Passei a me interessar pelas corridas de Fórmula 1 quando tinha por volta de 10 anos de idade. Para os garotos daquela época, início dos anos 1970, Emerson Fittipaldi era o grande herói das pistas de corrida no Brasil. Eu morava na minha cidade natal, no sertão da Bahia, e lá não havia sinal de televisão regular. Digo regular, pois a bem da verdade, havia sinal, mas precário. Ora pegava bem, ora somente chuviscos na tela. Então meu conhecimento do assunto era adquirido pelas páginas das revistas Manchete e O Cruzeiro, que meu pai assinava.
Fascinavam-me as formas dos carros e todo o glamour que envolvia as corridas. A figura ímpar de Emerson com suas inconfundíveis costeletas, seu sorriso vitorioso que me transmitia sentimento de uma pessoa simples e que inspirava confiança. No meu quarto havia um pôster (algo muito comum para decorar os quartos dos jovens naquele tempo) da clássica fotografia dele no pódio com uma guirlanda em volta do pescoço comemorando o campeonato de 1972. Tudo isso me fisgou e passei a ser um apaixonado pela categoria mais importante do automobilismo.
Em uma das freqüentes viagens que meu pai fazia a São Paulo ele me trouxe um presente inesquecível. Tratava-se de um exemplar da revista Manchete em comemoração do campeonato vencido por Emerson. Era um exemplar repleto de grandes fotografias, textos com detalhes do carro, entrevista e o melhor de tudo, o mais tecnológico para a época: um disco compacto no qual Wilson Fittipaldi, o “Barão”, narrava a vitória do filho. Lembro que essa revista não saiu de perto de mim por semanas. Eu lia e relia tudo. Observava os detalhes de cada foto.
Ouvia o disco e tentava descobrir outros sons na narração, no ronco dos motores, em tudo. Para que possamos ter a magnitude do que aquela revista representou para mim, temos que lembrar que era uma época em que o acesso à informação era restrito e caro. Não havia o poço sem fundo de informações que temos hoje com a internet a nosso dispor.
Tudo chegava via revistas, livros, rádio ou a precária televisão em preto e branco. Hoje em dia podemos pesquisar vídeos, fotos, textos, todo tipo de mídia a qualquer hora, ver e rever um vídeo quando quisermos. Acho que assim o leitor tem a dimensão da minha adoração pela tal revista.
O tempo foi passando e nosso grande bicampeão deixou a F-1 abrindo as portas para os outros talentos que o seguiram. Ainda no seu tempo tivemos José Carlos Pace, um piloto de muito carisma para mim, até chegarmos aos tricampeões Piquet e Senna. Ao correr os anos 1980 a categoria foi se profissionalizando, ficando mais organizada, mudando e deixando para trás o jeito improvisado vigente até então. Era a chegada da face empresarial, de grande negócio, trazida por Bernie Ecclestone. Nas manhãs de domingo, até meados dos anos 1990, era atração imperdível na maioria dos lares brasileiros.
As corridas, campeonatos, vitórias dos nossos pilotos e tudo mais que dizia respeito à categoria eram eventos que iam marcando minha vida. A fase quando morava com meus pais e via as corridas na grande sala da minha casa. Depois, já como estudante de engenharia mecânica, em que eu acompanhava as corridas por uma pequena televisão no meu simples apartamento de estudante. Assim a Fórmula 1 passou a marcar meu calendário ao longo do ano. Se para muitos brasileiros o ano começa após o Carnaval, para mim o primeiro grande prêmio é que abria os trabalhos.
O ano vai transcorrendo e vou me guiando ao longo da temporada, odiando quando acontecem os grandes intervalos entre corridas e sentido um quê de tristeza quando o campeonato e o ano terminam. Para não perder o contato, acompanho as pequenas notas na imprensa sobre as atividades nesse momento de preparação de uma nova temporada até chegar o momento de apresentação dos novos carros, testes de pré-estréia no inverno, e por aí tudo recomeça.
Quando estudante lembro bem que a aproximação do Grande Prêmio do Japão, o único na Ásia naquela época, era sinal que as férias de final de ano estavam chegando e eu poderia passar dois meses na casa dos meus pais desfrutando de todo conforto que não tinha durante o ano de estudos. Acordar tarde, não ter compromissos e tudo mais que um jovem tem o privilégio de viver. Num desses anos, acho que devo ter ido bem nas provas a ponto de as férias chegarem mais cedo. E a viagem de volta para a casa dos meus pais coincidiu com o dia do GP nipônico.
Viajamos à noite, a estrada estava em obras e o motorista não percebeu um desvio e seguiu reto batendo contra um monte de asfalto retirado da pista para conserto. Não foi nada grave, mas impediu o ônibus de trafegar e teríamos que esperar a vinda de outro carro para seguirmos viagem. Havia um pequeno posto de combustível à beira da estrada, nos dirigimos para lá a fim de esperar a solução do problema. Como havia um televisor na lanchonete, pude acompanhar a corrida naquela madrugada.
Lembro claramente que no dia do acidente fatal de Ayrton Senna eu perdera a hora e quando liguei a TV a corrida já havia começado e a cena era o Williams parado na curva Tamburello, a equipe de salvamento prestando socorro. Na hora imaginei que não seria nada grave. Tentando me enganar, imaginava que um cara como ele não poderia morrer assim numa simples batida em que o carro ainda estava inteiro. Seria uma forma muito trivial de morrer para um herói como ele.
Aquilo devia ser fingimento, espetáculo da TV e logo ele sairia do carro andando após ser reanimado, pois haveria desmaiado ou coisa parecida. Pensei que aquilo era uma chatice já que iria atrasar a corrida. Mas foi um final bem diferente desse enredo que eu sonhava e sabemos o final.
Hoje concordo com a opinião corrente que hoje a F-1 foi ficando mais pasteurizada, mais sem graça, mais previsível. Acho que de tanto evoluir nos aspectos profissionais, deixando de ter o caráter aventureiro, talvez romântico, a categoria foi ficando sem sabor. Porém, não deixo de admirar e seguir o campeonato ao longo do ano. Continuo achando nossos pilotos muito bons e torço por eles.
Acompanho a evolução dos carros e motores, gosto de observar um aspecto que muito me encanta que é a aerodinâmica dos carros. Lembro-me quando vi pela primeira vez um F-1 “rasgando” a reta de Interlagos tive o nítido sentimento que aquilo era muito leve e que somente as forças geradas pelos artefatos aerodinâmicos o mantinham “colado” ao chão! Foram segundos espetaculares.
Curiosamente, não fui a muitas corridas, também não agüento ficar na frente da TV quando a corrida vai começando a ficar monótona, mas sou um admirador inveterado dessa categoria. Acompanhado a sua história vemos refletida a evolução tecnológica, social, econômica e política da nossa sociedade. O campeonato é uma forma, para mim, de ver o tempo passar.
JV
Edição: AUTOentusiastas
Foto da chamada: jotajorge.wordpress.com
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