Há alguns dias a Justiça mandou a Prefeitura de São Paulo parar com a construção de ciclovias, exceto a da Av. Paulista. OK, esta é a parte conhecida. Como meus caros autoentusiastas sabem, sou extremamente pragmática e crítica. Culpa da genética, como também sabem, mas principalmente de longos anos traduzindo e contextualizando notícias para meus leitores dos jornais e revistas em que trabalhei. Porque é disso que tenho certeza que trata o bom jornalismo.
Os meios de comunicação não têm de assumir o papel de porta-vozes de ninguém. Para isso existem as publicações corporativas, nas quais fica bem claro qual é o objetivo. À imprensa cabe o papel de questionar, colocar as coisas em perspectiva. Bom, é isso que tentarei fazer aqui com um tema que em São Paulo é discutido a cada esquina. E por que fazer isso num veículo (sem trocadilhos) como o AUTOentusiastas, de abrangência global? Porque devemos aprender com nossos erros, mas é muito mais prático e barato aprender com os erros dos outros.
Então, voltemos ao pragmatismo. O Ministério Público está somente pedindo estudos que embasariam a instalação das ciclovias. Alguns ativistas saíram dizendo que o MP é contra as ciclovias e o transporte “sustentável”. Ora, generalizar é um truque velho de quem não tem argumentos. O MP está fazendo o que deve fazer: fiscalizar e defender os interesses da população. Tanto é que ele pediu a realização de estudos de impacto que o bom senso diz que deveriam ter sido feitos antes de sair fazendo obras a torto e direito. Não se trata de ser contra uma política de transportes, mas sim de saber a que custo e com quais consequências ela está sendo implementada.
Tanto o secretário de Transportes da cidade quanto o prefeito disseram que agora os estudos de impacto serão feitos. E, pasmem, que não haviam sido feitos porque não há reflexo no trânsito. Mas eles só poderiam dizer se há ou não impacto depois de estudar o caso, certo? O prefeito disse no dia 20 de março que 90% das ciclovias foram colocadas em canteiros centrais e em faixas de estacionamento e como não teriam (notem o verbo no condicional que eu incluo) sido retiradas faixas de trânsito, não haveria impacto. Numa rápida olhada, eu diria que 90% não corresponde à realidade mas, ainda que fosse, como dizer que não há impacto se ao se eliminarem vagas de estacionamento os carros terão de procurar vagas em outras ruas? Isso não é impacto? E ele parte do pressuposto que as áreas de estacionamento estariam sempre e totalmente ocupadas por carros. Evidentemente quando isso não acontece, os carros as utilizam para circular, melhorando a fluidez. Mas no caso das ciclofaixas ou ciclovias, mesmo estando vazias elas não podem ser utilizadas por veículos. E quando a ciclofaixa ou ciclovia diminui a largura das faixas? Apenas na Paulista cada faixa perderá de 20 a 30 centímetros, inclusive a de ônibus. Mas eles chamam isso de “rebalizamento”. Tem administrador público que parece que brinca de carrinho apenas no papel, sem ver que no mundo real os carros não cabem nas faixas que eles desenham. Aliás, Arquimedes já provou séculos atrás que dois corpos não ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo.
Ai vem outra pergunta: se os tais 90% forem verdade, como elas custaram R$ 650 mil por quilômetro? Na sempre mencionada Paris elas custaram R$ 165 mil e em Nova York, R$ 365 mil. A Prefeitura diz que esse número está errado, que seriam R$ 180 mil, mas com tanta nebulosidade nas informações é difícil saber exatamente quanto custaram. Na verdade, o número é muito alto mesmo já que não demandaram obras sofisticadas. E vemos que economizaram nos estudos prévios também…
Os meios de comunicação desde o ano passado pedem explicações à Prefeitura e um mapa das próximas ciclofaixas que serão instaladas, sem sucesso. Recentemente, as autoridades afirmaram com todas as letras que isso não existe e que eles avisam alguns dias antes onde elas serão inauguradas, via comunicado à imprensa. Ou seja, a tão falada discussão com a sociedade nunca existiu, como já diziam associações de moradores e analistas de trânsito. E o que dizer dos tais 200 km de ciclovias e ciclofaixas? São apenas números, pois muitíssimas vezes não há nenhuma ligação entre uma e outra. Há uma rua no bairro de Pinheiros onde a ciclofaixa começa logo depois de uma esquina e termina antes da seguinte. Seria para que alguém muito amigo do vizinho pedalasse uns 50 metros até a casa dele? E depois faz o quê?
Em artigo no jornal O Estado de S. Paulo um ativista do “Vá de bike” argumenta que o fato de as ciclovias e ciclofaixas apresentarem imperfeições não seria motivo para que suas obras fossem suspensas pela Justiça¨, pois “ciclista está acostumado com buracos na via”. Ora, de novo vamos aceitar algo mal feito (e caro) apenas porque já era assim? É a história do “cuidado curva perigosa” de novo.
Mas os órgãos públicos também não sabem quantas pessoas usam as ciclovias nem a quem serviriam. Vamos analisar nós mesmos, então. Quem usaria as ciclovias? Os trabalhadores com carteira assinada (e o governo diz que esse número sobe há 12 anos) já recebem vale transporte gratuitamente. Para que comprariam uma bicicleta para chegar ao local de trabalho? Os desempregados, então. Pouco provável, pois tanto eles como os idosos, têm direito a transporte público coletivo gratuito. Estudantes, então? Eles pagam metade da tarifa. Sobram os autônomos e profissionais liberais e algum desempregado, idoso, estudante ou trabalhador que queira abrir mão do transporte público barato ou grátis por qualquer motivo.
A Prefeitura alega que o apoio a essas iniciativas é grande. Era 80% e já caiu para 60%. Mas como foi mesmo feita a pergunta? Ah, lembrei: você é a favor das ciclovias? É claro que é uma pergunta retórica. Se me perguntarem se sou a favor de marcianos, responderei que sim. Não tenho nada contra eles, embora nunca tenha visto um e não faço a menor idéia se eles seriam pacíficos como em alguns filmes ou se destruiriam a Terra como em outros. Mesma coisa com as ciclovias. Minha resposta seria sim à questão retórica, mas descendo ao varejo, aos detalhes de quanto custam, onde são instaladas, bem…
Pesquisei muito e vamos a outros números para aqueles que dizem que outras cidades de primeiro mundo têm ciclovias e deveríamos ser como elas. Paris tem 440 km de ciclovias para uma área de 105 quilômetros quadrados e 2,2 milhões de habitantes na cidade ou 10,8 milhões na Grande Paris. Já Nova York tem 270 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas para 831 quilômetros quadrados e 20 milhões de habitantes. Em São Paulo são 205 quilômetros de ciclovias para uma cidade de 1,5 mil quilômetros quadrados e 10,8 milhões de habitantes ou 19 milhões considerando a Grande São Paulo. A questão principal é que Paris tem 214 quilômetros de metrô em 303 estações com 700 trens e 347 linhas de ônibus com 4.500 coletivos para uma área que equivale a 7% da de São Paulo. Nova York tem 373 quilômetros de metrô e 5,7 mil ônibus e uma infinidade de linhas de trem e uma área que equivale a 55% da área da nossa metrópole. Em São Paulo há somente 61,5 quilômetros de metrô, 260 quilômetros de trens e 16 mil ônibus.Deu para perceber a diferença? Outro detalhe importante é que quando Paris implementa o rodízio de veículos é apenas por questões ambientais e não de trânsito, como em paragens tupiniquins. A multa por descumprimento é de 22 euros (R$ 77) enquanto em São Paulo é de R$ 85,13. E em Paris os transportes coletivos são totalmente de graça nos dias de rodízio. Quanta diferença, não?
E nestes números de transporte público não estou considerando os 30 milhões de turistas que vão a Paris por ano ou os 54,3 milhões que visitam Nova York – e como todos sabemos, a maioria usa o transporte coletivo. Enquanto isso, São Paulo recebe somente 13 milhões de turistas por ano.
Mas não é por tudo isto que sou contra as ciclovias ou ciclofaixas. Assim como muitos outros acho que deveriam ser planejadas e bem executadas. Basta humildade e olhar em volta. Nem precisamos nos comparar com outros países. Sorocaba, a 100 km de São Paulo, tem 110 km de ciclovias extremamente bem planejadas e interligadas e até 2016 devem ser 160 km. É possível atravessar a cidade de um lado a outro apenas por faixas específicas – lá, sim, a quase totalidade em canteiros centrais e nas amplas calçadas. Outra diferença é que lá o projeto começou em 2006, com planejamento e sem afogadilhos. Mas há outros exemplos Brasil afora.
E se vamos comparar cidade com cidade, o prefeito de Nova York recebe US$ 225 mil ao ano (R$ 680 mil com a alta do dólar). O (a, no caso, pois é mulher) de Paris, 8,7 mil euros por mês, ou cerca de R$ 110 mil. O de São Paulo US$ 109 mil ao ano (R$ 336 mil) mas tem direito a carro, motorista, verbas de diversos tipos. Ah, e quando Michael Bloomberg era prefeito de Nova York o salário dele era de US$ 1 (ao ano!), assim como o do governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger e o governador de Massachussetts Mitt Romney. Vamos copiar estes exemplos também?
Mudando de assunto: Adorei ver um carro vermelho novamente com um Villeneuve atrás do volante na corrida de Goiânia da Stock Car. E Jacques parecia o pai quando ultrapassou por fora o Mateus Stumpf e mais ainda quando resolveu dar um “chega-pra-lá” no mexicano Antonio Pérez.
NG
Foto de abertura: huffingtonpost.com
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