Maluco, doido, sem juízo. Louco, sem-noção, desajuizado. Ou então, para os mais polidos, excêntrico, extravagante, ponto fora da curva. Normalmente são essas palavras que escuto das pessoas quando compro meus carros. E dessa vez não foi diferente. Mas antes de falar do carro da vez, um pouquinho de conversa.
Analisando minha ficha pregressa de carros e motos, ocorreu uma coincidência. Nesses 22 anos em que sou habilitado, tive 22 veículos, entre carros e motos. E, que coisa, todos eles fugindo da normalidade. As fascinantes motos, por si só, já não são algo tão normal. E meus carros tinham sempre algo que fugia do script. Podia ser um “detalhe” (comprei um Alfa Romeo 155 já com o motor fundido), um motor mais potente (VW Santana com motor turbo), o combustível (Chevrolet Omega GLS a álcool) configuração (Fiat Marea Weekend 1,6 16V e Ford Escort “Zetec” 3-portas), e até a idade (o Chevrolet Astra que utilizo nos track days é 1995). Isso quando algumas dessas características não se somavam (Tempra Turbo, duas portas, preparado, e já com alguma idade). Cada um deles renderia uma história. Mas, afinal, o que foi dessa vez?
Um Mercedes-Benz C 180 Kompressor Avantgarde. É, já não está tão normal visto o motor ser superalimentado por compressor tipo soprador (Eaton M65), como o nome faz supor. E o ano despertaria arrepios em muitos, 2006. Mas o fato de ele não ter sido importado oficialmente pelo fabricante, e sim por uma representação diplomática, é o que a torna bem diferente.
Curiosamente, em Brasília, cidade onde moro, rodam veículos bem diferentes do que se está acostumado a ver. São os veículos das inúmeras embaixadas presentes na cidade, que têm a prerrogativa de importá-los dos países de origem com alguma facilidade. Com freqüência se vê veículos de placas azuis pela cidade. Fácil imaginar que, mais cedo ou mais tarde, esses carros vão ser revendidos no mercado de usados. E foi assim com esse Mercedes. Fabricado na Alemanha, comprado em Bruxelas, Bélgica, e posteriormente importado para o Brasil, ele veio em uma versão inexistente por aqui, com câmbio manual. De modo complementar, o BMW da foto no estacionamento de supermercado também é 2006 e manual. Aliás, notou que não tem “sacos de lixo” e como ficaria pavoroso se tivesse?
Eu nem estava procurando carro para comprar, mas, descompromissado, folheava os classificados do jornal. E, fã de câmbios manuais que sou, quando vi o anúncio ressaltando o grave defeito de ter esse tipo de câmbio (só aqui no Brasil mesmo…), tive que ir lá conferir! Chegando lá, definiria o Mercedes como triste. Para choques ralados, sujo, sem brilho, pneus gastos, check/control acusando “500 mil” alertas. Cachorro sem dono. Mas…vamos dar uma volta? Ah, foi a perdição. Manobrando, já comecei a gostar. Nada de acelerador eletrônico “me engana que eu gosto” em que uma pisadinha no pedal já provoca uma exagerada abertura da borboleta, para dar a impressão de motor potente. Assistência dos freios também na medida certa, nada dos detestáveis “só de você olhar para o pedal, o carro pára!”. Banco do motorista com a opção de ficar baixo, como gosto.
Pegamos a via, e o câmbio bem longo, de seis marchas, se destaca. Para se ter idéia, a v/1000 em sexta é de 50 km/h. Acompanhado o trânsito, o motor está o tempo todo “cochilando” na faixa de 1.000 a 2.000 rpm. Supus que seria econômico. O motor é “torcudo”, embora pouco potente para os padrões atuais: 143 cv. Hoje, muitos dos 1,8-litro aspirados já superaram essa potência. Mas, sinceramente? Parece ser bem mais. Imagino a mítica prova de 0 a 100 km/h na casa dos 9 segundos. No mais, suspensão firme, sem ser dura, carro muito preciso direcionalmente (também, com aquele cáster todo!). Interior sóbrio, com tudo no lugar, sem firulas. Não teve jeito: negociei o preço, fechei negócio.
Bom, trabalhosa é pouco para definir a transferência. O processo de internalização do veículo não havia sido completamente feito quando de sua chegada, e nesse momento, o Detran daqui exigiu seu término. Chato, mas coerente. Papéis para lá e para cá (e muitas taxas…), carro transferido. Ufa.
Vamos cuidar agora do carro. De cara, um jogo de pneus novos. Achei uma ótima promoção e comprei da marca Continental, que aprecio muito, na medida 205/55 R16 e no modelo topo de linha. Aqui, cometi um erro: as rodas traseiras são mais largas, 8 polegadas, enquanto as dianteiras, 7,5. Isso explicava o por quê dos 225/50 na traseira. Vou fazer uma jogada com esses pneus no Astra (aquele da viagem a Ushuaia) e comprar os corretos. Mas o fato é que o carro virou outro com os pneus novos. Faz curvas absurdamente bem, na mão e ainda com o ESP vigiando. Como curiosidade, o par dianteiro ainda era o original e ainda não havia atingido o TWI. Rodaram 90.000 km, e rodariam mais!
O uso desses pneus me fez refletir como os fabricantes estão exagerando nas medidas deles em prol do visual e detrimento de todo o resto. Ora, não faz sentido um carro sem pretensões esportivas usar um perfil menor que 55 ou 60. Minha irmã tem um Hyundai HB20 dotado de “ombrudos” 175/70R14, e é notório como absorvem bem as irregularidades.
Troca de óleo e filtros, lâmpadas, carro na lanternagem para pintura dos pára-choques e polimento bem caprichado. Ficou lindo, a estrela está como deve, brilhando. Vou dar um jeito no interior— que é em tecido, os “oficiais” são em couro — em casa mesmo.
Nessas idas e vindas, a suposição do baixo consumo se concretizou: faz 14 quilômetros com um litro de gasolina. E embora não seja adaptado à nossa incrível gasolina com mais de um quarto de álcool, a dirigibilidade é lisa, lisa, lisa. Como explicar nossos carros dando tranquinhos a cada retomada e consumo vertiginoso?
Acredito que o coeficiente aerodinâmico muito baixo, 0,26, aliado a pequena área frontal, 2,08 m², ajudem bastante nesse consumo reduzido. A sensação que se tem dirigindo o carro é a de que ele “escorrega”, flui, não briga com o ar.
Enfim, comprei um carro como eu queria, do jeito que gosto, de acordo com minhas preferências, sem me importar se é “mico” ou não. Não comprei o carro para vender, mas para usar. E com prazer. Foi assim com os outros que tive. Todos com suas esquisitices, peculiaridades e defeitos. Mas sempre agradecendo a Deus a bela oportunidade de tê-los em minha garagem.
LG
ooooo