Recentemente meu carro apresentou um barulhinho irritante — aquele “grilo” que, apesar do barulho da cidade e dos vidros geralmente fechados, acabei escutando. Mas, claro, não era a toda hora que o chiado aparecia. Aliás, ele nunca aparecia quando saía com meu marido e ele assumia o volante. Sorte que ele já me conhece há tempo suficiente para saber que não sou louca, não escuto vozes que não existam (nem grilos) e entendo razoavelmente de carros para saber quando um barulho não é normal. Não parecia algo sério mas era bem irritante, especialmente para mim que tenho ouvido de cão. Parece que escuto tudo e em todas as freqüências. Ô, inferno!
Depois de vários dias e muitos quilômetros rodados, um dia ele me aparece dizendo que descobriu qual era a origem do grilo: a mochila que ele carrega e que, ao ficar no porta-malas, um puxador do zíper batia com o outro.
Inicialmente achei estranha a explicação — especialmente porque minha cara-metade não é de andar com o vidro aberto, muito menos sem ligar o ar-condicionado, o Waze está permanentemente em funcionamento com a voz da Raquel que sempre diz quais as melhores opções de caminho, o rádio ligado… enfim, posso dizer que o carro não chega a ser assim, silencioso como um túmulo quando ele está ao volante. Ah, e estava esquecendo o Bluetooth, ocasionalmente utilizado. Por isso, como é que ele ia escutar as duas extremidades do zíper da mochila batendo uma na outra dentro do porta-malas? Vocês hão de convir comigo que seria muito, mas muito difícil isso acontecer. Mas vai que ele ficou subitamente com a audição de um extraterrestre?
Só consegui tirar a prova dos nove quando eu dirigia sozinha e sem a tal mochila no porta-malas. Claro, o grilo voltou. Dedução mais do que rápida: não é a mochila. Mas continuava o mistério: o que seria? Notei que ele era mais freqüente em asfalto irregular (OK, o carro sempre fazia o barulhinho; lembrem-se que dirijo principalmente em São Paulo) e quando esterçava para a esquerda. Conclusão com estas rudimentares informações: nenhuma, é claro.
E lá fui eu para a concessionária. Como já sou praticamente amiga dos mecânicos, pedi que erguessem o carro e lá foi o gentil moçoilo bater no fundo do carro inteiro até que numa batidinha, com o punho, apareceu o grilo. Era apenas uma fita metálica que estava ligeiramente deslocada — culpa provavelmente de lombadas irregulares e excessivamente altas que alteraram a posição dela e ao bater em alguma outra parte metálica fazia o tal grilinho. Chavinha de fenda na mão e como num passe de mágica a fita voltou para o lugar de onde nunca deveria ter saído. E lá fui eu, feliz da vida de ter me livrado do grilo e me sentindo a própria detetive por ter resolvido o mistério.
Mas apesar de irritante, este enigma durou apenas umas três ou quatro semanas e foi de facílima resolução. Pior foi o que aconteceu com uma grande amiga minha. Logo depois da súbita morte do pai, ela assumiu a empresa da família, da qual dependiam mãe, avó, irmão, sobrinhos, enfim, onde todos trabalhavam. Imaginem vocês. Algo repentino, filhas pequenas para cuidar… Lembro ainda do velório e da cerimônia, mas depois foi tudo muito rápido para minha amiga. Uns dois meses depois encontro o marido dela, também amigo nosso de longa data, e ele me conta que trocou de carro com a esposa e ficou encafifado com um barulho irritante que o carro fazia. Ele não chega a ser um fanático dos carros, mas também não é Mobral em mecânica e imediatamente começou a prestar atenção tentando descobrir quando aparecia o barulho. Segundo ele, parecia que um amortecedor estava solto — quiçá uma parte ainda maior do carro. Mas o raio do barulho aparecia quando fazia curva para a esquerda, para a direita, ao frear, em subidas, em descidas, ou seja, praticamente o tempo todo. Extremamente preocupado, foi direto a um mecânico de confiança e descreveu o barulho. O sujeito primeiro ergueu o carro. Não, os amortecedores estavam no lugar. Escapamento? Firmíssimo. Cárter? No lugar. Motor, então? Tudo OK. Depois de um bom tempo, desceram o carro do elevador. Rodas? OK. Bom, vamos então ao improvável. Resolveram abrir o porta-malas. E lá estava a urna com as cinzas do sogro que minha amiga havia esquecido de levar para o cinetário. Era ela que ia de um lado ao outro, mas minha amiga muito distraída não tinha achado nada de mais. Não era nenhum problema mecânico, apenas algo, insólito.
Depois dessa história, cada vez que escuto um barulho checo primeiro o porta-malas, se o estepe está firme, se as ferramentas não estão soltas e, claro, se não estou carregando uma urna. E virei fã de uma frase que diz que quando você escuta o bater de cascos, pense em cavalos, não em zebras. Às vezes a resposta está no lugar mais óbvio.
Mudando de assunto: De tempos em tempos pego ônibus, metrô ou trem mesmo tendo carro. Não é masoquismo nem pagamento de karma, apenas porque quero me lembrar como anda a maioria das pessoas. Nas duas últimas semanas peguei três ônibus e um metrô, somente para constatar que o planejamento dos coletivos é totalmente inexistente. Ontem numa única linha foram mais de 15 quilômetros, parte deles por corredores exclusivos quase vazios e beirando ciclovias totalmente — nem uma alma viva cruzou meu percurso. Eram 14 horas, o que em São Paulo ainda (!) não é horário de pico, mas andar num veículo biarticulado com menos de dez pessoas me parece um despropósito. Não defendo a superlotação nem o desconforto dos usuários, mas podiam colocar ônibus convencionais — ou mesmo microônibus em alguns horários. Aliás, em várias ocasiões o motorista andou pela faixa exclusiva para conversão à direita quando ia virar à esquerda apenas porque o trambolho não consegue fazer a curva, caso da Av. Morumbi. Ninguém merece.
NG