Dia desses lendo a seção “Histórias dos leitores”, mais precisamente a “O carro que nunca tive”, tive a gostosa sensação de déjà vu, de eu já vi essa história antes… Bem, aconteceu comigo. E o carro que nunca tive foi um Tempra Ouro 16V 1993.
Tudo começa em uma tarde de 1993. Eu era uma criança boba e inocente, como qualquer outra criança de 7/8 anos. Vivia literalmente no “Fantástico Mundo de Bobby”, um desenho animado que adorava assistir. Um dia meu pai chegou do trabalho com uma grande notícia: havia recebido um dinheiro, fruto de uma ação trabalhista, e junto com algumas de suas economias poderíamos realizar o nosso sonho familiar: comprar um carro zero-km!
Quando ele anunciou isso durante o jantar, pulamos todos de alegria! Imagine o orgulho de uma família “pobrinha”, hoje chamada de classe C, formada por pai, mãe e três filhos pequenos, comemorando junto o sonho de ter um carro!
Depois do anúncio eu já corri para o quarto, para minha coleção de revistas de automóveis para escolher o modelo. Entre várias matérias apresentadas, uma foto me chamou a atenção. Era Ayrton Senna, desfilando em um Fiat Tempra Ouro 16V após vencer em Interlagos. Emociono-me até hoje com a cena: Senna vence a corrida, mesmo com o câmbio travado em sexta marcha. O Hino da Vitória toca repetidamente na televisão e o Galvão Bueno vai à loucura. Depois o público invade a pista, cerca o carro do Ayrton. Todos querendo ver o brasileiro vencedor, o herói nacional. É socorrido pelo safety car e sai de lá sentado na janela do Tempra, agitando a bandeira do Brasil até chegar ao boxe e ao pódio.
Voltando a mim, convenci (mentira, insisti muito até ele falar que sim…) meu pai a irmos uma concessionária Fiat. E fomos.
Chegando na hoje extinta concessionária Fiat Cobrasa, eu já tinha me decidido. Eu iria comprar um Tempra! Logo na porta, já sai correndo e entrei num Tempra de exposição. Foi aí que reforcei a minha “decisão de compra”. Que carro lindo! Que bancos confortáveis! Olha esse painel! É 4-portas! Vou ter uma porta só para mim, eu pensava.
Meu pai foi negociar com o vendedor. De longe, de dentro da minha “nave espacial” chamada Tempra, vi que meu pai não fazia “caras” nada animadoras. Afinal, eram tempos difíceis, inflação altíssima, juros abusivos, pouco crédito no mercado. O dinheiro suado só daria pra comprar um Uno Mille 0-km ou no máximo um Prêmio ou Elba, porém usado. Nada de Tempra…
Meu pai me chamou para dar a triste notícia. Eu ainda tentei argumentar: — Pai, mas é o carro do Senna! Do Senna! Temos que ter o carro do Senna para eu desfilar com a bandeira do Brasil igual a ele!
O vendedor comprou a minha briga. Argumentou sobre o motor ser 16V, sobre o conforto, segurança para a família, ofereceu um consórcio, mas não teve jeito. Saímos de lá com um Uno Mille. Era mais seguro financeiramente, segundo o meu pai. Era preferível ter um carro quitado a se arriscar em dívidas naquele tempo economicamente louco, dizia.
O fato é fiquei uns dias com raiva do Uno. Me recusei a andar nele. Birrinha mesmo. Afinal, não era o meu Tempra. A birra só passou em um dia que minha mãe chega da banca com uma revista Caras. E nela uma foto do Senna dentro de um Uno que tinha dado de presente para a namorada Adriane Galisteu. Para mim foi a melhor descoberta do mundo: o Senna também andava de Uno! E claro que a birra passou na hora! Pois agora eu também tinha um carro igual ao que o Senna deu para a namorada dele! Hoje acho que isso foi uma providência divina: Deus viu meu descontentamento com o carro e deve ter influenciado meu ídolo infantil a dar um carro igual ao nosso (mesmo modelo, cor, frisos, final de placa) para que eu pudesse sentir orgulho do meu.
A partir daquele dia eu sempre andava com a foto do Senna no Uno e mostrava a todos que meu carro era igual ao do campeão mundial. Chegou a tal ponto que meu pai a plastificou e deixou guardada no porta-luvas.
Bom, já o meu amor por Tempras continuou, pois sempre quando tínhamos que usar um táxi meu pai dava preferência pelos Fiat Tempra. Eram raros aqui em Belo Horizonte, mas bastava meu pai ligar para o Sr. Josias, um taxista amigo dele, que em minutos eu estava a bordo da minha nave espacial.
Dia desses, num almoço de família, lembrei dessa história com o meu pai. Entre risadas, fiquei imaginando como seria minha vida se eu tivesse um Tempra. Como seria desembarcar na porta da escola, chegando num Tempra? Será que eu deixaria meus coleguinhas com inveja? Como seriam as nossas viagens a Guarapari? E como seria minha adolescência? Será que eu teria mais namoradinhas se dirigisse um Tempra em vez do Uno? (rs)
Hoje, já crescido e com um pouco de responsabilidade, ficou pensando em comprar um Tempra 93 para matar minha vontade. Mas aí tem a eterna briga entre os dois lados, o emocional e o racional. Um fala: Para que gastar dinheiro com um carro velho que vale aí uns R$ 7.000, quando bem-conservado, e depois gastar mais dinheiro para reformá-lo, só pra realizar um sonho infantil? E o outro lado pensa: Vai lá! Realize o sonho! Libere a criança dentro de você e leve-a para brincar na nave espacial!
Sei não, mas acho que o lado emocional está falando mais alto. Acho que vai vencer a disputa…
FAN
Foto de abertura: bestcars.uol.con.br
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