Além da óbvia e importantíssima função de transportar, o automóvel é uma máquina como nenhuma outra. Ter seu próprio automóvel completa o homem moderno, liberta-o das algemas do transporte público, com seus horários fixos, seus itinerários inflexíveis e aquele monte de gente desconhecida e por vezes desagradável com quem temos que dividi-lo. No banco do motorista, o homem é senhor de seu próprio destino, capitão de seu próprio navio. Toda vez que saímos da garagem, temos escolhas infinitas; o destino, a velocidade, o estado de espírito é definido por você. O automóvel, seu servo obediente, segue sua vontade.
Ele está neste momento, no silêncio de uma garagem, ao lado de uma calçada, pacientemente lhe esperando para fazer isso. Nenhuma distância é grande bastante, e todos os caminhos são possíveis; apenas a sua imaginação é o limite. Não existe condutor melhor para o anseio de liberdade pessoal que existe dentro de cada um de nós do que está maravilhosa máquina. Como não amá-lo?
Mas o automóvel é mais que isso. Tornou-se com o tempo, também, uma extensão da personalidade de seu dono. As pessoas procuram, com seus automóveis, projetar ao mundo exterior sua visão do mundo, e seu lugar nele. Muita gente confunde isso com a necessidade de se mostrar melhor que os outros, mais rico ou esperto ou inteligente, o que é uma grande perda de tempo e esforço, além de bem deselegante. Mas se expressar ao mundo exterior com sua roupa, sua atitude, e, sim, seu carro é algo normal e todo mundo faz. Sim, todo mundo, até você. Nem que seja para dizer: eu não me importo com o que pensam de mim.
Uma das coisas mais legais do mundo do automóvel é essa; não existem escolhas corretas, e sim escolhas profundamente pessoais. Ainda mais hoje em dia, em que o nível de perfeição do automóvel moderno é impressionante, tornando todas as escolhas válidas. As pessoas escolhem carros pelos motivos mais variados, e sentem emoções de todo o tipo em relação a eles. Sim, emoções, sentimentos sinceros para com máquinas. Existe outra que faz isso? Amor, ódio, paixão, emoções fortes e humanas mas que são frequentemente aplicadas aos carros.
Para nós, entusiastas dessa maravilhosa máquina libertadora, esta escolha é sempre difícil, mas mesmo assim uma delícia. Como conhecemos profundamente os automóveis e sua história, nossa escolha é sempre complicada, mas mesmo assim, uma busca muito gostosa. E cada um de nós, mesmo conhecendo igualmente todas as opções disponíveis, acaba fazendo uma escolha particular, e bem específica. Gosto do carro X, mas com bancos de tecido, câmbio manual e pneus da marca Y. E numa cor Z.
Cada um de nós vê o carro de uma forma particular e única, e cada um de nós quer projetar uma certa imagem ao mundo exterior, mesmo que só nós mesmos formos capazes de entender o complexo e elaborado plano. Como não amar uma máquina que nos faz isso?
Imagine então se dinheiro não fosse um problema. Que escolhas faríamos? Sem a parte do dinheiro na equação, as escolhas se tornam praticamente infinitas, e o gosto de cada um, e sua personalidade, aparecem mais claramente. Foi pensando nisso que perpetramos esta matéria. Cada um dos colaboradores do site, uma fauna de entusiastas com uma variação de espécies e origens suficiente para humilhar o zoológico de São Paulo, deve escolher apenas um carro para comprar, sem pensar em dinheiro. Como se um gênio da lâmpada aparecesse e subitamente nos concedesse apenas um desejo automobilístico, sem limite algum. O que você escolheria? Qual é o carro que é mais parecido contigo, o que seria seu companheiro inseparável, se você pudesse escolher, literalmente, qualquer um?
Como esperado, as escolhas dessa turma estão longe de ser óbvias… Com vocês, sem nenhuma ordem particular, as escolhas dos autoentuaistas do AUTOentusiastas:
Juvenal Jorge
O desafio de escolher um carro único e definitivo é algo que dá calafrios na espinha. Mas encaro de outra forma. Se eu ganhei um prêmio gigante de loteria, compro o que eu quiser, não preciso pensar em praticidade. E também ninguém me disse que preciso me desfazer do que já tenho e que me serve bem.
Então fica fácil: Ford GT40, autêntico, de corrida, com cinquenta anos de vida. Tem que ter o histórico, o número de chassis certificado como um carro que participou mesmo de muita pauleira e deixou todo mundo para trás. Daqueles que só trocam de mãos normalmente em leilões, onde os preços são quase sempre irreais, devido ao calor do momento.
É um carro dramático, que materializa o resultado negativo de uma das negociações mais absurdas que jamais foram orquestradas entre empresas que fabricam carros, a tentativa de compra da Ferrari pela Ford.
História incrível cujo resultado sabemos. Enzo Ferrari colocou os americanos para correr com seus milhões de dólares, não pelo dinheiro em si, mas pelo orgulho que seria ferido se o sonho de sua vida fosse simplesmente “passado nos cobres” como dizem alguns.
Henry Ford II, neto do criador da empresa, mordido pela negativa do italiano, e com sua habitual teimosia, ordenou que um carro fosse feito para vencer Enzo em Le Mans, o mais importante palco de todos para a publicidade e fama de uma marca de automóveis. Depois de dois anos de tentativas, no terceiro venceram, e assim fizeram por mais três vezes, além de quatro campeonatos de carros esporte-protótipos, todos de nível mundial.
Talvez a influência que esse carro tenha em mim seja parcialmente provocado pelo ano da primeira vitória, 1966, o mesmo em que nasci. Tinha eu três meses de prática em chorar, mamar e encher fraldas quando o GT40, uma mescla de engenharia americana e britânica, cujo maestro do outro lado do Atlântico era John Wyer, cruzava a linha de chegada de Le Mans nas três primeiras colocações.
Mas tudo isso importa pouco quando eu olho para ele. Dever ser o carro de corridas mais belo de todos os tempos. É leve, agressivo, todo feito para a missão de andar rápido, sem concessões a nenhum tipo de beleza de estilo ou enfeites. Mas ele é lindo, demais de belo, e passa a mensagem perfeitamente, o “tema” como dizem os estilistas e designers. O tema do GT40 é ser acelerado e dirigido, sem nada eletrônico para atrapalhar, por um dia inteiro.
A praticidade de seus criadores me encantou ao máximo quando descobri que seu sistema de limpador de pára-brisa foi escolhido com base em um requisito mais do que prático. Em regra, limpadores são algo primitivo e de funcionamento ruim, muito piores eram meio século atrás. Foi adotado o sistema do Boeing 707, o primeiro jato comercial de sucesso, que precisava funcionar de forma robusta a mais de 300 km/h. Pegaram esse! Simples. Sem invenções, sem elucubrações científicas.
Assim, está escolhido meu carro. Ford GT40 de corrida, com certificação histórica. Pode ser o vencedor da 24 Horas de Daytona de 1966, corrida que aconteceu em 5 e 6 de fevereiro de 1966, com Ken Miles e Lloyd Ruby, chassis 1015. Gosto até do esquema de pintura.
JJ
Milton Belli
Quando surgiu a ideia do nosso amigo MAO para este post, uma opção logo veio à mente. Sem pensar muito, já diria que compraria um Mercedes-Benz Classe S preparado pela Brabus, com um enorme V-12 biturbo cuspidor de fogo e milhares de cavalos de potência. Era óbvio e uma simples escolha. O que mais poderia ser mais legal que transitar em uma limusine que ao menor toque do acelerador humilha um supercarro?
Mas os pensamentos começaram a se embaralhar. Seria muito fácil ir à uma revenda e encomendar um carro destes, se o dinheiro não fosse problema. Mas pensando um pouco além, não é só uma questão de preço. Como a abertura desta matéria fala, um único carro escolhido a dedo deve dizer muito mais do que uma simples folha de especificações técnicas e uma marcação de preço elevada. Não poderia deixar de pensar no que um carro único representaria.
Se é para ter um significado maior, uma verdadeira ligação com o proprietário, eu escolheria algo mais restrito, que não se pode entrar em um showroom e encomendar com um vendedor comum. Eu escolheria um Monteverdi. Alguns anos atrás descobri que há um parentesco não muito distante com o fundador da marca, Peter Monteverdi, cuja empresa teve em seu portfólio desde versões especiais de Land Rover, passando por belos GTs, até uma equipe de F-1.
A escolha mais lógica seria o modelo Hai 450 SS, um carro que foi projetado pela Monteverdi e desenhado pela Fissore, cuja parte do capital era de propriedade de Monteverdi na época. Não reclamaria também de um modelo 375 S Frua, um belo GT da mesma marca. O Hai tem um simples chassi tubular com uma bela carroceria em aço, junto com um bom nível de refinamento interno. Estes seriam os pontos altos do carros, e a cereja do bolo é o motor Hemi 426-pol³ V-8 da Chrysler montado no centro do carro, praticamente entre os dois bancos.
Nem cinco carros foram feitos dentre as versões criadas e cada um dos sobreviventes hoje vale uma fortuna, mas o que conta mesmo é a herança. O Hai nasceu em 1970 e foi um dos primeiros supercarros do mundo moderno, juntamente com o Lamborghini Miura. Nesta época, um carro de 1.200 kg com 450 cv era uma afronta ao bom senso.
O Hai por sí só não teve nada muito inovador, pois um chassi e carroceria de fabricação próprios com motor americano era uma forma até que convencional de se fabricar carros exóticos na Europa naquela época. Mas os traços, a sensação ao dirigir e a coragem de fazê-lo da forma com que foi feito devem valer cada centavo. E claro, a herança histórica desde que vos escreve.
MB
André Dantas
Como o leitor deve deduzir, em certo sentido sou o oposto ao MAO. Ao longo do tempo aprendi a ser racional para comprar para ser emotivo para usufruir.
Nada mais amargo para mim que fazer uma compra por emoção e me arrepender depois. A escolha racional pode me fazer comprar algo que não necessariamente seria minha escolha do coração, mas me traz tranquilidade depois.
No livro “Manual Completo da Moto”, os autores George Lear e Lynn S. Mosher expressam uma frase genial:
” A melhor motocicleta do mundo é aquela que você tem ou pode vir a ter.”
A frase em sí é genial, porém ainda gosto de fazer um complemento a ela:
“O melhor carro do mundo é aquele que que você tem ou pode vir a ter, e que atenda às suas necessidades”.
Estes são para mim os meus parâmetros. Porém estes parâmetros não me conduzem a um, mas a dois veículos ideais.
O primeiro seria aquele que me atendesse individualmente. Quando guio sozinho, sinto que carro grande é um exagero para as minhas necessidades. Incômodo para dirigir no trânsito travado e incômodo para estacionar.
Nestas condições, gosto de carros compactos, que com pequena distância entre eixos se comporta como um kart. É ágil no trânsito, e por ser leve, anda bem com mesmo com motor pequeno.
No mercado nacional, o mais próximo disso seria o up! com um motor mais apimentado. Não precisa ser um monstro de desempenho, mas não pode ser um carro “manco”.
O segundo carro já leva em consideração a família.
Sou solteiro sem filhos, mas tenho de cuidar de duas senhoras octogenárias, com suas limitações para entrar e sair de carros convencionais. Também costumo carregar muita carga, mais que a maioria das pessoas.
Dentro das opções atuais, a melhor opção atual para esta necessidade seria um Dobló com motor de 1,8 litro, com suas amplas portas corrediças que permitem os passageiros entrarem e saírem de pé do banco traseiro, além da enorme capacidade de carga.
São soluções de consenso. Não são majestosos sedãs nem desejados super-esportivos, mas são carros que são companheiros para me ajudar nos meus problemas.
Isso para mim vale muito.
AAD
Paulo Keller
Durante muito tempo eu queria ter um Dodge americano Charger 1968-70, com o maior motor possível, e com o blower para fora do capô. Eu gostaria que a parte mecânica fosse bacana, incluindo suspensão e freios, mas nunca estudei ou tive uma receita bem definida. Seria preto e sem restauração alguma. Bem bandido e assustador. Eu tinha um chefe muito chato e bem almofadinha, e vivia pensando em um jeito bacana de assustá-lo. Várias vezes me imaginei chegando no trabalho de mansinho com o meu Charger negro, encostando ao lado do carro dele bem quando ele estivesse descendo, e aí eu daria umas três belas aceleradas. E logo depois do susto ele receberia o um “bom dia” bem cínico. Seria um jeito interessante de demonstrar alguma atitude. Mas o tempo foi passando e essa idéia foi se desfazendo em minha cabeça.
Antes desse Dodge, quando eu era bem mais novo, eu tinha uma certa adoração pelo Camaro/Firebird. E quando a GM lançou essa nova geração do Camaro eu passei a desejá-lo por alguns anos. Até que após alugar um Camaro e um Mustang numa viagem aos Estados Unidos (na verdade foram um Camaro e três Mustangs em viagens diferentes) acabei mudando minha escolha para o Mustang GT. Acho um carro com mais carisma, mas maduro e mais autêntico. Isso foi ajudado pela superexposição do Camaro nos filmes da série Transformers. Acabou, ao meu ver, deixando o Camaro muito caricato.
Bem, já deu pra sentir que escolho carros mais por uma questão de atitude do que por qualquer outra coisa. Ainda mais hoje em dia, onde não há carro ruim. Há carros melhores que outros em alguns aspectos.
Mas morando em São Paulo e do jeito que estamos indo aqui, eu acabei mudando muito de direção. Qualquer carro que eu escolha como meu tem que ser usado no dia a dia. Eu jamais teria um carro apenas para enfeitar a minha garagem. Não tenho fundos para isso e nem uma garagem disponível. Eu admiro que consegue comprar um carro e ficar anos ou décadas restaurando e montando tudo. Eu sou mais prático e prefiro gastar o meu tempo usando o carro e desbravando o mundo.
E pensando nesse uso diário, há algum tempo eu tive a chance de andar num MINI JCW com o campeão de rali Rauno Aaltonen (vale uma googlada). Hoje, o carro que eu desejo é um MINI JCW Coupé, preto com capota vermelha. Esse 1,6-litro turbo com 211 cv é extremamente elástico e muito rápido. A opção natural seria com caixa manual. Mas sei que os JCW com caixa manual consomem muita embreagem. E a caixa automática de seis marchas com borboletas no volante cai muitíssimo bem nos JCW. Compacto ágil, direção rápida, acelerador rápido, super-estável, eficiente, e cheio de atitude. Para mim não importa se o carro chega aos 200 km/h, mas sim como ele chega aos 150, ou como ele retoma de 40 a 80, por exemplo. E nesse quesito o MINI JCW me empolga bastante.
Como eu não ligo para espaço para bagagem, e muito menos para quem vai atrás, pois raramente alguém me acompanha nas minhas aventuras, o coupé de dois lugares está ótimo. Poderia ser o roadster. Mas eu gosto muito mais do desenho da capota do coupé, além dele ser mais rígido. A suspensão maltrata bastante os ocupantes, mas é o preço que se paga. Eu trocaria os runflat por pneus normais, o que melhoraria um pouco essa condição. Esse MINI eu usaria até acabar, o que demoraria bastante.
Esse é outro ponto que eu adoro discutir com amigos. Tudo que eu tenho eu uso. E uso bem. Esse negócio de ficar economizando para não gastar isso ou aquilo e para vender o carro mais fácil, para mim não serve. Esse negócio de vender o carro cheio de orgulho com “estepe que nunca rodou” me irrita profundamente. Eu prefiro usar tudo o que puder. Por que deixaria de usar para agradar um possível segundo dono? Eu, hein! Claro que tudo que é meu uso com cuidado. Mas o cuidado nunca vai me impedir de usar.
PK
Carlos Meccia
O Meccia mandou apenas uma foto e sua escolha: Porsche 911 Targa 1974, laranja. Não sentiu necessidade alguma de nos explicar. Foi o mais esperto de todos nós: que explicação é necessária para escolher um 911, em sua clássica configuração original arrefecida a ar? Nenhuma, claro…
Alexandre Garcia
Dodge Charger 500 Hemi, 1968/1969/1970, preto.
Por que? Carroceria ”B”, carro grande mas não uma barca gigante como os “C”, motor 426 Hemi, câmbio manual de 4 marchas, que é o número perfeito e necessário de marchas para eles, preto porque é a cor certa de carro ruim, o modelo 500 com o vidro traseiro rente sem as colunas “C” com apliques, mais aerodinâmico e mais legal que os normais, e os anos maravilhosos, 1968/69/70, não ficaram mais legais que isso nem antes nem depois. Difícil de achar palavras para explicar. No fim, tão americano quanto um carro pode e deve ser, brutal, indirigível, espetacular. Representa o que eu realmente amo em automóvel.
AG
Marco Antônio Oliveira
Como o Bob, eu gosto mesmo é de carro novinho. Mas ao contrário dele, que quer principalmente o que há de mais atual em tecnologia, eu muitas vezes me vejo desejando carros antigos simplesmente porque não são mais fabricados. Apesar de também admirar alta tecnologia, adoro dirigir coisas antigas, porque são diferentes, mais mecânicas e simples, mais intensas. Afinal, tal e qual Mogli, que foi criado por lobos nas florestas da Índia, eu fui criado por uma família de Chevettes nas montanhas de Niterói.
Fora que alguns carros antigos são de uma beleza incomparável e atemporal. Como não desejar um Lamborghini Miura, um Jaguar E-Type, um Mclaren F1? Este tipo de coisa se mantém sempre desejável, mas nunca está perfeito como um novo. Eu gosto de carro novo exatamente porque é novo: se abre o capô e está tudo novinho, limpo, imaculado. Virgem. Existe algo especial, incomparável, em tirar algo novinho da loja e sair com ele por esse mundão velho pela primeira vez. É poesia automobilística pura, destilada incontáveis vezes até sua essência.
Por isso, quando falamos nesta lista, pensei imediatamente no Bugatti tipo 35, mas não o original fabricado na Alsácia, e sim a cópia perfeita em todos os detalhes que é fabricada no interior da Argentina por Jorge Anadón e sua Pur-Sang. O tipo 35 é um carro esporte como nenhum outro, e uma obra de arte estética por dentro e por fora, perfeita em suas proporções. E pode ser comprada nova, embora emplacá-lo seja uma tarefa que é melhor ser deixada para o gênio da lâmpada imaginário desta nossa brincadeira.
Pensei também no Ferrari Maranello, o último Ferrari da velha guarda, com aquele câmbio manual magnífico e antes indivisível da marca, e os outrora indispensáveis 12 cilindros em “V” lá na frente. Não existe mais nada a venda novo que se compare a este Ferrari, e eu suspeito que Deus todo-poderoso ainda use o seu 575 M 2005 de uso diário para vencer todos os recém-chegados ao céu em seu autódromo particular. Só para a gente entender quem manda, e quem realmente sabe das coisas.
Mas desde a semana passada a escolha ficou mais fácil. Desde o fim de semana passado, não ajoelho mais para Munique, e esqueci também Maranello e Molsheim: agora rezo todo dia com fé muçulmana virado para Ingolstadt. O carro que quero para mim, para usar todo dia até o último deles, é o Audi RS 7 Sportback. Branco, e sem os logotipos do modelo do lado de fora, e com limitadores de velocidade removidos, por favor, seu Gênio da lâmpada.
O RS 7 é um carro que derrubou algumas velhas convicções minhas. Antes dele, nunca tinha me divertido realmente em carros modernos, aqueles que tem muito pneu, muito peso e muita potência. Sim, eram veículos fantásticos, mas a verdadeira diversão, a conexão com a máquina, a vontade de dirigir mesmo sem lugar para ir, sempre chamava a atenção por sua ausência. Além disso sempre gostei de carro simples, sem muitas complicações e principalmente, botões e ajustes. Eu também sempre, como vocês devem saber, nunca andei em um carro automático que realmente me apaixonasse.
Mas tudo mudou com o RS 7. Complicado, cheio de eletrônica, tração total, 560 cv, rodas de 21 polegadas, 10.537 botões diferentes no painel (sim, o número é uma brincadeira). Mas ainda assim, desde que o deixei sofro de crise aguda de abstinência. Um carro mais viciante que nicotina.
Os motivos para isso encheriam um livro, mas tentarei resumir. Primeiro, é um carro que que pode ser usado por minha família no dia a dia. Cabem todos os quatro, e malas, tem quatro portas e tem tampa traseira. Em baixa velocidade é dócil, macio, silencioso, um carro de luxo de alto nível. Mas é também muito mais que isso. O motor é estupendamente feroz, é cravar o pé e ele pula para frente gritando seu berro ardido e característico, e você é jogado contra os bancos com tanta força que é como se um elefante aparecesse em seu colo. A aceleração dá náuseas aos mais fracos (o PK), te deixa confuso e abestado da primeira vez que a sente. Embaralha a mente de tão rápido.
Muitos carros são velozes porém, e não impressionam tanto. O que impressiona é que o RS 7 faz 560 cv se tornarem perfeitamente usáveis para qualquer pessoa que tenha um mínimo de experiência no volante. Essa montanha de potência é acessível, fácil, está ali a sua disposição sem drama algum. Daqui até ali na próxima esquina, se você assim desejar. Ele realmente põe todos os 560 cv no chão, e nada vira fumaça de pneu. O câmbio automático faz nos esquecer que existe câmbio: concentre-se no acelerador e freio que é suficiente.
Já li muitos avaliadores ingleses dizerem que este carro é “isolado como todo Audi”. Todo carro moderno é isolado, mas este faz isso não ser um problema. É muito divertido, com quantidades tão fortes de motor, aderência, agilidade e controle total, que te deixam completamente embriagado. O carro parece diminuir de tamanho a sua volta, a direção varia peso eletronicamente rápido, suave e quase imperceptivelmente, mas de uma forma que mantém a gente tranqïilamente no controle da besta-fera sem drama algum. A suspensão com molas pneumáticas é mágica, perfeita em curvas tomadas com fúria, mas sempre confortável, mesmo com pneus de perfil baixíssimo.
E é também um automóvel que te faz sentir especial. É algo feito com cuidado e carinho, que faz lembrar da propaganda da Porsche que falava sobre “…o ápice de tudo que sabemos, e tudo o que somos”. Este carro é, na minha humilde opinião, o ápice do automóvel. É um carro normal, familiar até, mas que pode acompanhar praticamente qualquer carro esporte de primeira, em qualquer lugar que não seja uma pista de corrida. E sem drama algum.
É também bonito, lindo, maravilhosamente belo. Vejam a foto que coloquei dele, tirada pelo PK, e tente não suspirar. Que coisa linda! O carro todo é feito com cuidado, com materiais de primeira, acabamento e design feito por quem gosta e conhece carro. Bancos maravilhosos, confortáveis, seguram em curva, revestidos de uma belíssima alcantara, volante de tamanho perfeito com ajuste gigante, HUD bem feito… Todo pequeno detalhe é bem pensado, delicioso ao toque, bem projetado e executado, à minúcia. Ninguém que participou do projeto deste carro se satisfez com menos do que o melhor possível, e isso aparece claramente, e permeia toda a experiência com ele.
Mesmo a maior velocidade opcional disponível na Alemanha, mais de 300 km/h, ainda é limitada! E ainda assim, o site Autoblog americano reporta que é possível andar tranquilamente na neve de Michigan, feito um SUV. É algo que me deixou francamente bobo, um carro feroz, divertido, quase vivo de tanta personalidade, mas ainda assim um meio de transporte eficiente e usável. E que bem cuidado provavelmente durará para sempre.
Assim que o gênio retirasse todos os limitadores de velocidades, colocaria a família no meu e partiria para uma viagem. Sem destino definido, rumaria em direção sul parando onde desse na telha, e ficando onde me desse na telha. Dirigir um desses carros com boa companhia dentro é tudo que gostaria de fazer até o fim de meus dias. Sim, ele é bom assim.
MAO
Josias Silveira
Quando o MAO me propôs a questão, simplesmente ignorei. Não conseguiria escolher apenas um carro se o dinheiro não fosse uma limitação.
Uma amiga minha, psiquiatra, um dia viu uma parte do monte de cacos-velhos que tenho e me perguntou: por que você não vende tudo isso e compra apenas um carro novo bem legal. Claro que ela me perguntou como amiga, já que como cliente de uma psiquiatra sou, no mínimo, um belo doutorado ou simplesmente um “caso perdido”. Fui para casa, fiz as contas de quanto levantaria vendendo todas as minhas velharias e tentei escolher um único carro. Não consegui.
Resumo da história: sou uma prostituta sobre rodas, ou um ninfomaníaco. Não consigo ter um carro só. Gosto de ter dúzias.
Assim, se o dinheiro não for problema, primeiro tenho de comprar um galpão, algo modesto, só para uns 50 ou 60 carros. Velhos, claro. Carro novo é o paraíso da monotonia. Quem tem carro velho jamais vai compreender o real significado da palavra tédio.
Galpão comprado, começaria uma lista enorme.
Adoro um pocket rocket e começaria por um Subaru Vivio Turbo. Isso mesmo, o minicarro japa de 660 cm³ teve uma versão turbo e 4×4 nos anos 1990, com uns 80 cv (para pouco mais de 600 kg de peso) Uma vez, procurando informações sobre o meu Vivio (aspirado), achei um cara na Inglaterra vendendo motor e câmbio completo de um Vivio Turbo por apenas 300 libras, com ECU, chicotes e tudo. Perdi o sono só de saber que é muiiiito complicado trazer aquilo para nossa terrinha de terceiro ou quarto mundo.
Adoro wagons, as velhas peruas. Já tenho uma Volvo 850T, mas compraria mais um ou dois camburões, de preferência Mercedes ou BMW. Alemão sabe fazer wagons como ninguém.
Por falar em alemães, também adoro conversíveis, assim também colocaria no meu galpão imaginário um conversível Mercedes ou BMW. De qualquer ano e, em caso de dúvida, um de cada marca.
Também adora sedãn, hatch e derivados. Nesta categoria de sedã diferente, gostaria de ter um sueco Saab turbo. Se não tiver aquele sedan estranho dos anos 1990, pode ser também seu derivado, um Saab 900 conversível, ainda mais esquisito e, exatamente por isso, muito atraente.
Também compraria um Citroën deux chevaux e um Fiat Cinquecento, ambos dos anos 1960. No Cinquecento faria um swap com algum motor 1,0 ou 1,3 dos Fiat nacionais. O Cinquecento pioneiro é lindo, mas um lixo para andar.
E por que não alguns japinhas a mais? Um Honda Civic VTi 1998 e um Mazda MX-5, o “Miata”, também dos anos 1990.
Claro, um Ford Mustang até 1967, de preferência com mecânica do sábio Tio Shelby, para representar os muscle cars do Tio Sam.
E ainda um…. Gente! Esta lista seria muito longa, ninguém teria paciência de ler.
Agora, se eu for mesmo obrigado a comprar um carro novo — sob ameaça petista de levar o litro de gasolina aos R$ 7,00 — acho que pegaria um VW up! duas-portas, só para fazer um German Look como este do Adriano Rizzo, mostrado na foto roubartilhada da VolksPage do Facebook. Óbvio que daria um “tapinha” no motor três- cilindros.
NOTA DO TIO: a lista é quase infinita, mas estranhamente não tem nenhum SUV.
SEGUNDA NOTA DO TIO: Tenho outra lista, também bem grandinha e secreta, muito mais interessante. A relação dos carros que, se me derem e eu precisar usar, não aceito. Se puder vender, até pego. Para rodar, jamais.
Arnaldo Keller
SONHANDO BEM ACORDADO
Evite sonhar com algo que você não provou. Se o amigo leitor me permitir um conselho a respeito de sonhos, acho que esse merece um pouco de reflexão. Após algumas decepções, cheguei a essa conclusão. Coisa de gato escaldado.
E não sou só eu que passei por elas. Cito a decepcionante experiência que o nosso amigo Bob teve ao dirigir um Mercedes 300 SL Roadster. Estava ele com um amigo, creio que na Califórnia, e esse amigo, proprietário de um desse belo clássico, ofereceu o carro para que o Bob saísse sozinho para ir onde bem entendesse. O Bob sonhava com esse carro, então saiu emocionado, como estando nas nuvens. E não é que o improvável aconteceu? O passeio foi curto. O Bob logo voltou porque o carro o decepcionou. Não importa o motivo, se o carro andava menos do que ele esperava, se freava pouco, se era ruim de curva etc. Não sei e não importa. O que importa é que se, por exemplo, o Bob estivesse lá para comprar o carro, e o tivesse comprado pela baba de dinheiro que um carro desses custa; aí, sim, é que ele teria um arrependimento de dar vontade de arrancar o próprio escalpo.
Sonhar, sim, mas só sonhar para valer com o que se conhece. É chato descobrir que sonhávamos com algo que não merecia nossos sonhos.
Vou dar outro exemplo, se a leitura não o estiver enfadando. Foi o caso do sapateiro lá de Bambuí, uma pequena cidade do interior mineiro. Esse mineiro tinha poucas posses, mas tinha o grande sonho que era passar uma noite quente com uma vedete de Las Vegas. E lá, entre uma martelada numa meia-sola aqui e uma engraxada acolá, ficava ele imaginando coisas…, só imaginando e rebuscando seu sonho, detalhando tim-tim por tim-tim, coisa que lhe dava arrepios de prazer. Até que um dia morreu-lhe um avaro e riquíssimo tio fazendeiro e do dia para a noite o sapateiro se viu na possibilidade de realizar o tal sonho. Imediatamente peitou a coisa e se mandou para Las Vegas. Dali uns dias voltou o cara, meio macambúzio, meio calado. Seus amigos, claro, tocaram a lhe fazer perguntas.
— E aí? Como é que foi?
— Bom, fui lá prum baita dum hotel em que cabia esta cidade dentro. É luz e luxo pra tudo quanto é lado.
— E aí?
— E aí que me colocaram num quartão lá que era maior que este bar aqui.
— E aí?
— E aí que mostrei um bolo de dinheiro pro sujeito lá e pedi uma vedete linda e cheia de plumas.
— E aí?
— E aí que deu uma meia hora e veio aquela mulherona linda de cair de quatro. Vocês imagina uma mulher linda e era aquela lá. Uma pintura de mulher. Cheirosa, brilhosa. Vixe!
— Vixe! E aí?
— E aí que tomamos um champanhe lá, geladinho de doer a goela, e logo ela veio pra cima.
— E aí?
— Bom… E aí é que daí pra frente foi que nem aqui em Bambuí mesmo, sem novidades.
Meu sonho de carro é o Ferrari 250 Testarossa de 1958. Pode ser uma recriação. Não precisa ser um original. Mas tem que ter a mecânica da época, que basicamente é a mesma dos esportivos da marca dos anos seguintes. Motor V-12 de 3 litros, 6 carburadores Weber duplos, uns 300 cv, e pesando ao redor de 750 kg.
Já guiei dois desses, recriações exatas, carroceria de alumínio. Um, vermelho, guiei aqui na pista de Interlagos e também na Rodovia D. Pedro I. Pude passar um pouco dos 200 km/h e deu para ver que isso não era nada pra ele, que ele furava o ar feito uma pontiaguda flecha, e que tendo espaço seria seguir acelerando que passaríamos fácil dos 250 km/h.
Outro foi um preto, com batom vermelho, que dirigi na Argentina. Mesma coisa, uma perfeição. Desse tenho uma pequena filmagem. Naqueles dias ele iria para a Europa, de onde o haviam encomendado, então ele estava com pneus só para manobrar, uns diagonais Campeão Supremo, finos, pneus que usávamos nos Fuscas, mesmo assim ele tinha chão. Desse tenho um curto vídeo, que mais vale pelo som do V-12 e seus gorgolejantes Weber:
Fora esse 250 Testarossa, e volta e meia um Maserati 300 S, não sonho com outros carros. Sigo o conselho do agora experimentado sapateiro de Bambuí: contento-me com o que tenho à mão e boa. Mas, enfim, acho que o mais importante é onde se está guiando do que o que se está guiando. Mais vale um Uno na pista de Interlagos, ou mesmo numa boa e linda estrada deserta, que um Ferrari se arrastando na Avenida Europa.
AK
Bob Sharp
Acho que carros têm que ter gênese, têm que ter história, têm que ter passado, têm que ter um papel de destaque no automobilismo. E, sobretudo, têm que ser zero-quilômetro. Quem gosta de velharia é museu, quem vive do passado — alguém disse — é a Pássaro Marron, que se diz pioneira do Vale do Paraíba. O passado ficou para trás, o que importa é o presente.
Gosto muito de motores turbo, estão cada vez melhores, torque máximo próximo da rotação de marcha-lenta, tudo isso é fato e os aprecio, tenho escrito a respeito nas matérias do Ae, mas o prazer de acelerar um motor de aspiração atmosférica, especialmente se for um expoente, uma obra-prima, que encerre alta engenharia, é inigualável.
A suspensão tem que manter as quatro rodas no chão de maneira ideal e precisa mantê-las na direção correta em todas as situações. Os freios têm que ser muito potentes e sobretudo coerentes com o desempenho, com a velocidade que o carro pode atingir, um fator mais importante que o peso por ser tomado ao quadrado no cálculo da energia cinética.
O carro que eu desejaria ter, que almejo, e que poderá ser tornar realidade caso me entre uma Mega Sena gorda, tem de ter dois lugares básicos, porém deve ter pequenos bancos traseiros para emergências, como sair à noite com um casal ou transportar crianças. Considero muito esse lado prático (por isso jamais teria uma picape de cabine simples).
O carro que quero tem de ser baixo, no máximo 1.350 mm de altura (esse de que estou falando tem 1.292 mm). Gosto de ficar perto do chão e do assoalho do carro. Jamais “subir” nele, mas “descer”, de tão baixo. E não pode ser pesado demais, o carro que eu gostaria de ter na minha garagem pesa 1.505 kg, está de bom tamanho, especialmente pela excelência do conjunto mecânico.
Um dado muito importante num automóvel é a distância entre eixos Nem grande demais, nem pequena demais, há um ponto ideal que concilia agilidade e estabilidade direcional. Nesse carro que daqui a pouco o leitor vai saber qual é, a distância entre eixos é de 2.450 mm — coincidentemente, a mesma de um carro que curti muito quando mais jovem, o DKW-Vemag.
Finalmente, quando eu quiser quero dirigir a céu aberto, que acho um dos grandes prazeres na vida e ao dirigir. Ah, esse carro deve poder utilizado no dia-a-dia, não ser dado a pequenas panes ou exigir muitas idas à oficina. E nem aos postos, deve ter um bom tanque de combustível — gasolina, nada de flex, por favor.
Será que o leitor já sacou que carro é esse? Tenho impressão de que alguns já… O modelo tem um número, de três dígitos: 911. Especificamente, Carrera S Cabriolet. Motor 3,8-litros aspirado de 400 cv a 7.400 rpm, 44,8 m·kgf a 5.600 rpm. Zero a 100 km/h em 4,7 segundos, “sócio” do Clube dos 300 com 301 km/h. Câmbio? O manual, claro, que na última geração, a sétima, a chamada Série 991, é de sete marchas.
Até o fato de não ter estepe eu relevo, resolvo a parada com o selante e com a bomba pneumática elétrica que vêm junto no porta-malas…
BS
Está aí algo que o leitor do Ae não conhecia (e nem nós mesmos…), a preferência dos editores do site — se dinheiro não fosse problema!
E assim, gostaríamos de saber qual seria o seu carro se dinheiro não fosse uma restrição.
MAO