Tenho muitos amigos autoentusiastas e vários motoentusiastas. Inclusive alguns reúnem as duas características. Gosto muito de moto, embora não saiba pilotar. Nunca tentei — talvez medo de ser considerada uma desequilibrada, sei lá… De bicicleta sou boa, embora tenha preguiça de trocar marcha, ao contrário do que faço com carro, mas não sei se isso me ajudaria. E certamente me sentiria mais vulnerável num veículo sem cockpit, cabine, casquinha, alguma coisa assim.
Apesar da falta de conhecimentos, sou filha de motociclistas. Sim, entre as tantas coisas exóticas da minha família está também essa. Quando minha mãe fez 16 anos meu avô deu de presente um scooter Lambretta e ela ia de um lado a outro de Buenos Aires com sua super-motinha. Nunca sofreu um acidente. Os amigos consideravam meu avô um maluco por fazer isso, especialmente porque quem recebeu a moto era mulher, mas ele não ligava a mínima. E criou os filhos todos iguais, homens e mulheres, pois para ele não havia razão para fazer diferenças. Tanto que minha mãe e minha tia fizeram faculdade, numa época em que minha avó ouvia das amigas: “Os meninos fazerem faculdade, tudo bem, mas as mulheres? Para quê? Elas vão casar…” Mas sempre esteve à frente do seu tempo, inclusive quando ensinou minha mãe a ler e escrever aos 4 anos.
E continuou assim a vida toda. Uma figuraça, meu avô. Quando era adolescente montou sozinho um rádio de galena. Tocava piano (e afinava) e bandoneón sem nunca ter aprendido música e quando aos 8 anos minha bisavó disse para não jogar sal no chão pois dava azar, ele passou dois dias inteiros observando tudo para ver se algo mudava para pior. Como nada aconteceu, ele concluiu que jogar sal no chão não dá azar. Um pragmático.
Quando minha mãe tinha uns 18 anos ele comprou uma moto Norton 500 com sidecar. Viajava bastante por aí com minha avó. Era comum ele pedir para ela fazer uma mala com roupa dos dois. Para quantos dias? Que tipo de roupa, frio ou calor? A resposta era sempre a mesma: não sei, vamos ver. E saiam por aí e paravam nos lugares que achavam interessantes. Puro “easy rider”.
E, claro, minha mãe tirou carteira para dirigir moto e pegava a Norton para passear. Quando começou a namorar meu pai cerca de 25 km separavam as casas dos dois. Ela subia na moto e meu avô dava a partida, já que não existia ignição elétrica — aliás, sequer chave de ignição. Era pulando no pedal, mesmo.E lá ia minha mãe para o outro lado de Buenos Aires encontrar meu pai. Ele, que era um sujeito alto e forte, jamais entendeu como ela, tão pequeninha, conseguia controlar a moto e dizia que mesmo para ele era difícil. Minha mãe diz que era questão de jeito, mas o fato é que era difícil controlar aquele trambolho. Imagino como seria nas curvas! Quando se encontravam, ela passava para o carrinho lateral e ele assumia o controle. Na volta, meu pai ligava a moto, minha mãe assumia a direção e voltava para sua casa. Meu avô era meio maluco, mas não irresponsável e ensinou minha mãe que se tivesse algum problema tinha de pedir ajuda a um policial. Naquela época a maioria das rondas era feita de moto e qualquer policial sabia dar partida. E minha mãe com seus 40 e poucos quilos não tinha força para ligar, por mais que pulasse com os dois pés no pedal de partida. Fico imaginando a cena e sempre acho que daria um bom desenho animado. Por sorte, a Norton era super confiável e nunca parou no meio do caminho.
Meu pai também comprou então uma moto, uma Royal Enfield. Claro, eram outros tempos, mas dava para andar por aí na boa. O único acidente que sofreu foi quando servia na Polícia e numa batida contra um carro ele voou, mas a moto dele voou também e caiu por cima dele, com todo seu peso. Quebrou uma clavícula, deslocou um ombro e um dente perfurou o lábio. Mas não deixou de andar de moto até anos depois — e nem foi por isso, foi porque gostou do conforto de um carro. Mas ainda assim gostava de motos. Minha mãe nunca dirigiu a Royal apenas porque a altura dela (reduzida, assim como a minha) não permitia que ela guiasse uma moto com apenas duas rodas, pois não tinha como se segurar nas paradas, ao contrário da Lambretta, na qual se anda sentado e não montado. O sidecar, ao contrário, não tinha problema de equilíbrio graças à terceira roda.
Engraçado o fascínio que as motos exercem. Minha mãe até hoje gosta e a qualquer momento é capaz de sair por aí com alguns dos meus amigos motociclistas. Certamente não no trânsito maluco de São Paulo, mas numa estrada seria difícil segurá-la como carona.
Nossos amigos se dividem especialmente entre os que gostam de Harley-Davidson e os que são fãs de BMW. E sai cada discussão acalorada! Os argumentos são os mais técnicos possíveis, mas sempre recheados de preferências pessoais. Eu assisto de camarote. Neste momento, inclusive, um grupo de 9 casais (bem, 8, um desistiu no meio) acaba de voltar de uma rodada pela Europa de moto. Nenhuma das mulheres pilota e, para dizer a verdade, a maioria (ou todas, absolutamente) vai para acompanhar os maridos. As reclamações são exatamente aquelas que os homens acham o ponto alto da viagem de moto: não dá para carregar compras, você está bem perto da natureza (o cabelo, dizem, fica horrível depois de horas sob o capacete), rodam uns 400 km por dia e usam a mesma roupa dias a fio. Mas a verdade é que muitas deles simplesmente dormem. Um dos meus amigos tem o capacete cheio de riscos na parte de trás pois a mulher cochila e dá cabeçadas nele com o próprio capacete. Apesar da chiadeira do meu marido, um dia ainda experimento andar sobre duas rodas motorizadas. Quem sabe?
Mudando de assunto: Dias atrás assisti novamente ao filme “Ronin”. Acho impressionante a habilidade do diretor John Frankenheimer de fazer cenas de perseguição de carros sem truques de computador nem maiores efeitos especiais. “Operação França” é um clássico, mas adoro também “Viver e Morrer em Los Angeles”, aliás um belo filme em todos os sentidos e com uma perseguição realmente eletrizante. E ele usa apenas ótimos motoristas — e muito braço.
NG