Na década de 1990, tive que vender meu carro. Morava perto do trabalho, mas as linhas de ônibus de Belo Horizonte exigiam duas conduções para ir e outras duas para voltar. Para não ficar a pé, voltei a andar de moto: uma zerada Elefantré 30.0 vermelha! Com ela, garantia meu transporte diário, me divertia nos finais de semana e, de vez em quando, fazia tranqüilas viagens pelas estradas de Minas.
Acontece que, menos de um ano depois, um bando de alegres cachorros decidiu cruzar o meu caminho. Caí da moto. Quebrei o braço. Meses de fisioterapia e licença médica me fizeram desistir da aventura motociclística.
Com os recursos de que dispunha, acabei comprando um Del Rey Ghia 86 dourado, CHT, meu primeiro carro com ar-condicionado e direção hidráulica. Carro macio, confortável, econômico, com o painel lindo e o acabamento impecável dos Fords da época. “Carro fino”, tudo funcionando, mas que semanas depois levei de volta à concessionária Ford para resolver um vazamento no câmbio…
No segundo ano com o Del Rey, minha família e eu decidimos visitar São Tomé das Letras durante a Semana Santa. Viajamos confortavelmente os 300 quilômetros até Três Corações e pegamos a estradinha de terra para São Tomé. O carro deslizava nas valetas e costelas de vaca. Pouco se sentia das lajotas de pedra que calçam a cidade. Passamos dois dias visitando a Casa de Pedra, grutas e outros pontos da região.
Fechei a conta da pousada no domingo de manhã e dirigi até a saída da cidade. Errei a rua que dava para a estradinha de terra e parei numa descida. Ao engatar a ré, veio um tranco seco e o carro não saiu do lugar. Embreagem, ré, acelerador, embreagem, primeira, acelerador e… nada! Subi o quarteirão a pé e vi uma oficina. Chamei o mecânico. Diagnóstico: problema no câmbio ou na embreagem. Empurraram o carro e, no dia seguinte iriam examinar.
Como os filhos tinham aula no dia seguinte, pegamos uma “jardineira” até a rodoviária de Três Corações. Deixei a família dentro do ônibus para Belo Horizonte e voltei a São Tomé para o conserto do possante. O mecânico desmontou e confirmou a pior das suspeitas: a engrenagem da ré quebrou e fez um estrago gigantesco em toda a caixa. O jeito era comprar um câmbio usado em Varginha e trocar.
Pernoitei numa outra pousada e, na segunda-feira bem cedo, saí com o mecânico em busca do câmbio perdido… O pessoal da oficina chamava o profissional de Cinquinho: “Cuidado com a estrada, Cinquinho”; “Aproveita compra umas juntas, Cinquinho”.
O carro do Cinquinho era um Opala velho e podre. Ao chegar em Três Corações, o mecânico parou num posto de gasolina e falou para o frentista: “Põe 5 reais”. Um minuto depois já estávamos na estrada para Varginha. De repente, o Opala começou a falhar e parou de vez: pane seca. Para não abandonar a relíquia no acostamento, Cinquinho pediu que eu buscasse gasolina num posto com um estratégico galãozinho que estava no porta-malas do Opala.
Fui e voltei de carona com carreteiros que resolveram me ajudar. E, assim, continuamos viagem para achar algum câmbio nos desmanches de Varginha. Um Del Rey Ghia azul marinho, em perda total, foi o doador. Comprada a caixa, seguiu no Opala até a oficina. Mais um dia na montagem. Testada e aprovada, segui viagem com meu Del Rey.
Nunca mais me atrevi a visitar a bucólica São Tomé das Letras. E vocês? Conhecem algum Cinquinho?
“M”
ooooo