Rodamos uma semana, variando roteiros e usos, com o mais caro dos dois Honda Accord disponíveis nas concessionárias da marca no Brasil, o EX V6, com motor de 3,5 litros transversal e interessantíssimos 280 cv de potência, cujo preço sugerido é de R$ 147.900. Há versão menos cara, a EX 2.4, com motor 4 cilindros em linha também transversal de 175 cv, e preço sugerido de 120 mil reais.
O Honda Accord EX V6 tem uma caixa de câmbio automática (não epicíclica, mas de engrenagens cilíndricas, patente Honda) de seis marchas. Ao abrir o capô se lê em letras chamativas “Earth Dreams Technology” no topo do motor, slogan que pretende mostrar aos clientes que o carro, apesar de ter um motorzão, não é malvado com o meio ambiente.
Para tal, usa a tecnologia VCM, sigla para Variable Cylinder Manager, que simplesmente desliga uma das bancadas do V6 quando o motor não está sendo exigido, fazendo que na prática o 3,5-litros gaste (e ande) como um tricilíndrico de 1,75 litro, o que evidentemente contém as emissões de poluentes. Caso o condutor não queira economizar nada, basta colocar a alavanca do câmbio na posição “S” que o VCM não atua.
O comando único no cabeçote oferece às 4 válvulas por cilindro abertura varíavel denominada i-VTEC. A gestão eletrônica de última geração providencia um funcionamento suave do motorzão mas, na hora que uma das bancadas não está operando, o que acontece? Para quem pensou em “vibrações”, um aviso: a Honda providenciou um sofisticado sistema de coxins inteligentes que sabem quando e como agir para deixar as coisas em seu devido lugar, ou seja, mal se percebe que o motor está em modo “Earth Dreams”, fazendo sua parte na preservação do meio ambiente.
Na esburacada São Paulo, rodar com o Accord EX V6 é prazeroso, e chama a atenção a primorosa insonorização da cabine assim como a atuação das suspensões independentes, inesperadamente (e felizmente) registradas em modo mais firme do que se esperaria em um sedã deste segmento. Por conta disso o Accord não rola excessivamente, não inclina a carroceria quando forçado em curvas estreitas, e seus quase 5 metros de comprimento e 2,8 metros de entreeixos parecem ser erro de digitação na ficha técnica. Ágil, talvez seja um dos mais “espertos” sedãs desse tamanho que já dirigimos, mesmo levando em consideração aqueles de DNA mais assanhado, geralmente made in Germany.
Em modo calminho, como devem dirigir seus Accord a quase totalidade de seus donos, não é só o silêncio de marcha e a boa capacidade de contornar curvas sem adernar como um ônibus lotado que cativam. A boa reatividade da direção com assistência elétrica, que se adequa ao ritmo e estilo de direção, é outra surpresa. Não é nem anestesiada, filtrando exageradamente solo e ação dos pneus, nem explícita demais, entregando detalhes do piso e flexões do sistema de modo direto e desconfortável. Justo é a palavra para definir.
Essa “justiça dinâmica” em uso urbano serve para compensar injustiças que os olhos devem suportar quando Accord EX V6 pára nos semáforos e seu condutor observa o ambiente da cabine. Rigoroso, quase monástico, o interior revela que o designer encarregado talvez quisesse evocar a parcimônia do motor V6 Earth Dreams no âmbito do consumo. Os bancos revestidos de bom couro preto tem ótima conformação mas não trazem nenhum charminho estilístico, o painel vai pelo mesmo caminho, sem arroubos nem detalhes elaborados. Alguns podem ver nisso um bem, mas o perfil padrão do consumidor deste tipo de sedã em nosso mercado talvez veja esse modo de ser essencial como um mal. Não se trata de um interior pobre, tampouco feito de materiais econômicos ou de qualidade relativa, mas é com certeza sisudo demais, nada concede à frescuras, sem emoção.
Talvez o interior do irmão mais popular do Accord, o Civic, transmita mais daquilo que vem sendo chamado de “percepção de qualidade” ou “percepção tecnológica”, mesmo tendo o Accord duas telas no centro do painel, ambas de boa dimensão, uma delas tátil e outra, a posicionada mais no alto, mostrando dados do computador de bordo e também o que se passa na traseira e — novidade! — na lateral direita do Accord. Câmera apontada para a traseira visando auxílio em manobra é coisa (quase) de carro de entrada hoje, mas uma instalada no retrovisor direito para vigiar o malvado ponto cego que o espelho não dá conta é algo, acreditem, bem legal.
O aparato recebe o nome de Honda LaneWatch e funciona automaticamente quando o pisca-pisca é acionado para a direita. Tal câmera também pode ser ativada se for pressionada a extremidade da alavanca do pisca. Depois de usar tal dispositivo no Accord imaginamos que todo e qualquer carro deveria ter isso, algo que, supomos, não é tecnicamente mais complexo do que a tal câmera de ré, mas no nosso modo de entender muito mais útil.
O uso urbano do Accord EX V6 nos fez constatar agilidade inesperada a um conforto de marcha soberbo, equação difícil de elaborar. Já em uso rodoviário, houve chance de verificar outros valores, mais vinculados ao excelente motor V6 que equipa o modelo. Na verdade, a passagem do motor do modo econômico, quando funciona com três cilindros, para o modo pleno, mal se percebe. Mais do que um sentir, tal transição é ouvida, pois a “voz” muda nitidamente. Na estrada, nem isso, pois com vidros fechados, cruzando entre 110 e 130 km/h indicados no velocímetro, mal se sente (e se ouve) nada vindo do compartimento do motor. Neste uso rodoviário, 100% de conforto para quem dirige mas também para quem vai de passageiro, seja ao lado do motorista, seja no sofá traseiro, onde realmente podem sentar três adultos com conforto. Espaço para pernas e grande abertura de portas fazem este Accord EX V6 um carro perfeito para quem pretende ceder o volante a um motorista.
Já este, o motorista, ficará feliz quando na estrada se apresentar uma condição que lhe exija afundar o pé no acelerador, o que despertará uma fúria nipônica de 280 cv que vai colar as costas de quem estiver no Accord de maneira imediata ao banco, mas nem assim haverá desconforto oriundo de vibrações ou ruídos excessivos, mas apenas uma progressão brutal.
Quanto ao câmbio, este pertence à categoria dos anônimos pois não se percebe praticamente nenhuma passagem das seis marchas. Nota negativa para os condutores que gostam de comandar é a ausência de qualquer possibilidade de troca manual. Nada de borboletas e nem de alavanca + / -. A única seleção possível é passar a alavanca do modo D ao S, e ver as marchas sendo mantidas por mais tempo, além de saber que assim fazendo, o VCM não atua, ou seja, todos os seis cilindros estão funcionando.
O que mais? Dizer que ele tem um sistema de áudio competente, regulagem elétrica no banco do motorista, porta-malas capaz, comandos de áudio e controle de cruzeiro no volante e um (pequeno) teto solar parece óbvio para um sedã dessa categoria. Menos óbvio é comentar que mesmo exagerando nas saídas de semáforo para fazer o V6 “cantar” com a alavanca seletora do câmbio em S, ou seja, sem limitar o número de cilindros atuando, o consumo não desceu abaixo de 6,7 km/l. Surpresa mesmo foi terminar uma viagem de fim de semana de cerca 450 km, com trechos íngremes ocupando pelo menos 30% do percurso, com a excelente média de 13,8 km/l observada pelo computador de bordo. Na cidade, enfrentando trânsito normal da metrópole paulistana (leia-se ruim) e fugindo dos horários de pico o computador indicou 7,8 km/l. Esses números nos fazem crer que os dispositivos que a Honda criou para limitar consumo e emissões de seus motores, como o VCM e o ECON (que atua em itens como ar-condicionado) têm função, e são efetivo passo à frente para a melhor gestão de veículos empurrados por motores a combustão interna.
Considerações de mercado
Somos mesmo estranhos nós, brasileiros. A percepção, relativamente fundamentada, de que os produtos Honda têm uma qualidade superior faz filas serem formadas nas concessionárias para compra do novo Fit EXL, o modelo-topo dessa linha. Espera-se até três meses para ter um desses, cujo preço de 70 mil reais supera largamente o de concorrentes melhor fornidos de equipamentos, com padrão de acabamento superior e tecnologia equivalente, mas que não estão ungidos com a aura de qualidade construtiva, confiabilidade e bom atendimento pós-venda que a Honda soube construir desde que atua no Brasil. Em resumo, hoje em dia aqui se paga por um Fit EXL com câmbio CVT quase o mesmo do que custa um Civic de entrada.
O que tem a ver isso com este Accord EX V6 ora avaliado? O seguinte: apesar de já estar no mercado há mais de um ano, a nova safra dos Honda Accord trazida dos EUA é pouco vista nas ruas. De acordo com a última cartilha publicada pela Fenabrave, a associação nacional dos revendedores de veículos, até o final de agosto deste ano do senhor de 2014, apenas 214 Honda Accord foram emplacados enquanto — só para ficar entre marcas orientais – 1.244 Hyundai Azera chegaram as nossas ruas. Quase seis vezes mais.
Assim como cobra mais pelo seu Fit, a Honda “pesa a mão” no grande sedã, pois enquanto pelo Azera o brasileiro tem que desembolsar algo perto de R$ 115 mil reais, se preferir um Honda Accord, precisará de R$ 120 mil, mas terá de se contentar com mais fraquinho deles, o EX 2.4, empurrado por um motor 4-em-linha de 2,4 litros e 175 cv de potência, pouco perto dos músculos exibidos pelo Hyundai, cujo V6 3 litros do Azera tem 250 cv. O Accord certo para brigar com o Azera é o EX V6, que oferece números bem maiores, 280 cv em um motor de 3,5 litro e portentoso torque de 34,6 m·kgf contra os 28,8 m·kgf do rival sul-coreano, mas a um preço bem maior, R$ 148 mil.
É certo que quem quer um sedã de luxo tem dinheiro, mas também é certo que quem tem dinheiro, não o rasga. Essa poderosa diferença de 33 mil reais certamente está no centro da discrepância nas vendas, mas talvez haja algo mais. São poucos os clientes que se atêm a dados de fichas técnicas, interessados por novas tecnologias, potência, torque, relação peso-potência e por aí vai. Assim sendo, junta-se ao degrau no preço a imagem que cada modelo oferece. Não há como contestar que o Accord EX V6 é discreto demais não só ante o citado oriental Azera, mas também se comparado ao novo Fusion, cujos números de vendas são também superiores ao do Honda topo de linha. O low profile do Honda em termos estéticos, a sisudez de suas linhas externas associadas ao interior mais do que sóbrio não captura clientes, que se comovem bem mais quando lêem no anúncio do sul-coreano que a roda é aro 18 enquanto no Honda é “apenas” 17 polegadas, ou que a garantia oferecida no Azera é de cinco anos enquanto a Honda dá três anos. Isso para não falar do feérico interior do Azera, e de suas linhas bem externas mais chamativas.
Um recurso da Honda seria explorar ferramentas de marketing “Earth Dreams”, a tecnologia avançada do VCM e aspectos de segurança como a Honda LaneWatch. Dizer que seu motor grande, potente e econômico ganhou elogios à rodo mundo afora também ajudaria, mas de fato nada disso mudaria o cenário de vendas modestas caso não houvesse uma revisão de preço, excessivamente alto considerando que ao menos no mercado americano levar para casa o Azera e o Accord, em especificações parelhas às vendidas no Brasil, custa praticamente o mesmo.
RA