Tive uma educação amorosa, mas rigorosa. Em casa tinha horário para ver televisão, programas que não podíamos assistir até uma determinada idade, horário para as refeições, não podíamos levantar da mesa até que todos tivessem terminado, enfim, alguns rituais que, diga-se de passagem, mantenho alegremente até hoje — exceto o da televisão. Sou viciada e sempre está ligada. Assisto quase qualquer coisa e já vi o mesmo número de vezes e com o mesmo entusiasmo “Cidadão Kane” que “A Volta dos Tomates Assassinos”, embora seja capaz de perceber as diferenças. Sim, já sei, não faz o menor sentido, mas tenho meu lado ilógico dentro de um ser bastante dr. Spock de ser. Mas na minha infância também tinha muito beijo, abraço e demonstração de carinho. E sempre “por favor” e “obrigado”.
Acredito que são os gestos simples que fazem a diferença sempre. E no trânsito não é diferente. Não basta respeitar as normas de trânsito assim como não cola aquele argumento dos flanelinhas que tentam nos extorquir dizendo “pelo menos não estou roubando”. Ora, fazer o certo é obrigação, não favor.
Sinalizar antes de mudar de faixa ou de fazer uma conversão ajuda muito, por exemplo. Meus amigos dizem que andar atrás de mim não tem nenhuma emoção. Eu sempre aviso o que vou fazer. Dou seta com antecedência, dou passagem, respeito a preferencial, freio com cuidado, enfim, não há surpresas. Afinal, se alguém quiser andar com emoção que contrate um bugueiro nas dunas do Ceará (que por sinal já fiz e é muito legal), pois andar atrás de mim será perda de tempo nesse sentido. Frear na última hora só em pista de teste ou de corrida, assim como outras coisas do gênero. Coisa que, aliás, adoro fazer. E aí solto a fera que tem dentro de mim. Mas nas ruas, tento agir como uma princesa.
Respeito a faixa de pedestre e já perdi a conta de quanta buzinada levei por não avançar mesmo com o sinal aberto mas correndo o risco de fechar o cruzamento. Mas meu sangue ferve quando sou eu a vítima de alguém que faz isso. Já desci do carro para bater boca com o motorista de um ônibus que fechou um cruzamento. O sinal abriu por exatas quatro vezes para mim e nada. Não consegui andar um milimetrozinho sequer. Aí desci do carro. Claro que quando comecei a falar: “O senhor viu o que fez?” ele fechou a porta do coletivo. Mas sou baixinha invocada e continuei soltando o verbo, só que em tom mais alto. Não xingo que é para não perder a razão, mas que ele escutou, isso sim. Faz um par de anos e já não faço mais isso pois o trânsito está muito inseguro — e ainda corro o risco de que roubem minha bolsa enquanto desço do carro para reclamar, ou o carro, se o trânsito andar. Mas na hora realmente não pensei muito, não. E ainda quando reclamo consigo ser gentil. Bom, talvez não seja gentil que não sou Mahatma Gandhi, mas certamente educada. Aliás, isso deixa o outro mais irritado.
O engraçado é que por ser mulher os outros motoristas não botam fé nas minhas gentilezas. Quando estou numa rua e dou passagem para alguém que está saindo de uma garagem, não basta eu piscar o farol. Tenho de gesticular com a mão e ainda dizer “vai, vai”. E tem quem duvide. Homem, pois mulher nem espera. Acelera e pronto — isso se não me fechar. E raramente agradece, infelizmente. Acho que ainda é raro mulher dar passagem e há muita desconfiança no gesto. Também gosto de agradecer quando me dão passagem, o que às vezes me rende um divertido agradecimento do agradecimento. E sempre dou preferência aos pedestres quando saio de uma garagem, quando estão na faixa ou quando não há sinal para travessia. Mas sou meio camicase quando atravessam com o sinal fechado para eles. Um amigo meu abria a janela, colocava a cabeça para fora do carro e gritava “boliche!”. Entenderam o recado? Claro que eu nunca atropelei ninguém nem ameaço, mas faço questão de gritar “olha o sinal!”. Adianta? Quase nunca, mas é como meu pai dizia, aviso que estão pisando no meu pé. Se não tiram o pé é porque são mal educados. E acho que algum dia vão mudar de comportamento se todo mundo ficar reclamando na orelha deles. Mas também acreditei em Papai Noel até os sete anos…
Não acho que campanhas de paz no trânsito sejam eficientes. Educação tem de vir de casa. Cansei de ver motorista fechando outro com o adesivo da seguradora da campanha do coraçãozinho colado no vidro. Uma boa autoescola com certeza também ajudaria, com carga horária que realmente fosse cumprida e programa que incluísse não apenas decoreba de placas e inutilidades que duvido que as próprias autoridades viárias conheçam, mas também atitudes que melhorariam a fluidez do trânsito. Os motoristas alemães na minha opinião são os melhores do mundo — generalizando, é claro — e credito isso ao exigente exame que eles têm. Nada de “comprar” carteira. E olha que lá não tem limite de velocidade na maioria das estradas, exceto nos trechos em que as fantásticas Autobahnen atravessam vilarejos.
Manter o carro em ordem também é sinal de respeito e educação – sem falar em segurança para todos. Por que o motorista de trás seria obrigado a adivinhar se estou freando quando isso deveria ser claramente sinalizado por uma luz vermelha mais intensa? Custa checar as lâmpadas? Por sinal, esse foi um conselho do meu instrutor de autoescola. Eu estava acostumada a dirigir do jeito argentino, reduzindo as marchas e usando pouco o freio. E ele me disse para fazer isso, sim, mas dependendo do trânsito dar uma pisadinha no freio apenas para que o motorista de trás percebesse que eu estava diminuindo a velocidade. Achei prática a dica, já que aqui o uso do freio é mais freqüente e faço isso quando o veículo de trás está próximo do meu. Mas se não tem ninguém ou mesmo nas descidas, gosto que seja o motor, através da caixa de câmbio, que segure o carro e não o freio.
Faróis funcionando e a luz correta no momento correto sempre. Apesar de ser argentina, não sou exibida, mas o princípio no trânsito é o mesmo da aeronáutica: ver e ser visto. Então lâmpadas sempre em ordem cuja substituição, por sinal, muitas seguradoras cobrem e nada de preguiça na hora de acionar a alavanquinha. Bem, relendo isto vão dizer que sou, sim, exibida, que gosto de luzes. Mas na verdade é questão de segurança. Juro!
Mudando de assunto: Foi legal ver um brasileiro no pódio da Fórmula 1 depois de tanto tempo. Felipe Massa fez uma bela corrida, mas queria destacar o sempre correto e eficiente Nico Hülkenberg. Com um carro limitadíssimo ele consegue milagres. Sempre o achei muito talentoso — pena que nunca teve um carro à altura. E o que dizer da transmissão? Um horror: cortavam as imagens nas horas mais absurdas.
NG