Minha família diz que eu sempre tenho dificuldades com Ciências Exatas, mas o problema é que a maioria deles é oriunda dessa área, logo, a barra de comparação é muito elevada. Não tenho o dom de entender logo de cara algumas coisas e me esforço muito para acreditar que uma parede não cai quando eu a empurro porque tem uma força igual e contrária agindo. Para mim é porque o tijolo é maciço, resistente mesmo e a argamassa é do caramba. Mas fora isso, decoro e aceito as leis da Física.
Uma delas diz que dois corpos não ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo. Bingo. Com a explicação de Arquimedes e da banheira tudo ficou mais fácil, mas basta olhar para o trânsito que se entende perfeitamente este princípio. Daí a minha dificuldade em compreender algumas coisas que dizem respeito à engenharia de trânsito.
Viajo bastante de carro e especialmente nas estradas de São Paulo, onde há pedágios por todo lado. Poderia discutir horas a fio se eles são justos, se o valor deveria ser esse e outras tantas coisas, mas vou me fixar apenas em uma. Alguém achou que uma estrada como a Castello Branco, que tem três faixas em cada sentido, poderia ter 21 cabines de pedágio e a saída dos veículos delas daria certo? Óbvio que não, né? É sempre um furdúncio. Parte pode ser atribuída a motoristas desatentos ou que não utilizam os retrovisores como deveriam, mas em que dimensão paralela sete carros caberiam no lugar de um? Não nas que eu conheço, mas claro, sempre tive dificuldades com Física…
Não estou exagerando. A relação é essa mesma no km 20, 7 para 1, como se fosse o jogo Brasil x Alemanha, de tão triste lembrança. Pesquisei bastante sobre o assunto e não encontrei outros países onde a proporção fosse tão desproporcional. Nem na Índia, onde o trânsito é sabidamente caótico e a quantidade de veículos gigantesca, encontrei exemplos assim. Em diversas cidades do mundo sequer há alargamento de pistas para abrigar as cabines de pedágio – na minha opinião, a melhor opção, pois não há afunilamentos nem riscos de acidentes. Mas claro que isso significa necessidade de uma cobrança mais ágil.
De qualquer forma, a questão de como cobrar deveria ser problema de quem recebe a concessão, e nunca dos usuários nem às custas de sua segurança. Como exemplo, na Argentina há uma cláusula nas concessões das rodovias que prevê que a partir do momento em que há cinco veículos numa cabine o pedágio tem de ser liberado. E funciona, mesmo. Já estive nessa situação e se os operadores não levantam imediatamente as cancelas os motoristas começam a buzinar e eles prontamente liberam a passagem. Simples assim, sem burocracia, sem papelada, automaticamente. Nada de pagar e depois aguardar um reembolso. E falamos aqui de América Latina e bem do nosso lado.
Em São Paulo é comum a Castello parar logo depois do pedágio do km 20 no sentido interior, deixando usuários dentro das cabines e em longas filas antes e depois delas. E aí a sensação de que se está pagando por um mau serviço é maior ainda. Pago para ficar parada?
Bonde – No Brasil chegaram a pensar em incluir algo parecido nas renovações das concessões, mas seria a partir de uma fila de 100 ou 200 metros. Mas que com sete vezes mais cabines do que faixas de rolamento seria bem difícil de acontecer – e, convenhamos fila de quinze, vinte carros é muita fila. Acho que deveria haver uma limitação quanto ao número de faixas a mais, que não deveria ser mais do que o dobro de pistas. E as concessionárias que dêem descontos para quem instala tag (por que não de graça?), cobrem de outras formas, sei lá. Eles é que devem apresentar uma solução para um problema que elas criam. Cabe ao poder público estabelecer critérios mínimos nas licitações e os interessados que resolvam a questão.
E aqui vai um exemplo de como isso é possível. Trabalhei como responsável pela área de Comunicação e Relações Públicas numa empresa que participou de uma concorrência para construir um sistema de bondes para Barcelona, uma cidade conhecida não apenas pela qualidade de vida e pela beleza (é linda, mesmo) mas também pela preocupação com a estética de uma forma em geral. Entre as exigências estava que o sistema deveria ser não poluente e de energia renovável, mas sem cabeamento aparente para não deixar a cidade feia ou poluída visualmente. O ganhador seria não somente quem apresentasse o menor preço, mas sim o melhor pacote, incluindo a solução para o problema dos cabos. A empresa em questão ganhou porque desenvolveu, especialmente para essa licitação, um sistema de eletrificação por trechos. Assim, o próprio veículo “avisa” e eletrifica um curto trecho à frente que depois da passagem do bonde é desligado. A alimentação se dá pelo chão, sem cabos horrorosos suspensos e que sempre desengancham. A prefeitura de Barcelona apenas fez a exigência e os interessados criaram soluções – que é como deve ser. Até porque na teoria são os fabricantes aqueles que têm as melhores condições de achar soluções e não o poder público, a quem cabe administrar – bem, diga-se de passagem.
Mudando de assunto: recentemente o Bob Sharp escreveu uma linda matéria sobre sub e sobreesterçar e tocou no assunto de os carros “saírem de traseira”. Sempre impliquei com isso, mas aproveitei para rever a ultrapassagem de Nélson Piquet sobre Ayrton Senna na Hungria, em 1986. Na minha opinião, uma das melhores manobras que vi em todos os tipos de corrida que já assisti, em todos os tempos. Grandes pilotos os dois. Lembro que a Folha de S. Paulo fez no dia seguinte uma reportagem entrevistando uns professores de Física (da USP, se não me engano) e eles fizeram todos os cálculos de velocidade, força centrífuga e centrípeta, enfim, tudo. E era fisicamente impossível aquela ultrapassagem ter acontecido e o carro de Piquet continuar na pista. Adoro quando bons pilotos desafiam as leis da Física.
NG