Acabei de voltar de uma viagem rápida a Santiago do Chile, Buenos Aires e Brasília e é impressionante como três cidades de países teoricamente tão próximos têm trânsito tão diferente.
A surpresa agradável foi perceber que nos países vizinhos as películas que escurecem os carros não fazem o menor sucesso. É lindo poder ver os gestos dos motoristas e observar suas reações. Dá mais segurança nas manobras, pois pode-se perceber se o condutor nos viu. Sim, já sei, alguém vai pensar que é vaidade, que gosto de ser admirada, mas juro que não é isso. Gosto de ser vista quando estou no trânsito — bem, se isso provocar alguma admiração, melhor ainda, mas garanto que não tem nada a ver com Insulfilm e sim com direção segura. Sem falar que podemos enxergar não apenas o carro à nossa frente mas também o que está adiante dele. Aleluia! Desde minha época de escola não me lembrava mais que um vidro podia ser transparente, translúcido e, tchatchã, incolor.
Embora ache que o trânsito de Brasília piorou, ainda é dos mais civilizados que conheço no Brasil. Todo mundo lá reclama dos congestionamentos, mas para mim que dirijo em São Paulo ir do setor de embaixadas ao aeroporto (cerca de 10 km) em menos de 10 minutos e a tempo de pegar meu vôo quase me leva às lágrimas de felicidade. E sem atropelar ninguém nem fazer barbaridades. Detalhe: eram 6 horas da tarde e num dia de semana. Nada mau mesmo. Ainda se respeita faixa de pedestre mas também não vi ninguém a pé atravessar fora dela. Ou seja, respeito dos dois lados. E sem dúvida é uma cidade feita para carros, onde ainda não é pecado ter um veículo de passeio.
Santiago tem um volume razoável de carros e uma frota bastante civilizada que respeita a maioria das normas de trânsito. Muitos táxis e ônibus dividem ruas não muito largas, mas a quantidade de motos e bicicletas não chega a atrapalhar, pois seguem normas de segurança mas também são proporcionalmente poucos. E todos muito tranqüilos. Tenho um amigo que se mudou para lá há uns meses e disse que ninguém morre de infarto no trânsito de Santiago. Tem muito carro em fila dupla, mas quem num quarteirão desvia de que está parado irregularmente, no outro ele mesmo pára em fila dupla. Não que seja uma atitude a ser elogiada, mas não chegam a fechar a rua. É uma bagunça relativamente organizada.
Já Buenos Aires… veja bem. Apesar de avenidas larguíssimas e algumas das mais bonitas pelas quais já andei, como a av del Libertador e sua dúzia de faixas (num mesmo sentido, sem ilha no meio, tudo de uma vez) ou a Figueroa Alcorta, é praticamente tudo um salve-se quem puder. E se puder. Presenciei algumas freadas e manobras evasivas assustadoras, batidinhas menores e na televisão vi vários acidentes sérios. Mas o que esperar de motoristas que não mantêm uma distância minimamente segura entre si — nem à frente nem aos lados? Imagino que não acionem os sensores de estacionamento para não ficar surdos. Na verdade chama a atenção que não haja mais acidentes, mas acredito que São Cristóvão deve andar muito ocupado por aquelas paragens. Ninguém se mantém dentro de sua faixa de rolamento. Na verdade, dentro de nenhuma faixa de rolamento. Mais parece uma pista de aeroporto na qual centralizam o veículo pela faixa de tinta, mas mesmo assim só de vez em quando.
Atravessar a rua só mesmo tendo muita coragem e proteção divina para chegar do outro lado inteiro, pois os carros fazem conversões mesmo com o sinal aberto para os pedestres. Pensei que uma pessoa do Brasil que estava comigo fosse infartar quando estávamos dentro de um táxi e recomendei que olhasse para mim em vez de para a janela. Eu mesma faço isso e me abstraio. E rezo para o seguro de vida cobrir esse tipo de eventualidade, embora me lembre de que algumas cláusulas excluem situações em que o próprio segurado se coloca em risco. Acho que vi menções a exemplos como saltar de pára-quedas e fazer safáris na África, mas suspeito que andar de carro em Buenos Aires entre na mesma categoria de riscos auto-inflingidos e encerre os mesmos perigos que enfrentar um leão no braço. Mas também me lembrei de que o Papa é argentino e, sei lá, achei que poderia contar algum ponto. E afinal de contas, se vivi tantos anos lá e sobrevivi, inclusive às centenas de vezes que já voltei, deve ser por algo.
Algo que aprendi em casa quando era pequena e que sempre pratico e recomendo a todos, especialmente na Argentina, foi não subir à calçada entre carros. Uma conhecida da minha mãe ficou paraplégica quando foi prensada por dois carros estacionados e um terceiro estava empurrando um deles para caber na vaga. Como ninguém usa freio de estacionamento justamente por isso, não é raro os carros parados “andarem”. E até hoje não passo entre carros em hipótese nenhuma, mesmo no Brasil. Pois bem, essa mania continua, mas menos ostensiva. Hoje é mais difícil parar o carro no meio do quarteirão e encontrá-lo na esquina. Mas sim meio metro distante do lugar original. Culpa, ou mérito, dos pára-choques de plástico.
O mais engraçado é que os argentinos me dizem que acham o trânsito do Brasil muito louco. Por exemplo, que os carros freiam na última hora, muito perto do veículo à frente. Jura?, digo sempre, não me parece. Sempre achei que Ciências Exatas fossem exatas e que um metro tivesse 100 centímetros e um quilômetro 1.000 metros, mas aparentemente as unidades de medida também mudam de um país para o outro, pois eles param a menos de um palmo de distância um do outro e acham que no Brasil é que colamos muito. E lá também tem cada vez mais ciclovias, estas realmente segregadas do trânsito (as “bicisendas”) mas conectadas entre si, com mais planejamento do que por aqui. O problema é que os ciclistas, assim como em terras tupiniquins, acham que podem tudo e não respeitam sinal vermelho. Deve ser para combinar com os outros veículos, que também o ignoram.
Mudando de assunto: Não consegui ver a corrida de Londres, mas adorei saber que Nelsinho Piquet ganhou o campeonato da Fórmula-E. Sempre o achei talentoso e gosto da versatilidade em guiar qualquer tipo de carro. E legal que tenha tido a ajuda do Bruno Senna, para deixar de lado a disputa de sobrenomes. Meio irônico, mas bacana.
NG