Agora, com o anúncio da fabricação do XL Sport, no Salão de Paris, entendemos porque em 2012 a VW comprou a Ducati, fabricante italiana de motocicletas. Oficialmente quem comprou a Ducati foi a Lamborghini, mas já que a Lamborghini pertence à Audi e a Audi pertence à VW… Deixá-la nas mãos da Lamborghini, outra empresa italiana, foi um meio mais simpático de fazer as coisas na península, já que italiano atavicamente não gosta de ficar sob comando alemão.
Mestra em motores de baixa cilindrada e alta potência, a Ducati tem muita tecnologia a oferecer ao grupo ao qual que passou a pertencer. E dessa alta tecnologia italiana a eficiência alemã já tratou de tirar proveito, pois em breve estará nas ruas um esportivo VW com motor da Ducati, o XL Sport. Derivado do XL1 (vale a pena ler), cujo propósito é ser um veículo híbrido ultra-econômico (faz 111 km/l de diesel), o XL Sport terá um propósito diferente: ele foca ser um esportivo que tirará o máximo do mínimo. O mínimo de peso, o mínimo de arrasto aerodinâmico e potência suficiente; esse é o esportivo do futuro próximo.
Para isso usará o motor da moto Ducati 1199 Superleggera, cujo motor V-2 de 1,2 litro desenvolve 200 cv a 10.750 rpm. O motor é superquadrado, já que o diâmetro dos cilindros mede quase o dobro do curso dos pistões (112 mm x 60,8 mm) e essa é uma das razões dele ir com naturalidade a tão alta rotação e tranquilamente resistir a isso, já que a velocidade média dos pistões não é excessiva, apenas 21,8 m/s na rotação de potência máxima.
Creio que devo abrir um parêntese explicativo. O leitor imagine dois motores diferentes virando à mesma rotação. Um deles tem curso de pistão de, por exemplo, 50 mm e o outro de 100 mm. Conclui-se que a velocidade média do pistão que tem curso de 100 mm é o dobro do que tem 50 mm, já que a cada rotação ele terá que percorrer o dobro da distância. Certo? E como o que nesse sistema pistão-cilindro o que interessa em termos de resistência é essa velocidade, quanto menor o curso, maior rotação o motor pode atingir.
Legendas do desenho:
Opening shim > pastilha de abertura
Clip > gramp
Collets (red) > bucha (vermelho)
Closing shim > pastilha de fechamento
Closing rocker arm > balancim de fechamento
Valve seal > vedador de válvula
Lash spring (purple) > mola de folga (roxa)
Valve > válvula
Opening rocker arm > balancim de abertura
Camshaft > árvore de comando de válvulas
Outro fator muito importante a cuidar, quando se tem altas rotações a atingir, é com a flutuação de válvulas, que seria um descompasso do movimento das válvulas em relação ao ciclo do motor. Basicamente, quanto mais alta a rotação, mais forte devem ser as molas que fazem as válvulas fechar, para que dê tempo de elas saírem do caminho dos pistões. Tudo bem, mas isso tem um limite, pois se chega a um ponto em que não é mecanicamente interessante ter molas tão duras, as perdas de energia são grandes.
E foi pensando nisso que em 1927 a fabricante francesa Salmson lançou seu motor de acionamento de válvulas desmodrômico, que basicamente é o fechamento das válvulas feito não mais por mola, mas por um acionamento mecânico através de uma arranjo especial dos balancins em contato com os ressaltos do comando de válvulas, tal como é costumeiramente usado para abri-las. A Mercedes também utilizou, nos anos 1950, o sistema desmodrômico no seu F-1 W196 e no carro esporte 300 SLR, e sabe-se lá quem o usou antes da Salmson, portanto esse sistema que a Ducati adota há décadas não é novidade. O problema não é bolar a coisa, o problema é ter um bom sistema desmodrômico, pois os ajustes requerem imensa precisão para que atue bem e resista, ou seja, não acabe por desfigurar as sedes de válvulas ou não impeça que a válvula assente completamente na sede.
Em grego, desmo significa trazendo a um contato próximo, e dromos, correndo, daí desmodrômico.
O câmbio usado no XL Sport é robotizado dupla-embreagem de 7 marchas, e entre motor e câmbio há um redutor de 1,89:1. Sua velocidade máxima é de 270 km/h e atinge 100 km/h partindo da imobilidade em 5,7 segundos. Pesa 890 kg e seu coeficiente aerodinâmico (Cx) é 0,258, sendo que o do XL1 é de 0,189. Como se vê, o Cx piorou, mas por uma boa causa: maior downforce, a força vertical descendente, já que ele é um esportivo que atinge respeitáveis 270 km/h e precisa dela.O XL1, por sinal, está limitado a 160 km/h, portanto pode se dar ao luxo de ter menos downforce.
O Cx mais alto resulta também de mais aberturas de ar nas laterais para o radiador na traseira e de pneus “normais”, mais largos, 205/50R18 na frente e 265.35R18 atrás — no XL1 eles são 115/80R15 e 145/50R16, respectivamente, muito mais estreitos. As rodas do XL Sport também são forjadas em liga de magnésio e o modelo não traz saias nos pára-lamas traseiros como no XL1, também contribuindo para elevar o Cx.
O chassi tubular acomoda suspensão dianteira de triângulos superpostos com amortecedores na parte inferior atuados por haste de tração e traseira idem, mas com amortecedores na parte superior atuados por haste de compressão; os discos de freios são carbocerãmicos.
A carroceria, como no XL1, é de compósito de fibra de carbono e as portas também se abrem-se para cima e para o lado.O XL Sport engordou em relação XL1: 4.291 mm de comprimento (3.888 mm), 1.847 mm de largura (1.664 mm). mas ficou 1 mm mais baixo, com 1.152 mm. O entreeixos aumentou para 200 mm e agora é de 2.424 mm. Com 890 kg, está 95 kg mais pesado que o carro lhe deu origem.
Mas sua área frontal é tão diminuta, 1,7 m² (XL1: 1,5 m²) que o arrasto aerodinâmico acaba sendo pequeno, o produto Cx x A, ou área frontal corrigida, é de apenas 0,44 m² (XL1, 0,28 m²); prova disso é que, lembremos, é um carro que atinge 270 km/h com somente 200 cv de potência — se o mais aerodinâmico XL1 dispusesse dos mesmos 200 cv e não 69,3 cv, chegaria a 287 km/h.
Lembra-se do Toyota GT86? Com exatamente a mesma potência do XL Sport só vai até 226 km/h, e olhe que tem bom Cx, 0,28 e área frontal de 2,02 m², com área frontal corrigida de 0,56 m².
Para diminuir a área frontal a VW usou do antigo artifício de colocar o banco do passageiro um pouco atrás do banco do motorista. Assim é possível colocar os bancos lado a lado, bem colados um ao outro, sem que o carona corra o risco de levar cotoveladas do motorista e, claro, mantendo ampla mobilidade de movimentos ao motorista. É a mesma disposição de bancos do XL1.
O motor Ducati 1199 tem dois cilindros em V a 90°, duplo comando, quatro válvulas por cilindro e dois injetores de combustível por cilindro, a tecnologia do Grupo VW de injeção no duto e direta. A bielas são de titânio é o torque é de 13,7 m·kgf a 9.000 rpm.
A previsão é de fabricarem 500 unidades do modelo. Já do XL1 serão 250 unidades, que estão à venda na Europa por € 111.000, um preço salgado para um carro que, apesar de ultramoderno, tem um desempenho módico. Já o XL Sport, por não ser um híbrido, deverá custar menos.
Mas o que vale mesmo é ver que cá e lá estão voltando a descobrir os prazeres que os pequenos, aerodinâmicos e leves esportivos têm para dar.
Assim como o XL1 nasceu da ordem expressa da Ferdinand Piëch, neto de Ferdinand Porsche e presidente do conselho de administração da VW, e dele derivou o XL Sport, e sendo Piëch o responsável pelo Porsche 917, que é o mais notável esporte de competição de todos os tempos e o novo VW teriam em comum? A manopla de câmbio em madeira. Peso é coisa séria, sempre! Tradição também.
AK