Em 1909, o fundador da Ford, Henry Ford, disse que qualquer cliente poderia pedir o carro Modelo T na cor que bem entendesse, desde que fosse preto. Pessoalmente não concordo com a monocromia — não que não goste de carro preto, gosto, mas sou contra a imposição de uma única opção, pois como disse Voltaire, a pintura é poesia sem palavras. Sei que ele não falava de carros de passeio, mas me permiti um paralelo, já que muitos anos se passaram e atualmente a Ford, assim como os demais fabricantes, oferece uma gama enorme de cores de veículos em todo o mundo.
Hoje ter um carro de cor diferente da do seu vizinho não é mais suficiente e pode-se escolher o tipo de pintura. Mas a questão vai além do aspecto estético — esse totalmente subjetivo. Qual é a melhor alternativa? Qual é a mais durável? E na hora de retocar, qual é a mais fácil? E para revender?
Existem basicamente quatro tipos de pintura no mercado:
– A sólida, a mais antiga, composta por cores básicas como branco, preto e vermelho. É também a mais barata.
– A metálica, que dá um aspecto metalizado e pode ter uma enormidade de opções.
– A perolizada, que dá um aspecto de nácar, que pode ter várias cores. OK, aqui acho que só as mulheres vão entender o “nácar”, pois há uma analogia com os esmaltes de unhas, mas lembra o aspecto da casca de uma ostra. É a opção mais cara.
– O envelopamento, na maior parte dos casos para deixar os veículos totalmente sem brilho, fosco mesmo, uma certa moda hoje.
No Brasil, a preferência tem sido pelas pinturas metálicas, mas o envelopamento vem conquistando um nicho de mercado. Antes de mais nada, é importante dizer que o cuidado com a manutenção com todas as pinturas é basicamente o mesmo: a limpeza de todos os carros, independentemente da pintura, deve ser feita com água e sabão neutro. Ou seja, a receita é sempre a mesma. Portanto, voltamos à questão das preferências, do custo, da valorização e da durabilidade.
Desde a década de 1970 as tintas usadas são do grupo dos isocianato, ou seja, um verniz e dois componentes. Vantagens? Seca mais rapidamente e são necessárias menos demãos, além de maior durabilidade. Digo isso também por experiência própria, pois mandei pintar móveis de alumínio com esse tipo de tinta. Mas, claro, tem pegadinha aí. O isocianato é altamente tóxico e requer muitos cuidados na aplicação. Minha mãe, que é química, me deu uma longa explicação científica, mas, resumindo, o isocianato é parente do cianeto. Isso para mim já é suficiente para ficar longe do compressor na hora da aplicação. Sei lá, acho que é porque me lembro dos filmes de espiões e de quando eles se suicidavam com cápsulas de cianeto ao serem pegos pelos inimigos.
Já as tintas metálicas surgiram nos anos 1960. Elas são feitas com a adição de flocos de alumínio à própria tinta. Depois de aplicada e bem seca aplica-se o verniz que dá brilho.
As tintas perolizadas se popularizaram nos anos 1990. À cor base sólida acrescenta-se pó de mica e depois um verniz transparente específico. O carro perolizado não deve ser polido, pois a camada de verniz é mais fina e pode ser afetada no processo. E ele muda de cor dependendo da luz. É para quem não quer a mesma cor sempre ou gosta de veículos “camaleões”.
O envelopamento é a cobertura do veículo com material adesivo, geralmente fosco. A rigor, não é propriamente uma pintura, mas sim uma forração. Para mim lembra o antigo mas ainda útil Contact que eu usava para forrar meus cadernos na época da escola. Sua primeira utilidade é estética, mas quem o tem diz que protege um pouco mais contra arranhões. Mas nenhum técnico me confirmou isso. Outra vantagem é que pode ser refeito com rapidez e por um preço relativamente acessível, pois basta retirar a película e reaplicar. E sempre há a possibilidade de se voltar à pintura original. Claro, na teoria, pois se o trabalho não for bem executado aparecem bolhas e alguns materiais deixam cola adesiva quando são retirados — e não há como tirá-la sem danificar a pintura.
Em termos de legislação, qualquer alteração na cor deve ser informada ao Departamento de Trânsito — no caso do envelopamento, também deve ser feita a comunicação se houver mudança de cor ou quando a área adesivada supere os 50%. O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) diz no artigo 14: Serão consideradas alterações de cor aquelas realizadas através de pintura ou adesivagem em área superior a 50% do veículo, excluídas as áreas envidraçadas. Parágrafo único: será atribuída a cor fantasia quando for impossível distinguir uma cor predominante no veículo”.
Quanto às cores, embora a mais comum do envelopamento seja preta, por lei pode ser qualquer uma, exceto cromado porque poderia ofuscar outros motoristas. Aliás, pensando bem, ofuscaria a todos, não apenas aos motoristas. Imagino que o carro ia parecer uma estrela cadente. Xii, já imagino outro filme, mas agora de ficção científica…
É claro que várias coisas afetam a valorização de um carro, e certamente a pintura é uma delas. Basicamente, a apreciação está associada ao momento, mas ainda assim segue também a questão do custo. Assim, cores perolizadas costumam ser mais bem pagas na hora da revenda do que as metálicas que, por sua vez, são mais caras do que as sólidas. Isso na teoria, pois atualmente há fabricantes que cobram mais caro pela prosaica cor branca – que é sólida e a mais barata, apenas porque está na moda. Tem cada uma!
E qual é o tipo de pintura da preferência do mercado? Veja bem… Carlos Alberto Delli Zotti, gerente da unidade de Pintura da FCA, a Fiat Chrysler, diz que no caso da unidade de Betim os tipos de pintura são lisa, metálica e perolizada aplicada em dupla camada. “As pinturas lisa, metálica e perolizada oferecem as mesmas condições e qualidade de proteção à carroceria. Não há diferença técnica em relação à proteção anticorrosiva e dos raios ultravioleta”, diz. “A opção do cliente parte do pressuposto do efeito estético, ou seja, recai exclusivamente ao gosto individual.” Ele também afirma que os cuidados necessários para a manutenção da pintura são os mesmos para todos os tipos de pintura produzidos pela FCA, tais como lavar o automóvel sempre à sombra e com a lataria do carro fria.
Para Evandro Bastos, Gerente de Marketing Produto da Mercedes-Benz, a fábrica oferece atualmente pintura sólida, metálica, perolizada e fosca. “Todos os tipos de pintura têm a mesma qualidade e durabilidade, a diferença fica realmente por conta do seu visual e do acabamento. Nas cores sólidas, como o próprio nome diz, a percepção é de apenas o verniz por cima da tinta; as metálicas recebem aditivos para que a tinta tenha uma aparência mais brilhante; já as perolizadas recebem outro tipo de aditivo em sua composição, para que gere um efeito multicolorido dependendo do ângulo de visão e da incidência e luz.” E a manutenção? Segundo ele, exceto para a pintura fosca, que necessita de produtos especiais para sua manutenção, as demais demandam o mesmo cuidado quando o tema é longevidade da pintura do automóvel.
Quanto às cores, confirma-se quase totalmente aquilo que qualquer um de nós constata ao parar num sinal e olhar em volta. Delli Zotti diz que as três cores mais pedidas são branco Banchisa (lisa), prata Bari (metálica) e, ao contrário do sempre pedido preto, neste caso o vermelho Alpine (lisa), nesta ordem. O branco é a cor mais popular do mundo e no Brasil caiu no gosto popular ao perder o estigma de “cor de táxi”. “O prata e o vermelho são cores tradicionais e há vários anos estão entre os mais pedidos.” As preferências não mudam muito mesmo quando dinheiro não é problema. Bastos, da Mercedes-Benz, diz que a maioria das cores solicitadas são as metálicas, porém o branco (sólido) vem conquistando seu espaço entre as cores metálicas desde o ano passado. “Também pudemos evidenciar que o azul metálico e o marrom metálico também estão caindo no gosto de nossos clientes. Mas a cor preta continua sendo a mais solicitada.
Delli Zotti diz que no mundo, de maneira geral, há uma forte tendência por tons claros e cores brilhantes. Em todos os continentes, a cor mais vendida é o branco. Na Europa, há uma preferência pelos automóveis azuis e bicolores, principalmente, os modelos esportivos. Os azuis escuros são bastante versáteis, podendo ser usados em modelos mais sofisticados ou os mais esportivos. “É uma cor que permite ser aplicada em carros grandes e pequenos. O brasileiro, apesar de ter fama de conservador, tem aceitado cores diferentes buscando, assim, maior diferenciação.”
E se ainda assim alguém quiser algo diferente? Bem, a FCA desenvolveu duas cores para o novo Uno 2015: o laranja Ruggine e o verde Amazon (metálicas). A idéia surgiu a partir de pesquisas realizadas no Design Center por meio de tendências de materiais, da moda, arquitetura, entre outros elementos, em um trabalho integrado entre as áreas de engenharia de materiais e fornecedores. Pesquisas sobre comportamento dos consumidores, carros conceitos e de mercado também abastecem os novos desenvolvimentos.
A Mercedes-Benz oferece 12 opções de cores metálicas e três sólidas por modelo, bem como algumas opções de cores perolizadas que variam de acordo com o modelo escolhido. Além das cores “convencionais”, a marca tem um departamento chamado “AMG Performance Studio”, onde são feitos os pedidos especiais de veículos da marca Mercedes-AMG. O cliente pode personalizar inúmeros itens e, além de escolher as cores de linha, pode pedir para que seja criada uma cor única. No Brasil, duas unidades do SLS 63 AMG foram encomendados com pinturas especiais, sendo que uma delas é única no mundo; apenas essa unidade foi pintada com uma cor exclusiva que recebeu o nome de “Yosemite blue”. Da outra também há poucas unidades, pois foi desenvolvida com uma quantidade de ouro na pigmentação, denominada de “Desert gold” para o modelo SLS. Além de Mercedes e FCA, outras fábricas têm outros tipos de pintura, mas basicamente também atendem ao mercado com tintas sólidas, metálicas ou perolizadas. E sempre estão atentas às guinadas do mercado quanto a cores.
O Toninho, meu funileiro que trabalha com tinta automobilística desde os anos 1970, me disse que há tantos tipos de pintura que qualquer uma pode ser retocada. “Não há um tipo mais fácil ou difícil de retocar. Todas dependem de boa matéria-prima e boa mão-de-obra”. Segundo ele, quem vai pintar tem de conhecer bem todos os tipos de tinta, as bases e como combiná-las. E conta que um dos segredos para que não se perceba a emenda na tinta é ultrapassar o trecho pintado com o verniz. Gosto de conversar com o Toninho pois tem muita experiência e adora uma prosa, mas brinco com ele que se dependesse apenas de mim como cliente iria à falência…
Mudando de assunto: Ciclovias, parte II: a Justiça autorizou a continuidade das ciclovias e ciclofaixas na cidade de São Paulo embora a Prefeitura não tenha apresentado um único estudo de nada — impacto sobre o trânsito, planejamento, nada. Apenas um juiz diferente indeferiu o que outro tinha aprovado. Coisas do sistema jurídico brasileiro. Parece que acabado o furor das faixas de ônibus resolveram aproveitar a tinta que sobrou e agora as ciclofaixas são o mais novo xodó da administração pública. Encontrei uma pesquisa do Datafolha de fevereiro deste ano que afirma que três entre quatro paulistanos não têm bicicleta. Dos que têm, 6% a utilizam todos os dias por algum motivo, mas somente 1% pedala para ir ao trabalho e 33% desses 25% utiliza a bicicleta menos de uma vez por semana — dá para imaginar que seja sábado ou domingo, não? E 72% (e a Prefeitura trabalha com o número de 70% ) declararam que utilizam o ônibus para seus deslocamentos diários. Preciso desenhar?
NG