Eu trabalhava na Engenharia Avançada da Ford em seu Centro de Pesquisas (CPq) em São Bernardo do Campo quando nos idos de 1978 iniciamos o programa BETA, que aém do projeto de uma picape, previa também outros dois estudos, um furgão e um utilitário, todos com base na plataforma básica do Ford Corcel.
A picape o leitor conhece muito bem, o Ford Pampa lançado em 1982 e que marcou época como um dos mais bem sucedidos projetos brasileiros. Em 1984 a Pampa lançou sua versão 4×4 que foi um grande desafio de engenharia pois o projeto não contemplava um interdiferencial para compensar as diferenças de rotação entre os eixos dianteiro e traseiro principalmente em curvas, limitando o seu uso ao off-road.
Recomendo ao leitor minha matéria Memórias da Ford – parte 3 que aborda também a história da Pampa.
O projeto do furgão parecia ser muito simples, seria a própria Pampa com baú fechado em vez da caçamba aberta.
Foi construído um protótipo funcional na ferramentaria do CPq e que foi submetido a analises de custos e de manufatura em termos de viabilidade do projeto. Este protótipo tinha inclusive um defletor no teto para melhoria da aerodinâmica do furgão. Modelos em escala também foram submetidos a testes em túnel de vento para adequação da altura e do formato do baú.
Nadou, nadou e morreu na praia…
Nem mesmo a proposta da terceirização do baú e do defletor a serem feitos na estamparia da Karmann-Ghia deu resultado em viabilidade e o projeto foi descontinuado
Na época o Fiat Fiorino, que era o Fiat 147 com baú, já fazia sucesso como veículo utilitário urbano e nem isso sensibilizou a Ford a continuar com o projeto da Pampa Furgão.
Na realidade a Pampa Furgão entrou indiretamente em produção através do mercado paralelo. Varias empresas encarroçadoras fizeram projetos diversos de baús e capotas para a resistente picape Pampa.
Vamos ao Jampa, que é o foco principal desta matéria.
O Jampa foi criação da engenharia da Ford no Brasil, um misto Jeep/Pampa e teve como referência o Ford Bronco, um utilitário produzido nos Estados Unidos entre 1966 e 1996 em cinco gerações sucessivas.
O primeiro Bronco, sempre na versão 4×4, foi lançado em 1966 como competidor direto do Jeep Willys CJ5 e ficou até 1977 mantendo a característica ORV (off-road vehicle). Com três tipos de motorização, 6 cilindros 170-pol³ (2.785 cm³) do Ford Falcon, V-8 289-pol³ (4.735 cm³) e 302-pol³ (4.940 cm³) da série Windsor, fez sucesso no mercado estadunidense.
Em 1978 o Bronco ficou grandão e deixou de ser jipinho para ser um utilitário esporte, já em base da picape F-100 com chassis encurtado e utilizando somente o motor V8 302-pol³.
No Brasil, o Jampa também teria a missão de substituir o Jeep Willys CJ5 , como fez o Bronco nos Estados Unidos.
O estudo da distância entre eixos e de carregamento foi o ponto de partida para o Jampa.
Para comparação:
Corcel 2.440 mm
Pampa 2.580 mm
Bronco MK1 2.337 mm
Jeep CJ5 2.057 mm
Jeep CJ6 2.565 mm
O Jampa utilizou a mesma distância entre eixos do Corcel, 2.440 mm, ficando apenas 103 mm maior que o Bronco.
Um protótipo funcional foi construído no CPq com duas capotas removíveis, uma de lona e outra rígida, sendo a mecânica mantida a mesma da Pampa 4×4.
A tração 4×4 da Pampa não tinha interdiferencial para equalizar as diferenças de rotação dos eixos, principalmente em curvas e também não tinha a caixa de transferência com reduzida, limitando o projeto.
O Jampa nunca seria um Jeep de verdade e todas as avaliações veiculares que fizemos confirmaram este aspecto.
Estudos foram feitos para adaptar a caixa de transferência com reduzida e interdiferencial do Bronco, porém não houve viabilidade técnica e comercial.
A Ford desistiu do projeto Jampa e em 1983 o Jeep Willys também saiu de produção. A Ford definitivamente abandonou este segmento.
Espero que o meu grande amigo jornalista Roberto Nasser consiga resgatar o protótipo do Jampa, se é que ele ainda existe, para o seu museu em Brasília.
CM