A Ducati Scrambler é a grande novidade da marca para 2015. Apresentada no Salão de Milão em novembro passado, seu destino é o de ser o modelo mais acessível da marca de Borgo Panigale. As vendas na Europa começaram agorinha. No Brasil elas deverão chegar no começo do segundo semestre de 2015 por um preço entre 35 a 40 mil reais. Dissemos elas? Sim: serão quatro as versões: Icon, Urban Enduro, Full Throttle e Classic.
Convidados pela Ducati para o lançamento para a imprensa internacional realizado em meados de dezembro passado nas cercanias de Palm Springs, na Califórnia, EUA, já vamos avisando: ela é o tipo de moto que nos faz sentir “em casa” já nos primeiros metros. Para este primeiro contato a Ducati escolheu a Icon, a mais essencial da linha. As diferenças entre as quatro versões são mínimas. A Urban Enduro é a mais “off road” como o próprio nome diz, com pára-lama alto e guidão mais largo. A Full Throttle tem cara de moto de Dirt Track e o principal elemento de diferenciação é a ponteira de escapamento, dupla. Já a Classic é conservadora, e que remete mais claramente à Ducati Scrambler do fim dos anos 1960, inspiradora do modelo atual. Mecânica e parte ciclística são iguais em todas as versões.
Scrambler é uma palavra que, em inglês, significa “misturador” em uma tradução livre. Nos anos 1950/1960 o termo servia para definir motos com capacidade de rodar tanto no asfalto como em terrenos ruins, “misturando” aplicaçõe. Dotadas de chassis, pneus e suspensões mais resistentes, foram as precursoras das Enduro/Trail de hoje. Populares especialmente na Grã-Bretanha e EUA, diz a lenda que foi uma encomenda do importador norte-americano das Ducati a fazer nascer a primeira Scrambler da marca, na metade dos anos 1960. A versão mais admirada da linha original, equipada com motores monocilíndricos, foi a 450, que juntamente às menores 250 e 350 cm³ chegou a ser importada para o Brasil pela loja de Luiz Latorre na Rua General Osório 697, ícone dos comerciantes da chamada “boca” da capital paulista.
Em termos estéticos a atual Ducati Scrambler não é uma réplica do modelo original, apenas se inspira nas linhas da moto de quase cinco décadas atrás, disfarçando em suas formas a tecnologia bem atual. O motor transversal desloca 803 cm³ e arquitetura em “L” como a Ducati gosta lembrar por causa do ângulo entre os dois cilindros ser de 90º.
Batizado de Desmodue, suas duas válvulas por cilindro são no cabeçote, obviamente acionadas pelo exclusivo sistema desmodrômico, onde o fechamento das válvulas é mecânico, sem molas, tornando mais preciso o funcionamento e permitindo maior performance. O arrefecimento é misto ar+óleo, a alimentação por injeção eletrônica de corpo único com borboleta de 50 mm Ø e dois injetores posteriores à borboleta. A potência declarada é de 75 cv a 8.25o rpm, com torque de 6,9 m·kgf a 5.750 rpm.
Associadas ao chassi tipo treliça tubular de aço estão suspensões Kayaba: na dianteira um garfo invertido com tubos de 41 mm Ø. Atrás um monoamortecedor situado à esquerda e regulável na pré-carga da mola é ligado a uma balança arqueada, feita de liga leve. Em ambas rodas o curso é de 150 mm, nem curto como em estradeiras que tem de 100 a 120 mm, em média, e nem longo como nas trail, que podem ter mais de 200 mm. Para as rodas, aro 18” na frente e 17″ atrás, raiadas nas versões Urban Enduro e Classic, de liga leve na Icon e Full Throttle. Os pneus são radiais Pirelli MT60 RS.
Como anda
Os tortuosos caminhos californianos escolhidos para o test-ride foram ideais para conhecer as habilidades da Scrambler. Ágil e esperta, sua grande qualidade é a facilidade com a qual se deixa levar. Em um mundo no qual as motos têm, cada vez mais, eletrônica às pencas sob a forma de controles de tração, modos de gestão de motor, níveis de resposta ao acelerador ajustáveis e suspensões ativas, foi a essencialidade dessa Scrambler a nos atrair. Nela apenas o sistema de freios ABS — discos simples na dianteira e traseira — é concessão à modernidades que retiram do piloto a completa responsabilidade sobre erros ou acertos de condução.
Subindo e descendo as montanhas à beira do deserto de Sonora houve chance de enfrentar condição de piso molhado/úmido, o que exaltou as qualidades de equilíbrio e estabilidade da Scrambler, moto que não intimidará os menos experientes mas que nem por isso deixará os mais hábeis frustrados. Ajuda muito nessa feliz comunhão de moto fácil-moto instigante a boa ergonomia, com largo guidão que garante sensação de pleno domínio, banco de boa conformação e pedaleiras situadas corretamente.
A embreagem de tipo deslizante, que minimiza a perda de aderência do pneu traseiro em reduções fortes, tem comando por cabo em vez de ser hidráulico, opção técnica que favoreceu a sensibilidade que o auxílio hidráulico não proporciona. O motor vibra pouco e o câmbio de seis marchas tem bom escalonamento e curso curto na alavanca, com engates exatos. O acelerador é de curso mínimo, como o de aceleradores rápidos das motos de competição. Passar as marchas sem elevar a rotação além das 4.000 rpm já garante um empurrão vigoroso, favorecido pelo peso em ordem de marcha situado abaixo dos 190 kg. Quando exigido, o motor cresce de giros rápido e ao passar de 6 mil rpm ganha mais força até o corte da rotação, que ocorre na casa de 9 mil rpm.
Apesar do guidão alto, da proteção aerodinâmica nula e de pneus com cara “off”, ela não balançou em velocidades bem acima da legal, além dos 160 km/h. Conseguiria mais? Claro, pelo menos mais uns 20 ou 30 km/h, mas correr na reta não é a dela, e sim encarar curvas subindo e descendo, engolindo piso ruim sem crise. Exagerar em ângulo de inclinação não implica em esfregar pedaleiras no solo e afundar a mão no acelerador em marchas altas, 5ª ou 6ª, oferece resposta imediata. Resumindo, a Scrambler pode ser levada a passeio mas no caso de pressa mostra suas irrefutáveis raízes de esportividade, característica principal da marca italiana.
Enfim, a novidade da Ducati atende a quem deseja uma moto com visual clássico mas que não dispensa um motor que responde de modo soberbo. O design é peculiar, o acabamento ótimo, o caráter pleno. Melhor do que esperávamos no aspecto dinâmico, a Scrambler certamente será capaz de atrair também aos que pouco ligam para aspectos técnicos e de performance que caracterizam as motos da marca, mas que valorizam estilo e a exclusividade garantida por formas “post-heritage” como gosta de dizer o pessoal do marketing de Borgo Panigale. Suas mais evidentes concorrentes são a Triumph Bonneville e as Harley-Davidson Sportster, que porém não tem a verve garantida pelo conjunto da italiana. Sucesso à vista? O tempo dirá…
RA
(Atualizado em 14/01/15 às 12h45, inclusão de fotos)