Eu sei muito bem que Papai Noel não foi muito generoso no último Natal. O comércio reclama de vendas mais baixas do que nos outros anos e nem todo mundo foi atendido pelo simpático velhinho. Certamente alguns mandaram cartinha pedindo um carro novo e ficaram a ver navios – ou a ver carro velho, mesmo.
Mas isso não é motivo para andar com veículo caindo aos pedaços, sem segurança para os ocupantes ou mesmo para os demais veículos. Vejam bem, quando digo carro velho não me refiro ao ano de fabricação, mas ao estado de conservação, pois conheço muita gente que tem carro com vários anos de fabricado e o possante está impecável, com a manutenção super em dia. Eu mesma me qualifico nessa categoria. Refiro-me àquelas latas velhas com para-choque amarrado com arame, aquilo que eu chamo de “tração independente nas quatro rodas” (quando cada uma vai para um lado) e demais equipamentos vencidos.
Como já comentei neste espaço, somente em São Paulo o governo estima que 30% a 35% dos veículos transitem irregularmente, sem licenciamento nem pagamento de IPVA nem DPVAT. Em Dourados esse índice é de 23%, no Paraná os mesmos 30% e por aí vai, sem grandes variações. No caso das motos, ó índice é muitíssimo mais elevado e sempre supera os 50%. Oficialmente o Brasil tem 45,3 milhões de automóveis, mas sabe-se que os números estão inflados, pois não se dá baixa nos carros que deixam de circular. Mesmo assim, daria mais de 17 milhões de carros irregulares no País. Alguém acha que eles têm a manutenção em dia? Se a pessoa não se preocupa em pagar os impostos — que, assim como diz a palavra, são impostos, portanto obrigatórios — nada me leva a crer que pagará por coisas falsamente facultativas como trocar a lâmpada queimada do farol ou alinhar a direção. Digo falsamente porque para mim manutenção é obrigatória em todos os itens – exceto trocar o perfuminho que a Citroën pôs em alguns carros, todo o resto é obrigatório em nome da segurança dos ocupantes do veículo e dos demais, incluindo ai os pedestres que podem ser vítimas de um carro desgovernado.
Por falar em carro desgovernado, acho absurdo quando leio no jornal que um motorista “perdeu o controle do veículo”. Não concordo, pois para mim alguém que dirige com freio vencido ou pneu careca nunca teve o controle do veículo, portanto não pode perder algo que nunca esteve em seu poder.
Fuçando o passado, encontrei um texto de O Estado de S. Paulo de 31 de dezembro de 1969 – atentem para a data, é 1969 mesmo, não erro de digitação — com o seguinte parágrafo:
“Flaminio Fleischmann, consultor de engenharia de tráfego, estima que um terço da frota da capital rode em condições irregulares de documentação, seja do veículo ou do condutor. ‘A fiscalização intensiva reduziria a poluição, melhoraria a fluidez ao retirar os veículos velhos e sem licenciamento e ajudaria na prevenção de acidentes’.”
A matéria já tem quase meio século e o que foi feito desde então? Praticamente nada. E digo praticamente porque ainda estou imbuída do espírito natalino e à espera dos Reis Magos, portanto cheia de otimismo e esperança na humanidade. Imaginem se esses veículos fossem retirados de circulação e os motoristas irregulares fossem impedidos de dirigir. Não precisaria de rodízio nem outras mandracagens e restrições que nossos governantes utilizam para impedir o total travamento do trânsito. E sem veículos irregulares ou motoristas despreparados, o número de acidentes diminuiria muito assim como os congestionamentos provocados por estes contratempos.
As “otoridades” ora fazem ouvidos moucos, ora alegam que os pátios já estão superlotados e não há para onde recolher eventuais veículos irregulares. E parecem preferir continuar resgatando feridos e mortos por aí do que tomar efetivamente uma atitude. Em São Paulo, quando Guilherme Afif Domingos assumiu como vice-governador de São Paulo, em 2011, lembro que me animei com declarações dele que iria alugar mais pátios para aumentar o recolhimento de veículos irregulares e iniciar a venda e o desmanche daqueles que não eram resgatados. Mas aí ele foi para o governo federal e nada foi feito.
Cuba – Já perdi a conta de quantas vezes discuti com gente que diz que “todo mundo tem direito a ter um carro”. Concordo, mas por carro (ou moto) deve-se entender um veículo (e um motorista) em condições corretas de circulação. Ninguém tem o direito de deliberadamente colocar a si mesmo e aos outros em perigo ao ficar atrás do volante de qualquer meio de transporte que não esteja em perfeita ordem. Engraçado, ou irônico, é que muitas das pessoas que defendem o direito de circular com um veículo caindo aos pedaços são as mesmas que reclamam quando o ônibus em que andam têm bancos quebrados ou pneus carecas…
Carro velho só tem algum charme em Cuba. Estive lá de férias há três anos e tirei muitas fotos dos carrões americanos dos anos 50. Andei em alguns deles, mas somente porque havia feito um seguro de vida antes de sair do Brasil e de tão velhos que são andam lentamente pelas ruas de Havana. Mas fiquei meio incomodada em Varadero quando a Kombi que nos levava para mergulhar parava a cada cinco minutos (não, não estou exagerando) e o motorista descia já com uma toalha em mãos para abanar o motor que esquentava e provocava ataques de tosse em nós, incautos turistas, pela fumaça que se espalhava pela cabine. Esse tipo de coisa só fica bem nas fotos e nas histórias na volta da viagem. O mergulho? Foi ótimo, mas certamente o oxigênio dos cilindros também foi muito bem-vindo depois de tanto monóxido, dióxido e o recém-inventado por mim trióxido de carbono.
Mudando de assunto: agora ciclovia e ciclofaixa em São Paulo poderão ser usadas por skatistas, patinadores, cadeirantes e até bicicletas de transporte de cargas — aqueles que levam vários botijões de gás ou garrafões de água e têm largura final equivalente à de um carro pequeno. Com o traçado inútil que apresentam realmente a Prefeitura precisava dar alguma finalidade a elas. Daqui a pouco vão liberar para motoqueiros… Detalhe: não sou contra ciclovia ou ciclofaixa em si, mas contra os lugares onde vem sendo implantadas.
NG