventus italiano, correu e venceu a Mille Miglia na sua categoria, motor até meio litro de cilindrada. Passou a fabricar carros de corrida. O pequeno em estatura e grande em coragem, o mantovano Tazio Nuvolari, pilotou para ele. Nesta foto que segue, Nuvolari havia arrancado o volante do carro, um D46 E, tal a fúria com que manejava o carro. Nuvolari era fogo na roupa, um genial demônio, guerreiro como ele só.
Nuvolari após arrancar o volante de um
Cisitalia D 46 (www.grandprixhistory.org)
Logo após a guerra, o Prof. Dr. Ferdinand Porsche, numa armadilha — foi convidado para ir à França para discutir um projeto de automóvel —, foi preso pelos franceses, acusado de ter aceitado trabalho escravo em suas oficinas durante a guerra. Bom, ele era alemão e ai de quem não topasse totalmente tudo o que o governo nacional-socialista queria.
O Prof. Porsche estava preso havia mais de ano, ocupando uma cela infecta e, mesmo adoentado, ele foi obrigado a ajudar fabricantes franceses a aprimorar alguns modelos. Dizem que o Renault 4CV tem muito do Prof. Porsche nele, motor traseiro etc, e não é à toa que ele é apelidado de “Fusca francês”.
Renault 4CV, lançado em 1947. Tem
muito do Fusca aí (www.autoweek.com)
Era preciso pagar uma fiança para soltá-lo. Desesperadamente, Ferry Porsche, filho do Professor, procurou Piero Dusio. Dusio, que havia produzido armamentos durante a guerra, portanto tinha contatos com os militares, peitou a soltura do “velho”. Peitou, foi lá, e imediatamente a pagou. Em troca Ferry desenvolveu para a Cisitalia um carro para as corridas de Grand Prix, os F-1 da época. Ele teria motor central-traseiro, tração na quatro rodas e seria pilotado por Nuvolari. O leitor veja só quão avançado era para a época. Porém, por fim, devido a problemas técnicos e financeiros esse carro acabou por não correr. Só veio a participar de uma corrida em 1954, em Buenos Aires.
O Cisitalia Grand Prix. Tração integral, motor central-traseiro, estava adiante de sua época. Nuvolari é o baixinho de capa (tugaruya1.exblog.jp)
Mas nessas de conviver com os carros da Cisitalia é que Ferry captou a grande sacada de Dusio. Os Cisitalia eram esportivos simples e usavam mecânica barata, pois derivava de modelos Fiat produzidos em larga escala, motores 1.100-cm³. Esses motores respondiam bem à preparação feita por Dusio e rendiam pouco mais de 60 cv, o que num Cisitalia, carroceria de alumínio, pesando no total pouco mais de 600 kg, boa aerodinâmica, já resultava num bom desempenho.
Cisitalia 202 SMM (www.cisitalia.com)
Ferry sacou isso e tratou de fazer exatamente o mesmo, só que usando a mecânica do Fusca. E foi assim que nasceu o Porsche 356, cujo primeiro exemplar tinha motor…central-traseiro. A Porsche deve essa à Cisitalia.
Mas nessas, por uma ou outra razão, a empresa de Dusio acabou por ter problemas financeiros e Dusio recebeu uma proposta de Juan Domingo Péron, então presidente argentino, um autoentusiasta, para que viesse a produzir seus carros na Argentina. E assim Dusio veio para as nossas bandas sul-americanas. Tentou a empresa, mas não deu certo, mas por ali ficou e criou sua família, e dentre seus filhos, uma de suas filhas, e seu marido, Alberto Díaz, hoje estão reativando a famosa marca.
Em produção no ateliê de Néstor Salerno (www.cistalia.com)
Para tanto se associaram ao meu amigo Néstor Salerno. Sim, ele é meu amigo e gosto muito dele. Em sua oficina-ateliê, nos subúrbios de Buenos Aires, ao lado do aeroporto Don Torcuato, já estive por várias vezes e sempre há alguma belezura encantadora para eu guiar. Nestor já tem bastantes décadas nas costas, foi piloto nos anos 1950 e 1960, por quatro vezes foi campeão argentino na categoria Sport, mesmos carros que participavam do Mundial de Marcas, Maserati 200S/300S e Ferrari Testarossa, por exemplo, e de décadas para cá os recria usando mecânica dos esportivos da década de 1960, que, basicamente, é a mesma mecânica dos de corrida da década anterior. Por exemplo, o Maserati Ghibli usava o mesmo bloco V-8 do Maserati 450S. Suas recriações são exatas, de alumínio, espetacularmente exatas, fantasticamente lindas, e guiá-las é como guiar um original, e um original quando novo, por sinal. Ah! Dentre suas obras, uma está no Museu Fangio e outra no Automóvel Clube Argentino, as mais prestigiadas entidades automobilísticas do país vizinho.
Recriação do Maserati 450S feita pelo Sr. Néstor
Motor de Ghibli. 380 cv carregando só 750 kg. Será que anda bem?
Alberto Díaz, o genro, que citei, de Dusio, é um arquiteto bem-sucedido e um autoentusiasta de muita cultura, o que o fez, a meu ver, dar os mais corretos passos para a empreitada. Procurou um dos maiores (senão o maior, mas sou suspeito, porque amigo sou) carrozzieri argentinos, Néstor Salerno, e encomendou à Pur Sang, a que faz recriações do Bugatti tipo 35, que recriasse um motor Cisitalia, que na verdade é um motor Fiat da década de 1940. O motor é um 4-cilindros de 1.100 cm³. Na época rendia ao redor de 65 cv, porém, o recriado, usando melhores materiais etc., deverá render mais de 100 cv, o que fará os Cisitalia andar muito.
Já os vi sendo construídos, ano passado. Encantadores. Não vejo a hora de manejarlos, como dizem os hermanos. Não vejo a hora de sentir a sua leveza. Não há nada como um esportivo leve, levinho, e bem acertado de chão. Nada igual.
Motor recriado pela Pur Sang renderá
mais de 110 cv (www.cisitalia.com)
E o incrível é que os novos modelos, que estão nascendo à exata semelhança aos antigos, terão seus números de série dando seqüência à numeração em que pararam há mais de 60 anos, já que a propriedade da marca Cisitalia ficou para a filha de Dusio.
Dusio faleceu na Argentina em 1975, mas deixou um tão forte legado de paixão pelos carros esportivos, e de corridas, que essa forte paixão, agora, felizmente, renasce.
O projeto do moderno Cisitalia (www.designet.com)
Há um projeto em andamento para um Cisitalia moderno, mas isso fica para outro dia.
Vida longa à Cisitalia!
Visite o site da Marca: www.cisitalia.com
AK