Estava reparando o comportamento dos motoristas no trânsito. Percebi que ele poderia ser muito melhor se as pessoas tivessem uma postura cooperativa, em vez de egoísta. Sim, um dos grandes responsáveis pelo trânsito é a falta de educação do motorista. As pessoas sempre reclamam do trânsito, mas ninguém para para pensar que elas também são o trânsito. Mas, para elas, o trânsito são sempre os outros, aqueles que a atrapalham no caminho de ida e de volta. Como se a rua fosse delas e os outros a atrapalhassem em seu direito inalienável de usar as vias públicas como quiser.
Bem, as vias públicas são… públicas! São da coletividade e são feitas para servir aos cidadãos. Cada cidadão deve usar as ruas e avenidas da forma mais eficiente possível para que um maior número de pessoas possa usufruir do mesmo benefício. A partir do momento em que ele usa a via de forma inadequada, ele prejudica outros que também precisam utilizá-la.
Quando um cidadão utiliza a via mais do que o necessário, outro cidadão pode estar deixando de usar, uma vez que as vias são um recurso compartilhado por todos. Meu objetivo aqui é listar alguns comportamentos inadequados que prejudicam os outros motoristas, para fazer com que as pessoas reflitam sobre o que fazem quando estão ao volante de um carro.
Infelizmente, tais conceitos sobre o uso do espaço público não são ensinados nas auto-escolas, que foram rebatizadas de CFC (Centro de Formação de Condutores) na onda do politicamente correto de trocar os nomes das coisas que tragam alguma conotação negativa. Bem, auto-escola nunca ensinou a dirigir, sempre foi focada em ensinar a passar no teste do Detran e assim continuaram os CFCs (mudaram o nome, mas não a essência), mas isto é assunto para outra matéria.
Nossa parca educação para o trânsito meramente ensina o aluno a decorar um livrinho de possíveis questões de prova escrita e a passar em uma prova prática. Nada é dito sobre cidadania, sobre uso do espaço público, sobre como se inserir no trânsito (passando a fazer parte dele) causando o mínimo transtorno possível, não se fala que quando todo mundo facilita a vida dos outros, todos se beneficiam. Coisas de um povo acostumado a olhar só para seu umbigo e só resolver seu problema mais imediato.
Segue agora uma lista de comportamentos. Ela não é exaustiva, não pensei em todos, mas é um começo para que se possa pensar sobre sua postura no trânsito de forma diferente. É aprender a pensar sempre da seguinte forma: “se todo mundo agir como eu ajo, o trânsito melhora ou piora?”. Não é apenas o gérson que atrapalha os outros tentando levar a sua vantagem, tem muita gente que atrapalha o trânsito sem levar vantagem alguma com isso e ainda sente que não está fazendo nada de errado, tudo por falta de pensar no impacto que causa aos motoristas ao seu redor.
1) Demorar para sair no semáforo – O semáforo tem um tempo predeterminado de abertura. Supondo que em um ciclo de 20 segundos passem 10 carros, temos um tempo médio de 2 segundos por carro. Se o primeiro da fila demorar 2 segundos para perceber que o semáforo abriu e só então engatar a marcha, o décimo carro não conseguirá passar porque o primeiro usou mais tempo do que precisava. E assim vai por toda a fila. Se cada um demorar 2 segundos a mais, em vez de 10 carros, passam 5, aumentando desnecessariamente o congestionamento, pois a capacidade de vazão da via fica diminuída. Além disso, quanto mais rápido se sair, mais carros poderão passar no mesmo turno, diminuindo o congestionamento para aqueles que vêm atrás. Portanto, ao aguardar em um semáforo, não custa já manter o carro engatado se você está em um dos primeiros três carros da fila, caso esteja atrás dos três primeiros, engate a marcha assim que o semáforo abrir. Não espere o trânsito andar, mantenha a atenção, procurando passar o mais rápido possível para ajudar quem vem atrás. Se estiver na frente, não saia muito devagar, o ideal é sair rapidamente, para ajudar a fila atrás a se movimentar mais rápido e assim permitir que mais pessoas possam passar no mesmo turno do semáforo. Portanto, nada de ficar olhando o celular, esperando que o trânsito ande para só então engatar a marcha e colocar o carro em movimento. Ou — pior ainda — distrair-se com o celular esperando ouvir a buzinada do motorista de trás, que depende de você andar para que ele ande também.
2) Andar abaixo da velocidade máxima da via – OK, é um direito seu andar da metade da velocidade máxima até a velocidade máxima, está no CTB. Mas quem faz isso em uma via com trânsito intenso torna-se um “obstáculo móvel” e atrapalha os outros motoristas. Explico: Uma via de três faixas e velocidade permitida de 80 km/h tem capacidade de vazão de 16.000 carros por hora, imaginando-se que cada carro tenha 5 metros e deixe 10 metros de distância para o carro da frente. Sendo assim, cada faixa tem capacidade de 5.333 carros por hora, se todos andarem a 80 km/h. Mas e se os motoristas, cansados de terem que dirigir com um olho no velocímetro e outro na pista por causa dos marotos radares, passassem a andar a 60 km/h? A vazão da via seria diminuída para 12.000 carros por hora, com cada faixa tendo capacidade de 4.000 carros por hora. Pois quando se anda abaixo da máxima é isso que se faz — diminui-se a capacidade da via, o que faz com que congestionamentos se formem mais facilmente quando o volume de carros aumenta. Ao andar na velocidade máxima da via, você garante que ela terá a maior fluidez possível, ajudando a diminuir os índices de congestionamento.
3) Falar ao celular ao volante – Agrava bastante as duas situações descritas anteriormente Além de sujeitar o motorista a um acidente (e a multas), ele tende a demorar mais para reagir e, ao andar, andar mais devagar, atrapalhando os outros que vêm atrás dele. Se a conversa não for urgente, ninguém se ofenderá se você disser “estou dirigindo, te ligo mais tarde”. Se for urgente, estacione o carro e continue a conversa sem atrapalhar os outros e sem a chance de levar uma multa. Mesmo no viva-voz, permitido pelo CTB, a atenção desviada para a ligação telefônica faz falta à percepção do motorista. E o faz andar mais devagar. Já repararam que, ao terminar a ligação, passamos a dirigir mais rápido? Pois é, estávamos “lerdeando”…
4) Andar entre duas faixas – Alguns motoristas acham que estão dirigindo um carrinho de autorama ou taxiando um avião, tentam manter a faixa bem no centro do carro. Brincadeiras à parte, isto é comum em ruas de apenas duas faixas. Por se sentir desconfortável em andar perto dos carros estacionados, o motorista se posiciona bem no centro da via. O problema é que, em vez de dois carros, passa apenas um (o dele), o que diminui à metade a capacidade de fluidez da via e quase sempre se formam duas filas atrás dele. Procure andar dentro da faixa, de preferência a da direita, deixando a outra faixa livre, para que outros possam utilizá-la também. Nesta semana passei uma raiva com um Golf na minha frente, que insistia em se posicionar bem no meio das duas faixa e se arrastava a 30 km/h, sem deixar espaço em nenhum dos lados para que eu o ultrapassasse. Quando a rua alargou e eu finalmente consegui passar, olhei para o lado e vi que era uma dondoca fofocando ao celular. A fofoca dela é a coisa mais importante do mundo para ela, quem vem atrás que espere! E depois ela reclama que o trânsito está cada vez pior…
5) O medrosinho – Quem anda em uma cidade cheia de rotatórias e de cruzamentos não semaforizados como Brasília conhece bem esta figura. O medrosinho é aquele que espera uma brecha P-E-R-F-E-I-T-A, daquelas que ele não consegue ver ninguém vindo, para avançar sobre uma via preferencial ou entrar em uma rotatória. O problema é que no horário do rush estas brechas são meio raras… E a fila atrás dele vai crescendo… Todo motorista deveria conhecer bem a capacidade de aceleração de seu carro, sabendo avaliar qual a distância necessária para se entrar na via sem atrapalhar quem vem trafegando por ela. Outro problema com os medrosinhos é que eles não conhecem o conceito de faixa de aceleração. Faixas de aceleração são feitas em entradas de vias de trânsito rápido, de forma que o motorista que entra possa igualar a velocidade de seu carro com a velocidade da via em que vai entrar, de forma a se inserir no trânsito sem que os outros motoristas precisem reduzir a velocidade próximo à entrada. Pois o medrosinho é do tipo de motorista que pára seu carro na faixa de aceleração esperando uma brecha. Ele não percebe que desta forma fica mais difícil para ele entrar na via do que se estivesse acelerando. E, para variar, atrapalha quem vem atrás e quer acelerar para entrar na via como se deve. Se o motorista entra a 40 km/h na faixa de aceleração e começa a acelerar, ele tem que acelerar de 40 a 80 km/h para entrar na via. Agora, se ele para, tem que acelerar de 0 a 80 km/h, o que leva mais tempo e precisa de mais distância. Neste caso, o tamanho da a faixa de aceleração freqüentemente não é suficiente, o que faz com que o medrosinho tenha que esperar uma brecha muito maior (perfeita, é claro, e segurando quem está atrás) e muitas vezes acabe entrando na pista abaixo da velocidade do trânsito que flui por ela, atrapalhando os outros que por ali trafegam. O mesmo vale para saídas de pistas expressas equipadas com faixas de desaceleração, não se deve diminuir a velocidade na pista expressa (fazendo quem está atrás ter que frear), mas sim entrar na faixa de desaceleração e só então iniciar a frenagem.
6) O pedestre folgado – Na faixa de pedestres a preferência é do pedestre, sem dúvida. Mas isto não significa que o pedestre não possa ter bom senso. Se está vindo pela via apenas um carro e ele está próximo, não custa atrasar sua travessia em 5 segundos e poupar ao motorista o trabalho de parar. Além disso, ao atravessar, não é necessário correr, mas também não precisa andar lentamente como se estivesse caminhando pelo parque admirando a paisagem. O pedestre tem o direito de usar a faixa, mas enquanto ele a usa, outros estão esperando-o terminar a travessia. Não custa facilitar a vida dos outros, cruzando a via em um tempo razoável, sem correr (aliás, nunca se deve correr ao atravessar uma rua), mas com passo rápido, sem demora desnecessária. Assim como o motorista deve lembrar-se que ele também pode ser pedestre, o pedestre deve lembrar-se que ele também pode ser motorista. Com bom senso de ambos os lados, pode-se chegar a um meio termo que seja bom para todos. Ah, apesar de não ser proibido caminhar falando ao celular, ele com certeza também tira a atenção do pedestre.
7) Nunca viu um carro amassado não? – É irritante. Mas basta ter um acidente para que as vias se congestionem. E, em muitos casos, nem é pela diminuição das faixas de rolamento. É pela curiosidade dos motoristas de ver o tamanho do estrago, mesmo que os veículos acidentados já estejam no acostamento. Em vias de mão dupla o trânsito fica prejudicado até no outro sentido, sem que haja motivo algum para isso. A causa é o péssimo hábito de reduzir bastante a velocidade para olhar melhor o acidente. Esta redução diminui a capacidade de vazão da via, fazendo com que todos atrás tenham que reduzir a velocidade, causando trânsito por causa de… curiosidade! Ao ver um acidente, não diminua o ritmo (mais ainda). Não há nada ali para você, o correto é, assim que houver condições, voltar à velocidade permitida. E, ao ver carros acidentados fora da via, não mude o ritmo, não seja você o motorista gerador de trânsito. Você é funileiro ou avaliador de seguradora para ter interesse em ver carro batido?
Reparem que, à exceção de falar ao celular sem ser através do viva-voz, nenhuma das condutas que eu descrevi aqui é ilegal. As pessoas estão efetivamente exercendo seu direito, só que o estão fazendo de forma egoísta, sem se importar com os outros que compartilham a via com ela. É como posicionar-se parado bem no meio da escada rolante no metrô: não é proibido, mas o usuário atrapalha os que querem passar por ele subindo e, pior, sem ganhar nada com isso. Pior que o gérson, que ainda age como age para tirar para si alguma vantagem (mesmo que ilícita), quem age da forma que descrevi nos itens acima não melhora sua vida em absolutamente nada, apenas prejudica os outros pura e simplesmente.
Proponho aqui uma nova forma de encararmos o trânsito, similar à que se propala para a defesa do meio ambiente. Cada um que está nele tem que ter consciência da sua interferência nos que estão à sua volta. Fazer um uso mais racional das vias, utilizando todo o seu potencial de vazão, é uma forma inteligente para se minimizar o problema do trânsito das grandes cidades. É algo que não nos é ensinado e nem é colocado na legislação como comportamento a ser estimulado. Nem nossos governantes pensam nisso, preferem bater apenas na mesma tecla ideológica do estímulo ao transporte coletivo, desestimulando pura e simplesmente o uso do carro. Eles esquecem-se de que há pessoas que efetivamente necessitam do automóvel e que não teriam como passar a usar o transporte coletivo, mesmo que quisessem. O automóvel é imprescindível como meio de transporte nas grandes cidades, por mais que prefeitos apaixonados por faixas de ônibus e ciclovias tentem negar. Conscientizar-se do seu espaço no trânsito, procurando causar a mínima interferência possível é também uso inteligente do automóvel. Ao sentar-se ao volante, sempre tenha em mente que atrás vem gente.
CMF