Senhoras e senhores, distinto público, se preparem para uma viagem aos bastidores da notícia. Mesmo. O Tio Escriba foi passear no México para rodar com o novo Cayenne. Mas a idéia não é falar do suve da Porsche, que conseguiu fazer um camburão de duas toneladas se portar como um esportivo a mais de 200 km/h e também subir barrancos com a agilidade de um cabrito. Em um post futuro será a vez do Big Porsche, que parece eleição para presidente do Brasil: tem a turma que adora e outros que odeiam, pelo simples fato de ser um Porsche suve.
Falo dos bastidores, pois quem não é da área raramente sabe da “cozinha”, do que acontece quando um jornalista, um sinônimo de cara duro (e eu me incluo), vai conhecer um novo carro de luxo.
E estes lançamentos são geralmente proporcionais ao valor do carro. Se é um carro mais barato, meio popular, o lançamento é idem. Você voa de classe econômica, ou vai de van pela estrada quando é perto de sua casa, fica num hotel legal, mas nada de especial, e até o show de encerramento é também “legalzinho”. Não mais que isso.
Já uma marca de luxo quer mostrar seu refinamento o tempo todo. E aí é preciso maior quilometragem de vida para não desbundar e perder critérios de julgamento sobre o novo carro. Como já disse, um jornalista quase sempre é (ou está) duro e vai mergulhar num mundo diferente do seu dia-a-dia. Mas, a aclimatação é rápida quando se vai para uma vida melhor.
Além disso, assim como os comentaristas de futebol, jornalista automobilístico também tem o seu “time do coração”, usa a camiseta com a marca de carro preferida com certo orgulho, nem que seja para dormir. Pessoalmente, sou meio eclético, e gosto desde chineses até alemães esportivos ou de luxo. Mas, claro, é bem mais fácil gostar de germânicos do que de chineses.
Voltando ao Porsche Cayenne, lá foi o Tio para a mexicana e caribenha Cancún para ver uma marca que gosto muito, lançando um modelo que já não gosto tanto.
Se fosse um Porsche esportivo de dois lugares já estaria em estado de graça uma semana antes.
Claro, vamos voar de classe executiva, pero no mucho. Indo pela Copa Airlines, uma empresa panamenha, até a executiva tem um toque latino e nada é tão sério. Qualquer empresa que fale português ou espanhol nunca é “tão séria”. As atenciosas aerochicas da Copa, logo que o vôo levanta da charmosa cidade de Guarulhos, já te passam um cardápio. Alguns cacarecos mastigáveis, entrada e prato principal e, claro, um monte de bebidas.
— É para escolher os pratos? Pergunto no meu portunhol impecável.
— Não, vem tudo que está no cardápio.
— Hahh. Então é para escolher as bebidas.
— Também não. Vem tudo no carrinho e aí você escolhe.
— Então para que você me trouxe o cardápio?
— Assim você sabe o que vai comer, responde a gracimha panamenha com um sorriso.
Mesmo assim, é muiiiiito melhor que comer barrinhas de cereal nas companhias brazucas.
É isso aí, mermão! Para quem dúvida que somos parte da América Latina, basta ir para o México. De vez em quando a gente se pergunta, por que aquela turma de brasileiros está falando espanhol.
Chegando a Cancún, vamos para um hotel de luxo (é Porsche, lembram) e o quarto tem vista para o mar do Caribe. Uma bela vista, comparável a boa parte do litoral brasileiro. No hotel existem muitos pequenos prédios, bem distantes e vários carrinhos elétricos de golfe fazendo o transporte de hospedes entre o prédio central e os quartos, que ficam a mais de um quilômetro de distância.
Vários Cayenne expostos pelo hotel dão o clima da fabrica alemã, mesmo no Caribe.
Vão chegando os coleguinhas, todos latinos: Chile, Venezuela, Argentina, do próprio México… até um solitário e simpático paraguaio. Do Brasil, a maior delegação estrangeira: quatro jornalistas, o Tio incluso.
Gozado é que aqui achamos que todos os nossos vizinhos são “estrangeiros”. Numa reunião dessas, fora do Brasil, viramos todos hermanos, ainda mais que boa parte do pessoal é conhecida, inclusive com reencontro no recente Salão do Automóvel de São Paulo.
Entre os diferentes latinos, há duas turmas, dependendo da situação do seu país: os que têm certeza que estão comendo “mierda” em 2014 e os que acham que vai faltar “mierda” para comer em 2015. Em cada país, a venda de Porsche raramente ultrapassa a casa dos 10 exemplares, exceto por aqui, onde se vende da ordem de centenas. Mesmo assim, em 2014 as vendas no Brasil caíram para a metade em relação a 2013, me sussurrou uma fonte da Porsche em tom de segredo.
Todos os jornalistas fazendo cara de blazê, aquele ar cool de quem anda em carro de mais de meio milhão de reais todos os dias da vida e só se hospeda em hotéis de luxo. Mas ninguém dá gorjeta.
No carrinho elétrico que nos leva do quarto ao salão de convenções, converso com um argentino. Ele me conta que na volta vai ficar dois dias em Miami.
— Tá chique hein, unas vacaciones…
— No. Vou comprar uns presentinhos de Natal por lá, já que na Argentina não consigo comprar nada. E vou tirar todos os dólares possíveis em caixas eletrônicos, para sobreviver.
Na Argentina, a venda de dólares é controlada e o no câmbio paralelo se paga praticamente o dobro do oficial. Ou seja, o prato dos hermanos ainda está bem mais cheio (de mierda) que o nosso.
Na chegada ao salão, o motorista do carrinho elétrico que nos levava (que estava com o ouvido quase no banco de trás, onde estávamos sentados) pergunta de que país somos, já que temos sotaques tão diferentes.
Em meio a gargalhadas, o argentino explicou que era argentino e eu confessei que não falava espanhol. Aquilo era portunhol, o falso espanhol de um brasileiro.
— Mas eu entendo tudo, protestou o motorista.
— Esse é o grande truque, esto es una gran broma.
No almoço no hotel, como qualquer brasileiro, acho que só eu sou esperto. Um dos pratos de salada estava coberto de camarões. Claro, peguei só os camarões e uma folhinha de verdura para disfarçar. Os camarões estavam ótimos e voltei para pegar mais. Só sobraram as verduras e um rabinho seco de camarão.
No jantar, depois de encher o caco com margueritas — as “caipirinhas” mexicanas com tequila, aguardente mexicana feita à base de um tipo de cactos — entram os mariachis, os seresteiros com chapéus de Pancho Villa.
Todos assistem impávidos a muitas canções, até que os cantores resolvem cantar Guantanamera. Todo mundo canta junto e aplaude. O chileno na mesa ao lado comenta:
— A melhor canção mexicana é cubana. É duro ser latino…
Sobre a mesa, os chiques guardanapos trazem o logotipo da Porsche. E marca é marca, até para jornalista “imparcial”.
Vou roubar meu guardanapo, pensa logo o Tio esperto, enquanto enfiava o próprio no bolso. Quase saindo da mesa, tive outro ataque de esperteza à brasileira e resolvi roubar mais um. Olhei para a mesa e, surpreso, verifiquei que absolutamente todos os guardanapos haviam sido roubados.
Y que Dios bendiga a América Latina. Somos todos iguais.
JS