Recentemente o Bob Sharp escreveu uma matéria sobre a (falta de) educação no Brasil. De uma forma em geral, temos problemas em todas as áreas, é evidente. Mas queria voltar ao assunto falando em especial do trânsito — um assunto que me é muito querido e odiado ao mesmo tempo.
Como já disse, tive uma educação rigorosa no sentido de fazer o certo e além. Respeito ao próximo e às normas, sempre. Isso não significa gostar ou concordar com determinadas regras ou leis — devemos lutar para mudar aquelas que são injustas ou absurdas, mas não podemos não respeitá-las. Longe de criticar meus pais, elogio diariamente isto. Ao reler os comentários dos leitores sobre o texto do Bob, lembrei de alguns fatos.
Certa vez, estava no centro de São Paulo com minha mãe, ambas a pé, prestes a atravessar a Av. Rangel Pestana, em direção à Praça da Sé. Era um dia de semana, por volta das 19 horas e estávamos — como sempre, aliás — conversando. Ambas somos muito falantes, devo dizer. Mas isso não deveria ser desculpa para o que aconteceu na seqüência. Olhei para a esquerda e ao ver que não vinha nenhum carro, fizemos como o resto das pessoas e começamos a atravessar a avenida. Do nosso lado uma senhora de uns 30 anos de idade, vestida de forma simples, segurava uma criança de uns cinco anos pela mão. O menino começou a atravessar, mas a mãe o puxou pela mão e disse firmemente: “Não, filho, o sinal está fechado para nós”. Glup! Olhei e ela estava certa. Rápida e automaticamente, minha mãe e eu demos dois passos para trás para voltar para a calçada e nos olhamos estupefatas. Em um curtíssimo espaço de tempo, o sinal abriu e aí os quatro atravessamos — o resto dos pedestres já havia alcançado a praça.
Ao chegar ao outro lado da avenida, não me segurei. Como vocês já devem ter percebido, ainda estou procurando um pouco de timidez em mim, mas confesso que não achei o menor resquício disso. Virei para a senhora e disse: “Parabéns, você fez o certo e ainda deu um ótimo exemplo a seu filho”. Juro, me emociono quando vejo esse tipo de atitude, que me faz ainda ter esperanças na humanidade. E ela simplesmente me respondeu: “obrigada, mas acho que a vida vai ensinar ao meu filho muitas coisas ruins. Eu tenho a obrigação de ensinar a ele as certas. Agora estou ensinando ele a dar o lugar no ônibus, e expliquei que quando estava grávida dele e até ele aprender a andar as pessoas me davam o lugar na condução. Agora está na hora de ele fazer a mesma coisa.” Dá para acreditar? Minha mãe também ficou comovida e parabenizou este fantástico ser humano. Claro que o tema do resto da noite foi esse mesmo, como fomos descuidadas ao não olhar para o sinal e como esta maravilhosa pessoa estava criando outra que é hoje provavelmente um ótimo ser humano.
É claro que lembro super bem deste exemplo porque ele é totalmente fora da curva. Lembro menos, mas certamente foram mais, os casos de maus exemplos. Certa vez, quando trabalhava no centro de São Paulo, andando a pé pela rua Boa Vista passei ao lado de uma Kombi estacionada. Bem na hora em que o motorista jogava pela janela uma latinha de refrigerante vazio. Sem nem pensar, peguei a dita-cuja e a arremessei para dentro da janela da Kombi novamente, dizendo “não seja porco. Use a lixeira”. E, por via das dúvidas, mudei de direção e fui a pé no sentido contrário do trânsito o mais rapidamente que pude. Foi a única vez que tomei uma atitude dessas, e nem sei o que aconteceu depois. Pode ser que o porcolino tenha jogado novamente a lata pela janela, pode ser que tenha parado para pensar na estupidez do ato e não o repita ou nenhuma das anteriores. Mas na hora realmente não pensei. Algo dentro de mim, provavelmente o fígado, comandou meu braço sem que a ordem tenha passado minimamente pelo cérebro. Se assim fosse, provavelmente não teria feito o que fiz. Mas fora os riscos que corri, ainda acredito que fiz o certo. Lembram a história do meu pai? Se alguém está pisando no nosso pé no ônibus temos a obrigação de avisá-lo. Pode ser o que faça sem querer ou sem perceber. Se ele depois disso ainda continuar, bem, aí sim… o sujeito é do mal.
Mas às vezes dá certo. Outra vez estava eu num ônibus quando bem na minha frente um rapaz com todo jeito de office-boy (sim, a história é antiga, eles ainda não usavam moto) começou a arrumar a mochila e a jogar os papéis aparentemente inservíveis pela janela. Novamente, meu fígado falou mais alto que meu cérebro e cutuquei o ombro dele. “Por acaso você é palmeirense?”, arrisquei. “Imagina, sou corinthiano”, replicou. “Então porque você dá uma de porco? Me dá os papéis que eu guardo na minha bolsa e jogo fora no lixo da minha casa.” “Ô moça, desculpa…” e guardou num bolso da mochila. Ao descer, uns 15 minutos depois, virou e me disse. “Vou jogar na lixeira, viu?”. É claro que não sei o que ele fez, mas gosto de pensar que ele pode ter refletido e não faça mais isso. Logo em seguida, uma senhora comentou comigo: “você fez bem em falar assim com ele”. Moral da história: é cômodo quando outro se desgasta e corre risco de ouvir o que não quer. Por que a senhora não fez a mesma coisa ou me apoiou quando interpelei o rapaz? Deixa prá lá… Como já disse, hoje sou muito mais controlada, mas de vez em quando uma escapa. Mas é cada vez mais raro.
Outro exemplo de que às vezes funciona chamar a atenção educadamente. Mesmo que não com palavras. Estávamos meu marido e eu conversando com meu cunhado na porta da casa dele quando passa um carro por nós e joga pela janela um saco de lixo. Assim, sem mais nem menos, na rua. Paramos a conversa e eu olhei muito, mas muito feio para o sujeito. De novo, puro instinto. Nem pensei. Também não disse nada. Continuamos conversando quando vemos o mesmo carro vindo pela contramão. Xii, sujou, pensamos os três, mas ainda sem reação nem saber se devíamos sair correndo ou não. O sujeito encostou o carro, pegou o saco de lixo de volta e olhando para nós disse: “desculpem.” E foi embora. Claro que entrar na contramão para desfazer um ato errado não está certo, mas ele se retratou. Até hoje meu cunhado diz que meu olhar de reprovação tem efeitos fantásticos.
Enfim, não tenho vocação para pregadora, mas como disse, às vezes meu fígado faz as vezes de laringe. Cada vez menos, é verdade. Sei lá, talvez seja a idade. Mas acho importante mantermos a capacidade de nos indignar e de, apesar de tudo, continuar fazendo o que deve ser feito. Perder isso é começar a ser conivente com os malfeitos.
Mudando de assunto: Belíssima a segunda metade da corrida de F1 na Hungria domingo passado. Palco de melhor ultrapassagem que vi na vida (Piquet passando Senna por fora numa curva em 1986), a segunda metade foi de arrepiar. Adorei ver o próprio Piquet dirigindo um Rolls-Royce super estiloso ao lado de Bernie Ecclestone antes da largada. Lindas também as palavras de Vettel a Jules Bianchi depois de receber a bandeirada final. Enfim, muitas manobras ousadas (Ricciardo passando Rosberg e Hamilton) outras bem atrapalhadas (três punições na mesma corrida, Maldonado?) e nada definido até o último momento. Ou seja, pura Fórmula 1.
NG