Abertura da temporada de F-1 mostrou o atual campeão usufruindo todo o potencial do seu carro enquanto Nico Rosberg mal conseguiu acompanhar seu ritmo. Outrora dominante, Red Bull chora as pitangas e ameaça deixar o playground. Felipe Nasr se lançou como o melhor estreante da temporada.
Grid mais anêmico dos últimos tempos, os 13 pilotos que completaram pelo menos uma das 58 voltas do GP da Austrália, deram boas pinceladas do que se deve esperar na temporada deste ano no que diz respeito à capacidade de coordenar o pé direito com o cérebro e no que poderão extrair dos seus equipamentos. Se alguns fatos foram consumados, surpresas também aconteceram: para a superioridade de Hamilton sobre Rosberg contrapõe-se a derrota de Verstappen para Sainz Jr.
Primeiro bloco tem duas alas
Entre os pilotos de ponta sem dúvida que Lewis Hamilton (1º no grid com 1:26.327) e Nico Rosberg (2º; 1:26.921) vivem na área nobre de um condomínio fechado, mas o quarto do inglês tem janela bem maior e vista para a piscina; durante a prova, Hamilton confirmou a hegemonia ao marcar a melhor volta da corrida e liderar 56 de 58 voltas. No que toca ao equipamento, dispensa-se análises, teorias e palpites: os carros alemães são superiores, ponto.
Já os colegas da Ferrari, Williams e Red Bull sentem isso como o peso do IPTU que assola os paulistanos, viventes em uma cidade de piso lunar. Felipe Massa (3º, 1:27.716) e Valteri Bottas (6º; 1:28.087), mostraram rendimento equilibrado, mas é sempre bom lembrar que o finlandês era dúvida e acabou nem entrando em campo, digo, na pista. A dor nas costas que vetou sua presença no grid pode reverter a situação na Malásia e Massa deixou escapar que os motores da Mercedes são superiores aos fornecidos à Williams. Quem sabe o coelhinho da Páscoa traga um ovo recheado com a solução desse problema. Ou então, Suzi Wolff faça uma promessa para Santo Antônio ou, vai que, Bottas escreva para aquele seu vizinho que anda num trenó puxado por renas e eles consigam dar um jeito no problema.
Na Scuderia, Sebastian Vettel (4º; 1:27.757) já deixou Kimi Räikkönen para trás (5º; 1:27.790) na classificação e na corrida, quando manteve um ritmo muito mais regular que o companheiro de equipe e melhorou gradativamente seus tempos à medida que seu tanque ia esvaziando. Essa tocada foi fundamental para construir a vantagem que lhe permitiu superar Massa e garantir o lugar no pódio na hora da parada obrigatória no boxe. Mais do que isso, Vettel se esforça para cicatrizar o ego ferido dos italianos e, em público, arranha palavras do idioma de Dante para se tornar o centro das atrações da Scuderia. Jogada de mestre. O erro em duplicata que atrapalhou as paradas do finlandês lembrou muito o filme que já vimos com Rubens Barrichello e Felipe Massa…
Era uma vez uma equipe que ganhava de tudo e de todos e tinha como único problema gerenciar a rivalidade entre seus pilotos e não se cansava de vencer corridas; essa equipe era feliz e não sabia. Este ano a Red Bull nem precisa comentar ou esclarecer ainda mais a superioridade de Daniel Ricciardo (7º; 1:28.329) sobre Daniil Kvyat (13º; 1:29.070). O australiano fez o que pôde e Kvyat desistiu, oficialmente, por problemas de transmissão. Já o chefe da equipe Christian Honner se debate, isto sim, com um motor que foi extensamente modificado por uma organização profundamente modificada. A própria Renault já anunciou que só espera colher frutos da reformulação organizacional de Viry-Châtillon (sede do seu departamento de F-1) a partir da metade do ano, mas explique isso para uma equipe que defende as cores de um produto que oferece adrenalina em latinhas? Famoso por sua diplomacia digna dos grotões das montanhas, Herr Doktor Helmut Marko já avisou que se as regras não mudarem sua turma sai do playground e volta para o apartamento. Louco para ter moedas de negociação, Bernie Ecclestone reverberou a queixa em forma de apoio diplomático.
O que está em jogo aqui é mais do que a superioridade da Mercedes-Benz e a qualidade do espetáculo na pista. O que move montanhas neste vale de areia movediça é o controle da categoria e enfraquecer ainda mais a FIA, que quis porque quis mudar as regras do jogo e impôs a atual fórmula de motores híbridos, combustível racionado, câmbios padronizados e por aí afora. Se conseguir mudar as regras do jogo, mais uma vez a estrutura Ecclestone & Co. vai minar a entidade que deveria se fazer notar por atitudes mais eficientes.
Como estamos falando de uma organização político-desportiva e um sistema empresarial de alcance global, este último tem tudo para ganhar a guerra em que se luta pela reformulação geral dos motores. Em meio a isso, são cada vez maiores os sinais de que a Renault poderá assumir o controle da Toro Rosso e voltar a ter sua própria equipe; vale digitar que há outras operações em condições de receber as atenções da Régie. Ao fomentar a cizânia entre seus clientes, Ecclestone ganha munição para morder e assoprar a seu bel-prazer, tão simples quanto isso.
A classe média ascendente
Sempre lutando por uma bolsa isso ou aquilo, Sauber, Force India, Toro Rosso e Lotus — nesta ordem — digladiam-se pela honra de assustar os primos ricos. A resistência demonstrada pelo C34 nos testes pré-temporada deixou claro que, com uma pequena ajuda dos amigos italianos, a Sauber poderá viver em 2015 algo parecido com o que a Williams demonstrou em 2014. Guardadas as devidas proporções — afinal, Marcus Ericsson (16º; 1:31.376) ainda não consegue acompanhar o ritmo de Felipe Nasr (11º; 1:28.800) —, os suíços têm potencial para tanto, mesmo com o fogo inimigo das tamancadas do holandês Giedo van der Garde.
Apelar para os deuses do Ganges e manter o equilíbrio com a ajuda da ioga parecem funcionar para os bravos soldados de Vijay Mallia, o peculiar líder da Force India. Como que impulsionados pelo bravo espírito irlandês que lançou as fundações da sede da equipe, seus técnicos e engenheiros deixariam contente Eddie Jordan, seu fundador e famoso por sua aversão a gastar dinheiro. Essa garra ganha importância nos tempos de vacas magras e não tão sagradas que assolam o time e ajudou a entregar a Nico Hulkenberg (14º; 1m29.208) e Sérgio Pérez (15º; 1:29.209), carros equilibrados e razoavelmente funcionais.
A Toro Rosso garantiu a grande surpresa da abertura da temporada no que diz respeito à sua dupla de pilotos, os estreantes Carlos Sainz Jr (8º; 1m28.510) e Max Verstappen (12º; 1m28.868). Piloto mais jovem a alinhar em um GP, aos 17 anos Verstappen surgiu como a última bolacha do pacote e andou mais forte que Sainz nos primeiros treinos da pré-temporada. Pouco a pouco, porém, a situação se inverteu e o jovem ibérico parece usufruir cada vez mais da maturidade que algumas temporadas de automobilismo lhe garantem. Vindo do kart, Max inicia sua segunda temporada completa com automóveis. A maior liberdade para construir seu chassi e a propalada negociação para a Renault assumir seu controle podem garantir à Toro Rosso sua melhor temporada até hoje.
Depois de progredirem até a Q1 Romain Grosjean (9º; 1:228.560) e Pastor Maldonado (10º; 1:29.480), amargaram a participação mais efêmera entre todas as equipes que puseram seus carros a funcionar em Melbourne. Grosjean mal completou uma volta e Maldonado foi tocado por Nasr quando o brasileiro e Kimi Räikkönen se tocaram logo após a largada. Desta vez o venezuelano teve direito a cobrar o DPVAT, já que foi vítima no acidente, mas o fato é que isso não ajuda muito a melhorar sua imagem. Para a Lotus, um fim de semana frustrante que deixa em aberto a real competitividade da equipe.
Já na McLaren a situação está bem mais clara, apesar da fumaça que envolve a durabilidade dos seus motores Honda. Foi, possivelmente, a primeira vez que a equipe ocupou a última fila do grid de largada ( Jenson Button foi 17º; 1:31.376, e Jan Magnussen o 18º; 1:32.037) de um GP; não fosse suficiente, Magnussen sequer alinhou… A situação não anda nada fácil para os lados de Ron Dennis e pitadas de fel gotejam das nuvens que envolvem o acidente de Fernando Alonso em Barcelona. A cada dia surgem informações contraditórias sobre o que já foi jurado como sacrossanto, metamorfose ambulante que só crescer o mistério; Alonso pode voltar na corrida da Malásia, mas há controvérsias e a regra é clara: ele só corre se passar no exame médico.
Última, mas não esquecida — para usar uma expressão que aparece book on the table —, a Manor enviou sua equipe para a Austrália, dois arremedos de carro e, jura um colega alemão, um único bico dianteiro em condições de uso. Poucos acreditaram que o inglês Will Stevens e o espanhol Roberto Merhi teriam condições de competir em Melbourne. Quando foi divulgado que a equipe não tinha o software necessário para fazer funcionar os motores Ferrari ficou difícil não lembrar da equipe Life. Em 1990, minutos antes de começar os treinos de pré-classificação para o GP da Bélgica, os mecânicos deixaram congelar as garrafas de ar comprimido e não conseguiram sequer ligar os motores do carro de Bruno Giacomelli…
WG