Dependendo da mistura rica ou pobre do carburador nosso de cada dia, poucas coisas no mundo são mais relaxantes ou modorrentas do que olhar para as nuvens. Entre as raras exceções está olhar para as nuvens subindo os 20 Km da estrada que leva ao alto de Pike’s Peak, montanha que ganhou esse nome após ter sido conquistada por um certo Zebulon Montgomery Pike, lá pelos idos de 1806/1807. O Tenente Pike acreditava que ninguém conseguiria subir ao topo da montanha situada no Colorado e tinha boas razões para isso: na tentativa de subir morro acima chegou a despencar morro abaixo mais que uma ou duas vezes… A edição 2015 da segunda prova mais longeva do mundo (só Indianápolis tem mais edições consecutivas), que se realiza neste fim de semana (leia mais).
Como os carros largam a uma altitude de 2.860 metros em relação ao nível do mar e terminam o percurso 1.440 metros mais alto — rampa média de 7,1%, como a da Via Anchieta, em São Paulo, por exemplo —, o uso de motores turbo é praticamente um recurso básico para quem quer vencer. O “praticamente” perde força a cada ano por causa do desenvolvimento cada vez maior da categoria para carros elétricos. Nesta cruzada ninguém é mais atuante que o japonês Noburo Tajima, mais conhecido como Monster Tajima. Este veterano de energia inesgotável foi o primeiro piloto a quebrar a barreira dos 10 minutos para superar as 156 curvas do percurso com a marca de 9:51,278, ainda a bordo de um Suzuki SX4 com motor de combustão interna. Feministas me perdoem, mas parar o cronômetro nesse tempo é coisa para samurai bem macho!
Verdade que desde 2011 os 20 quilômetros de uma das trilhas mais famosas do esporte a motor estão totalmente pavimentados e com isso os tempos caíram barbaramente. Hoje em dia a subida é percorrida em pouco mais de 8 minutos: Sébastien Loeb provou isso ao demorar 8:13,878 para completar o percurso na edição de 2013. O francês — que atualmente disputa o WTCC (Campeonato Mundial de Carros de Turismo) pela Citroën — competiu na classe Unlimited, estabelecida em 1981 e no ano seguinte transformada em um chamariz de projetos malucos e milionários, muitas vezes bancados por fábricas.
A primeira a se interessar oficialmente foi a Audi, que venceu seis anos seguidos (1982 a 1987). Um dos registros mais bonitos e emocionantes dessa disputa à parte é o dirigido por Jean-Louis Morey e que mostra a vitória de Ari Vatanen (Peugeot 405 Turbo 16) em 1988, quando ele baixou em seis décimos (10:47,220) o tempo que garantiu a vitória de Walter Röhrl (Audi Sport Quatro S1 E2) em 1987. Assista a esse vídeo, dê tela cheia, aumente o som e respire fundo. Depois disso você vai ficar com a cabeça nas nuvens…
Se você quiser descobrir uma banda do Colorado capaz de prolongar essa sensação, ouça Elephant Revival. Apesar do nome, o som é leve mas tem pegada.
Fato curioso a respeito de Pike’s Peak (há quem jure que a grafia certa é Pikes Peak) é que foi lá do alto, em 1895, que a compositora Katharine Lee Bates teve — ou recebeu — a inspiração para escrever a letra de “America, the beautiful”, seguindo-se a música composta por Samuel A. Ward, um organista de igreja e regente de coral.
Ouça e veja “America, the beautiful”:
WG