Brougham: uma carruagem pequena e leve com duas portas e quatro lugares, dois abertos e dois fechados, feita por encomenda do Lorde Henry Peter Brougham em 1838, de acordo com sua idéia e especificações. Este advogado escocês chegou a ser primeiro- ministro britânico, liberal, e um dos mais ferrenhos lutadores contra a escravidão e a favor da educação. Uma frase sua, proferida há cerca de 150 anos, cai como uma luva nos dias de hoje, onde governantes de vários tipos fazem de tudo para manter povos ignorantes e escravizados, de várias formas e métodos — até mesmo através das urnas, como em certos países que bem conhecemos — em todos os cantos do planeta.
“Education makes a people easy to lead, but difficult to drive, easy to govern, but impossible to slave.”
Traduzindo: Educação faz um povo fácil de ser liderado, mas difícil de ser comandado, fácil de ser governado, mas impossível de ser escravizado”.
Ou, como li certa vez em lugar não lembrado: “Se você acha a educação cara, experimente a ignorância.”
No início da motorização humana, a carruagem Brougham foi usada também em modelos de luxo, onde o motorista ia do lado de fora, e o dono do carro abrigado na parte fechada. A designação permanece até hoje, mesmo muito tempo depois, e foi usado pela Cadillac por muitos anos, além de outros fabricantes, como a Mercury, sendo sinônimo de topo de linha.
Falando da marca mais nobre da General Motors, precisamos lembrar que esse gigante americano teve uma fase em que, junto com os outros fabricantes, o estilo era muito mais importante do que hoje, indo a extremos, Essa época termina por volta de 1957, um ano em que se considera ter sido o auge dos exageros na área de estilo dos carros americanos. Como exageros são sempre apaixonantes, nosso Eldorado Brougham pode ser considerado o representante máximo nesse quesito.
Não podemos contar tudo aqui — a história é longa demais — mas Harley Earl começou a saborosa loucura, com a exposição itinerante Motorama percorrendo os Estados Unidos e mostrando em primeira mão as obras dos designers da empresa.
O que Earl usou exatamente como inspiração não é 100% certo, mas o Duesenberg estava sem dúvida na filosofia do que ele tinha em mente, onde custo não era problema, quantidade de unidades a serem produzidas e vendidas não era obstáculo e usava-se muito trabalho manual e artesanal para se obter um carro maravilhoso.
Desde 1953 havia um aquecimento da Cadillac para fazer algo extremo. Nesse ano o Motorama mostrou o Cadillac Orleans, o primeiro quatro-portas hardtop (teto rígido — sem coluna central) da indústria. O interesse do público foi enorme pela beleza do carro, e Harley Earl foi convencido a esticar os limites, fazendo a cada ano desenhos mais e mais chocantes.
No ano seguinte veio com o Cadillac Park Avenue (nome que seria depois usado em versão do Buick Electra, em 1975 e depois em novo modelo em 1990, de bastante sucesso), para em 1955 entrar em giro máximo e trazer o Eldorado Brougham ainda como um dream car (carro de sonho) designado XP-38, quando a exposição estava em Nova York, no hotel Waldorf Astoria. Dois meses depois, quando o salão itinerante chegava a São Francisco, a GM anunciava que o carro seria vendido em breve, já se sabendo ser um produto que exigiria verbas substanciais dos clientes.
Tinha vários itens diferentes do carro que foi exposto, na cor verde Camaleão, mas continuava sendo um carro de sonho.
E aí chegamos à realidade fabulosa daquela época. O preço de lançamento era superior ao de um Rolls-Royce, exatos US$ 13.074 em 1957, quando o Silver Cloud com a dama voadora sobre o radiador tinha preço de US$ 12.700 nos Estados Unidos. Imagine se hoje uma empresa do tamanho da GM faria algo similar…
Outro fator que fez a General Motors colocar esse carro no mercado foi a decisão da Lincoln de voltar ao mercado com o Continental, depois de oito anos sem o modelo, com estilo totalmente novo, mais acessórios e mimos que o modelo anterior. O Continental Mark II custava também um valor altíssimo, US$ 9.517.
Mas o Lincoln era um desenho moderno, e o Eldorado uma exploração extrema dos enfeites de bom gosto num estilo que, se não tinha nenhuma real novidade, era magnífico nos detalhes, cores e liberdade de opções.
Na mecânica, motor e transmissão não traziam nada novo. Para começar, o motor V-8 de comando no bloco e válvulas acionado por varetas e balancins, 365 polegadas cúbicas (5.980 cm³), era inspecionado antes e depois de montado, para que apenas as unidades com os melhores ajustes de construção e regulagens fosse para a linha de montagem do modelo. Com taxa de compressão de 10:1, alimentado por dois carburadores de corpo quádruplo, gerava até 325 hp SAE brutos (uns 250 a 270 cv líquidos, não há fator preciso para essa conversão ) a 4.800 rpm, com torque máximo de 56 m·kgf a 3.400 rpm.
Mas era nas aparências que o carro se destacava facilmente. Partindo de um Cadillac série 62, o fabricante de carrocerias Fisher, empresa do grupo GM que fazia as carrocerias para a Cadillac na fábrica de Fleetwood, em Detroit, adicionava vários itens desenhados por Harley Earl e equipe, cujas idéias para fazer carros de alto preço vinham dos gostos e maneiras do show business. Earl era afeito a celebridades distantes das fábricas de carros, mais especificamente na área de Hollywood, onde se sabia que artistas famosos geravam desejos de vários tipos, um deles o dos automóveis. Assim, um comprador comum podia se sentir famoso. Harley Earl fazia uma parte do trabalho que seria da área de Inteligência de Mercado hoje em dia.
Isso tudo trouxe um item do carro que é um verdadeiro espetáculo, o teto de aço inoxidável escovado, algo que só seria visto depois de mais uns trinta anos no De Lorean. Além dele, molduras enormes que tomavam toda a lateral na área de soleiras, cromadas, rodas em aço e alumínio e materiais para o interior que estariam muito à vontade em luxuosas salas de estar de belas e enormes residências. O conjunto era (e é ainda) impressionante.
O pára-choque dianteiro de alumínio fundido tem dois narizes ou ogivas de foguetes, ou de aviões a jato, gigantes, que outra linha de pensamento diz ser na verdade uma homenagem às mulheres peitoralmente bem-dotadas, assunto de audiência garantida nos filmes americanos. Jane Russell, Jayne Mansfield, Sofia Loren e Rita Hayworth são alguns exemplos, para ficar no mesmo fértil período do entretenimento.
Não há abertura entre o painel dianteiro acima da grade e os pára-lamas, um detalhe que muda bastante a aparência geral do carro, fazendo-o diferente de todos os outros. Uma dianteira sem emendas de painéis de carroceria num dos pontos mais chamativos do carro, eliminando um problemão a ser resolvido, já que os alinhamentos entre as peças externas sempre são trabalhosos na fabricação, e há tanto tempo atrás eram mais graves do que hoje, basta ver qualquer carro antigo que não tenha sido restaurado para entender. Observe os capôs, tampas de porta-malas, portas e pára-lamas. Dificilmente se encontra algum modelo que os tenha perfeitamente montados e posicionados, sem degraus ou frestas irregulares.
Nos equipamentos elétricos, a abundância máxima. Tampa de porta-malas abria e fechava ao acionar um botão específico para isso. Com a abertura das portas dianteiras, o banco inteiriço corria todo para trás e para baixo para facilitar a entrada dos ocupantes, retornando depois a uma das duas posições que podiam ser memorizadas.
Havia rádio transistorizado, quando todos os outros ainda tinham válvulas, e antena elétrica. Os quatro faróis também foram novidade, sendo o primeiro carro de produção normal com eles.
Com a chave no cilindro de ignição, o motor ligava automaticamente ao se tirar a alavanca da transmissão da posição P (estacionamento) ou N (ponto morto).
Engatar uma marcha à frente ou a ré significava o travamento das portas e a desabilitação das maçanetas internas das portas traseiras, funcionando como uma trava de segurança extra para crianças, como as mecânicas de hoje, universais em qualquer carro.
As portas traseiras abrem para trás, “suicidas”. Note nas fotos abaixo a coluna “B” (central) curta, indo apenas da soleira até os engates das fechaduras, e com desenho não apenas funcional, mas com estilo, além de acabamento cromado.
Havia o já conhecido olho autrônico, que lia a iluminação à frente, e entendia o que eram faróis de outros carros, mudando o facho para baixos, caso estivessem no alto. Passada a fonte de luz forte, o sistema retornava ao farol alto.
Só haviam cinco lugares no carro, sendo dois atrás devido ao apoio de braços, apesar do tamanho generoso típico da época. Os pára-sóis eram de plástico laminado, usando partes transparentes e opacas, gerando efeito de polarização, que deixava ver imagens, mas cortava os excessos de brilhos. No porta-luvas, seis pequenos copos, caixa para cigarros e porta-lenços de papel. No descansa-braço traseiro, estojo de maquiagem para as damas, compartimento de perfume e bloco de notas.
Como clientes desses carros queriam exclusividade, havia a possibilidade de escolher entre quarenta e cinco combinações de tipos de materiais e cores para o interior. O carpete, por exemplo, podia ser em mouton, lã de carneiro especialmente processada ou o nylon de pêlo alto chamado de Karakul. Nos bancos dianteiros e traseiros, aquecimento com saídas de ar. A temperatura de cada um dos quatro lugares, exceto o central dianteiro, podia ser ajustada individualmente.
A buzina não é um simples avisador acústico, mas um conjunto de quatro cornetas, três em forma de caracol e uma de trompete, com tonalidades diferentes.
A direção é lenta, exigindo muitas voltas, mas bem leve, como era padrão antigamente, e a visibilidade excepcional, com o pára-brisa de várias superfícies curvas e a ausência de coluna “B”. O diâmetro de giro entre guias é de 12,8 m, bastante manobrável para um carro grande.
O chassis de aço trouxe a inovação das longarinas em forma de “X”, sem serem paralelas, para baixar o assoalho e conseqüentemente, toda a carroceria. As suspensões eram a ar, com bolsas pressurizadas para “molejo de nuvens”, mas sem excessos de movimentos da carroceria. Foi a primeira aplicação em automóveis, e era controlada por válvulas de nivelamento, para evitar a rolagem exagerada e manter o carro sem levantar a dianteira quando carregado. Haviam barras estabilizadoras, até mesmo para o eixo rígido traseiro, ajudando o trabalho do ar pressurizado.
Peso em ordem de marcha de 2.411 kg e a potência líquida que não era nada enorme, resultavam em uma aceleração fraca para os dias atuais, mas respeitável na época, por volta dos 13 segundos para chegar a 100 km/h saindo da imobilidade. O quarto de milha era percorrido em 19 segundos, tempo alto apesar da redução final relativamente curta de 3,36:1.
Foram 400 unidades em 1957 e 304 em 1958. A loucura total foi em 1959 quando a construção da carroceria foi para a Pininfarina na Itália, e mais 200 carros foram feitos até o final de 1960, mas esses são um pouco mais simples em várias características, diminuído o preço e tentando fazer uma fatia maior do mercado dos ultra-luxuosos. Foi uma tentativa de perder menos dinheiro, já que ao final da produção foi divulgado pela divisão Cadillac que o prejuízo financeiro foi de US$ 9.000 para cada carro produzido.
Hoje valem muito. Uma unidade com 49.000 milhas (78.000 km) originais, histórico completo e apenas quatro donos em quase sessenta anos, foi vendido por US$ 187.000 no ano passado. Tinha a suspensão a ar original, ao contrário de alguns exemplares que aparecem por preços bem menores, mas que tiveram o sistema convertido para o tradicional de molas metálicas e amortecedores.
Alguns outros dados. Pneus 8.40-15 na dianteira e traseira, freios a tambor nas quatro rodas, entreeixos 3.200 mm, bitola dianteira e traseira 1.549 mm, comprimento 5.494 mm, largura 1.994 mm, altura 1.410 mm.
Luxo de marcas de pequena produção em carro da maior empresa de automóveis do mundo, receita de exclusividade eterna.
Mais fotos abaixo, obtidas do E-Bay e do site da empresa de leilões Barrett-Jackson, exceto onde indicado.
JJ