Viajar e dirigir são duas das minhas grandes paixões. E adoro juntar as duas: dirigir quando viajo ou viajar dirigindo – neste caso, mesmo quando não percorro grandes distâncias. Metaforicamente falando.
Mas por mais que goste e por mais que já tenha feito as duas coisas sempre tem alguma pegadinha. É inevitável pagar micos, especialmente fora do Brasil. Até alguns anos atrás eu tinha uma teoria que foi parcialmente desmontada pelas importações maciças e pela massificação das viagens. Eu acho que por mais que se aprenda um idioma sempre somos pegos nos detalhes – e, na minha teoria, as torneiras encabeçavam a lista dos itens com os quais não tínhamos nenhuma familiaridade. Quando no Brasil tínhamos uma torneira para água quente e outra para água fria, uma de cada lado da saída da água, lá fora havia um festival de opções: torneira com sensor de proximidade, outras com monocomando, algumas com sensor tipo pedal no chão, outras com acionamento por pressão, e por aí vai. Isso sem falar nos belos designs nada funcionais em que mesmo havendo dois comandos, um para água fria e outro para água quente não dá para ter a menor idéia de como fazer água sair de lá de tão complicados que são. Puxo? Empurro? Giro? E o que dizer das duchas com chuveiro manual? Que atire o primeiro sabonete quem nunca molhou todo o banheiro do hotel enquanto tentava desesperadamente pegar o chuveirinho manual que mais parecia uma cobra ensandecida apenas porque não percebeu que ao abrir o registro a água sairia pelo esguichinho e não pela torneira. ..
Com carros não poderia ser diferente. E não me refiro apenas ao câmbio automático que fez muito brasileiro ser quase ejetado pelo pára-brisa ao pisar no freio no lugar da embreagem. Refiro-me aos micos e confusões em geral. Já mencionei aqui o grito a orelha que levei quando meu marido foi ultrapassar um ônibus escolar que estava parado numa rua dos Estados Unidos. Mas claro que não foi o único, pois embora eu me prepare sobre algumas coisas no país que vou visitar nunca, mas nunquinha mesmo, consigo abordar tudo.
Anos atrás me emprestaram um Audi Quattro nos Estados Unidos. Chegou lindíssimo, vermelho, zero-quilômetro, um modelo que fazia as pessoas virarem na rua para olhar. Foi entregue completo e com o tanque de gasolina cheio. OK. Saímos então, depois de passar uns 10 minutos nos familiarizando com os comandos e de boas gargalhadas com o acionamento do aquecimento de banco e das piadas que surgiram disso. Até aí, nada de muito diferente do que conhecíamos. O problema apareceu na hora de encher o tanque. A tampa estava no lugar convencional, mas, como abri-la? Não tinha lugar para colocar a chave de ignição, então fomos procurar alavanquinhas e pininhos que pudessem ser puxados/apertados ou algo assim que pudessem comandar a abertura do tanque. Nada. Só conseguimos abrir o porta-malas. Depois de uns cinco minutos meu lado mulher não resistiu e decidi ir perguntar ao caixa dentro da loja de conveniência. Bem humorado, o sujeito perguntou se eu tinha um martelo. “A hammer?” perguntei, achando que tinha entendido errado. “Sim, se você tiver um é só bater com força na tampa do tanque. Não tem como não funcionar”, disse sorrindo para mim. E gentilmente foi até o carro comigo e mexeu atrás da placa do carro que destravou o acesso ao tanque. Pronto, problema resolvido.
O idioma é outra e nos micos de viagem. Certa vez estávamos meu marido e eu viajando pela Alemanha de carro. Ele só sabe dizer em alemão meia dúzia de palavras úteis e “caneta tinteiro” e apenas porque achou a palavra engraçada (“Füllfederhalter”) quando estudou a língua de Goethe por um breve período. Eu, apesar dos meus mais de seis anos de estudo não tenho fluência, mas me viro pois como ele diz, aprendi vários idiomas apenas para não perder a oportunidade de falar — e tem razão. Voltando à história, estava eu dirigindo e ele me ajudava como navegador, lendo todas as placas das ruas que cruzávamos pois estávamos à procura de uma em especial. Ele sabia que “Strasse” significava rua e logo na segunda travessa cravou, com muita segurança: “EinbahnStrasse”. Mas essa não está em nenhum mapa. Quer dizer “rua de mão única”. Tivemos de encostar o carro até parar de rir.
Dizem que a maior cidade da Alemanha é “Ausfahrt” pois toda estrada tem uma seta indicando como chegar. Eu mesma já fui para lá várias vezes, às vezes querendo às vezes sem querer – é apenas “saída” em alemão e aparece em todas as Autobahnen.
Nós tomamos uma advertência na Bélgica, que vem a ser algo antes de uma multa, por não deixar o ticket do estacionamento no painel dentro do carro num estacionamento público. Mas como saber onde se tem de deixar o ticket e onde você tem de levá-lo com você se muda de cidade para cidade e de país para país? Em alguns eles dizem expressamente para não deixar o comprovante no carro. Em minha defesa, estávamos numa minúscula cidade do interior e as explicações estavam em flamengo ou, mais corretamente, neerlandês. Já acho muito termos conseguido fazer toda a operação com as máquinas em neerlandês… e como de fato havíamos feito o pagamento ficou claro para as autoridades belgas que não houve má fé.
A falta de familiaridade com os hábitos de outro país cobra sempre seu preço. Um amigo nosso conseguiu uma façanha. Ao chegar a Miami, o grupo do meu marido se dividiu em dois e cada um alugou um carro no aeroporto. O primeiro saiu do estacionamento pela entrada e sem ainda ter entregue os papéis da liberação, furando os dois pneus da frente nas garras que existem no chão. Ai o pessoal do grupo de trás gritou e avisou que havia furado os dois pneus e ele, ainda sem entender o que tinha feito, resolveu encostar o carro logo adiante para ver o que tinha acontecido. E, claro, furou os outros dois. Não conheço mais ninguém que tenha esse feito em seu curriculum.
Certa vez meus tios estavam nos Estados Unidos e estacionaram perto de um restaurante. Desceram todos e meio quarteirão depois meu tio, preocupado, disse que não havia gravado o nome das ruas onde parara. Meu primo, então com seus oito anos, disse tranquilamente: “Não se preocupe, papai, eu sei. Quase na esquina de One way com one way”.
Mudando de assunto: incrível a largada de Felipe Massa na Inglaterra. Mas igualmente incrível a lambança na estratégia da Williams. E deu para ouvir (apesar de um certo locutor insistir em falar o tempo todo, inclusive quando aparece o aviso de mensagem de rádio) o Bottas querendo parar antes. Deve ter se mordido de raiva pensando: eu avisei… Foi pena, pois os dois deram um show.
NG