Você anda meio triste, olhando para o chão, fugindo do noticiário político/econômico… deprimido mesmo? Existem várias soluções. Uma delas, a mais tradicional, é deitar no divã de um psicanalista e passar anos olhando para o teto, contando como seus pais preferiam sua irmã, uma gracinha, sem dar atenção para você, que era um pentelho. Demora um tempão, custa uma grana, mas até resolve.
Outra saída, mais rápida, é ir a um psiquiatra e tomar alguns remedinhos que vem numa caixa com uma amedrontadora tarja preta. Funciona mais rápido e tenho vários amigos que estão nessa. Pelo que percebo, os remédios são eficazes e agem rapidamente. Difícil é “carburar” o cidadão, acertar a dose de cada remédio, além de ter a sorte de o médico ter boa mira para o tipo de medicamento para cada caso. Tarja preta nunca vem sozinho: são sempre dois, três ou mais medicamentos anti-alguma-coisa. Aí o cara te fala: vamos experimentar um comprimido deste, mais dois daquele… e por aí vai. E a pessoa fica ou muito alegre, contando piada em velório, ou parada na janela olhando o infinito e achando que urubu é gavião. Parece carburador velho: na oficina dá tudo certo, o motor fica redondinho, marcha-lenta gostosa e tudo legal. Você dá uma volta no quarteirão e já desregula tudo, aparecem estouros pelo escape, a marcha-lenta sobre para 3.000 rpm.
Minha receita é simples: compre um carro velho e restaure o coitado. Salve um cacareco da “manolização”. Você nunca vai saber o que é depressão. Mesmo sem querer, não vai ter tempo para pensar besteiras: seu carro vai ocupar suas preocupações e todo o seu tempo livre. Até mesmo seu tempo não livre. Além disso, você vai ter obrigatoriamente dezenas, centenas de amigos. Mecânicos, tapeceiro, pintor, funileiro, eletricista, vendedores de peças, o pessoal do ferro-velho, a turma do fórum na Net, vizinhos para ajudar a empurrar. Se você for ousado mesmo, vai ter amigos até em outros países, basta comprar um carro importado idoso.
Além disso, existe o óbvio: eles andam. Não é sempre, mas andam. E o dia que seu caco velho estiver de bom humor, bem disposto até para uma viagem, é só alegria. Se ele se mantém na pista da esquerda numa rodovia, sem atrapalhar ninguém, é meio caminho andado para a felicidade.
Meu conselho é de começar por um carrinho nacional, já que importado é pós-graduação ou doutorado em caco velho. No mínimo, um MBA.
Como já sou “prostituta idosa”, estou nos importados e faz um bom tempo. Se você já chegou até aqui e leu toda esta besteira que nem o Tio Freud explica, vamos voltar para o mundo real. Para ilustrar minha teoria antidepressiva e de “como fazer amigos a distância”, conto duas historinhas que aconteceram comigo, por mero acaso com ingleses via eBay. Afinal AUTOentusiastas também é AUTOajuda.
O site americano do eBay, para quem não sabe, é o grande templo dos cacos velhos. Se você precisar de uma peça e não achar no eBay, pode saber que aquele componente precioso simplesmente não existe no mundo. Vai ter de fazer no torno ou na lima, encher de solda ou adaptar na raça.
VOLVO NA PRIVADA
Comprei minha “perua” Volvo 850 T5 de um cara que acabou virando amigo.
(NOTA DO REDATOR: Eu sei, seu sei, estou devendo a história completa do Volvão, mas ainda não consegui fotografar o galipão. Galipão é um termo carioca para coisas grandes, furgões, rabecões etc. Assim, vou contando a história do Volvo em prestações).
O ex-dono do Volvo, como de costume, me entregou um monte de coisas. Caco velho nunca vem com o porta-malas vazio. Vêm peças novas e velhas, um monte de notas de serviços mostrando todo o sofrimento (e prazer) que ele passou, acessórios que nunca foram instalados e muito mais.
Entre eles, estava um misterioso controle do alarme, todo embrulhadinho em plástico. Ele olhou para os lados, para certificar que ninguém nos ouvia e disse em tom de confissão intima: “Foi literalmente uma cagada, lamento. Estava no banheiro, sentado tranqüilo atendendo ao chamado da natureza e o alarme caiu dentro da privada”
Depois da besteira, rapidamente ele pescou o controle e fez os primeiros socorros: desmontou, pegou o secador da esposa, usou até a receita japonesa de deixar o alarme dormir no meio do arroz. Nada, o alarme havia falecido. Levou num técnico em eletrônica, que fuçou vários dias e sentenciou: “Deu fezes. Não consegui consertar”.
O ex-dono foi numa concessionária Volvo que, segundo ele, pediu mais de R$ 2 mil, tinha de esperar uns três meses para a peça vir da Suécia e havia mais uma nota preta para programar o bendito controle. Desistiu.
Tirei o controle do plástico e, sem querer, fui cheirar. Meu recente amigo reagiu rápido: “Não tem cheiro não. Eu já tinha dado a descarga e estava vestindo as calças”.
Depois de dar um belo tapa na Tia (a perua Volvo), claro com a ajuda de muitos amigos, fui caçar o tal do controle do alarme. Entram mais amigos, desta vez de um fórum de Volvo na Finlândia (felizmente em inglês, Thank God). Descubro que o controle do alarme do Volvo 1997 é do 1997. Não serve nem do 1996, nem do 1998. Entro no eBay e descubra um, e apenas um, na Inglaterra. Já fiz buscas no eBay e apareceram mais de 20 mil resultados. Desta vez, unzinho e o infeliz do inglês colocou o precioso controle em leilão. Mandei um e-mail, pedindo para o cara colocar preço fixo, que eu compraria. Não topou. O lance inicial era de 20 libras esterlinas e eu mandei 22 libras, deixando até 28 libras como reserva. Ou seja, se alguém ultrapassar seu lance, o eBay vai liberando (até as 28 libras) para você ter maior chance de vencer o leilão.
O leilão correu e um filho de uma vaca caolha levou o alarme por 28,50 libras. Só 50 cents a mais que meu lance. Quase tomei um “tarja preta” de tanto ódio. A raiva durou pouco. Depois de uma meia hora, surge um e-mail do próprio eBay, dizendo que o vencedor tinha desistido da compra e perguntando se eu mantinha meu lance de 28 libras. Claro que sim.
Depois de uns 30/40 dias, o correio me entrega o controle em casa. Dentro, além do alarme, está uma cartinha do vendedor. Dizia que tinha acabado de trocar as baterias, pois as velhas estavam descarregadas. Além disso, me mandou um tutorial de como programar o alarme para a minha Tia Turbo. É um longo ritual no estilo liga e desliga a chave cinco vezes, aperta o alarme, grita Aleluia, Mangalô três vezes e por aí vai. A concessionária cobra uma nota por isso. No final da longa receita, o inglês ainda me deseja Be Happy (Seja feliz). Fiz o ritual, dei três pulinhos extras para pedir a ajuda de São Longuinho, o santo das coisas perdidas (ainda mais numa privada).
Funcionooooou. A Tia Turbo gritou e o alarme estava perfeito.
Gente! Dá para ficar deprê com um final feliz destes?
PEGUE O TROCO, POR FAVOR
Segunda historinha, para provar que existe gente boa e honesta no mundo. E isto combate a tristeza e depressão.
Meu mecânico Renato, que comprou meu primeiro Daihatsu Cuore, precisa de uma válvula termostática. A do carrinho dele pifou e o motorzinho três cilindros (850 cm³) está trabalhando abaixo da temperatura recomendada. No Brasil, só usada e mesmo assim, cara. A válvula é igual a do meu Subaru Vivio e resolvo comprar duas, para deixar uma de reserva para o Vivio.
De novo, eBay, que me redireciona para a Inglaterra. Os ingleses adoram caco velho estranho. Achei a válvula por apenas 4 libras cada (cerca de US$ 6). O transporte para o Brasil ficava mais caro que a peça (variando de 10 a 30 libras cada, encomenda normal ou expressa). Mando um e-mail para o vendedor, para saber se não dava para mandar as duas termostáticas com o frete de apenas uma.
Resposta vem rápida: “Fui ao Correio e o peso das duas excede o limite. Eles queriam 20 libras, mas negociei e fizeram 16 libras. Se quiser, compre e não pague o frete. Peça para o vendedor mandar o preço”.
Entrei no site, comprei as duas e não achei a opção do vendedor mandar o valor do frete. O jeito foi pagar o frete mais baixo de 10 libras cada, 20 no total. Paciência, 4 libras (uns R$ 20) não me levam a falência.
Duas horas depois chega um e-mail do PayPal de que havia um crédito na minha conta (uso o PayPal para não colocar dados do cartão de crédito online. O PayPal paga o vendedor e debita no meu cartão de crédito). O inglês havia me enviado 4 libras de troco.
Agradeci o vendedor, que me responde que trato é trato e pergunta o diâmetro da válvula, para ele não enviar peça errada.
Com 44 mm de diâmetro, as valvulinhas estão a caminho do Brasil pela pomposa Royal Mail inglesa. E ganhei mais um amigo, desta vez numa cidadezinha do Reino Unido, que promete procurar qualquer peça para o Cuore ou Vivio, caso ele não tenha em estoque.
Para os mais matemáticos: QED (Quod Erat Demonstrandun) ou CQD (Como Queríamos Demonstrar). Dá para ficar infeliz se divertindo com cacos velhos, ganhando de brinde o relacionamento com pessoas legais pelo mundo todo?
MAIS UMA NOTA DO REDATOR CHATO: Um dia destes, o Bob ganhou uma carona na Tia Volvo. Parece que gostou, falou até palavrão quando o turbo entrou e os cinco cilindros do Volvão aceleraram para valer.
JS