Lembro-me dos idos da década de 1970, quando os engenheiros da Ford, eu inclusive, eram praticamente obrigados a dirigir e avaliar periodicamente os veículos da concorrência e da própria Ford para entender a interação entre os sistemas, fazer engenharia reversa e descobrir detalhes construtivos operacionais e de acabamento, que pudessem ser aplicados no desenvolvimento de novos projetos.
Numa época em que a maioria dos veículos fabricados no Brasil eram praticamente desenvolvidos localmente, era muito importante entender o mercado e os detalhes importantes de projeto, para eventualmente aplicá-los. A Ford mantinha uma frota grande de veículos para servir a engenharia, ao estilo do produto e também ao marketing.
Hoje em dia, com a globalização dos produtos, os engenheiros são praticamente “de aplicação”, responsáveis pela implementação dos veículos mundiais, sem projetar nada de novo, praticamente copiando o existente. Os engenheiros passam o dia na frente do computador, administrando datas, reuniões, definição e cumprimento das etapas dos programas como um receituário padrão, sem nenhuma criatividade ou novas idéias. O fato é que a “mão na massa” praticamente desapareceu e isso foi o que me fez antecipar a minha aposentadoria. Eu sempre lutei, no bom sentido, para que a parte prática do processo fosse cada vez mais forte e que os engenheiros tivessem orgulho da profissão, entendendo profundamente o projeto em termos de causa/efeito e valorizando o trabalho em equipe. Deixarem de serem autômatos, enfim.
A Ford, em 1978, tinha acabado de lançar o Corcel II, já pensando em projetar um veículo mais luxuoso, na realidade um sedã, que pudesse substituir o já antigo Maverick. Foram feitos vários estudos, inclusive um considerando uma nova plataforma e utilizando a mesma motorização 2,3-litros fabricada em Taubaté. O que ficou mais fácil, porém, foi adotar a mesma plataforma do Corcell II, incluindo o seu motor e transmissão e projetar uma nova carroceria que representasse em estilo o que de melhor existisse na Ford Europa. E assim foi feito, com a importação de dois Ford Granada, um Mark I 1976/77 e outro já atualizado Mark II 1977/78, ambos produzidos na Ford alemã em Colônia.
As duas versões fizeram parte de uma “clínica” do departamento de marketing para verificar o gosto do consumidor brasileiro e o ganhador foi a versão Mark II, o “quadradinho”, que foi escolhido, então, como base para o novo projeto. Na realidade, as duas versões foram consideradas para a escolha dos materiais e acabamento interno.
Recordo-me do orgulho de fazer um “overnight” — ir com o carro para casa depois do trabalho —com o luxuoso Ford Granada Saloon (sedâ, na Inglaterra) Mark II, 4 portas, com motor V-6 2,3 litros de comando no bloco (108 cv a 5.000 rpm), tração traseira, distância entre eixos de 2.769 mm, comprimento 4.650 mm, câmbio automático de 3 marchas e pneus 195/70HR14 com rodas de liga leve. Com 1.325 kg em ordem de marcha tinha a maciez de um Galaxie e um comportamento direcional digno de elogios, graças às suas suspensões independentes, dianteira de duplo triângulo, traseira McPherson com grandes braços semiarrastados de articulação em diagonal, além da precisa caixa de direção de pinhão e cremalheira.
O Granada tinha uma versão perua, a Estate, como são chamadas na Inglaterra, que não foi prontamente considerada por motivos de complexidade e custos adicionais
E assim foi, o inicio do desenvolvimento do novo Ford para o Brasil, apelidado de “Míni-Granada” pela sua incrível semelhança com o seu irmão mais velho.
Já na metade de seu desenvolvimento, a engenharia sabia o seu nome, escolhido previamente pelo departamento de marketing. Creio que foi a primeira vez que um nome de batismo foi escolhido nos meio de um programa: Ford Del Rey.
A ordem foi caprichar, utilizando os melhores materiais de acabamento existentes, tanto nos bancos de veludo navalhado quanto nas laterais das portas e forração do assoalho em carpete.
O pessoal da Oficina Experimental e a Ferramentaria da Ford se esmerou na fabricação de vários protótipos de duas e quatro portas para testes e avaliações. Lembro-me como foi detalhada e profundamente desenvolvida a iluminação do quadro e painel de instrumentos do Del Rey, com tonalidade amarela e azul em contraste.
O Ford Del Rey foi apresentado à imprensa em maio de 1981 na Ilha de Itaparica (BA), nas versões Prata e Ouro, duas e quatro portas. A grande expectativa para o evento compensou, pois o míni-Granada foi um sucesso imediato, com sua elegância e fino acabamento, nada comparável na época com exceção do Ford Galaxie.
Com o sucesso do Del Rey, a engenharia aproveitou o embalo e começou a trabalhar em uma versão perua, que acabou sendo lançada em 1983 com o nome Scala.
Em 1984, a Ford resolveu revisitar o antigo projeto de um sedã maior que o Del Rey e com motor mais potente. Foi o projeto CDL-40 que considerava uma nova plataforma totalmente desenvolvida no Brasil e com motor 2,3-litros produzido na cidade de Taubaté, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo.
Infelizmente este elegante projeto foi cancelado e morreu no Centro de Pesquisas (CPq) da Ford em São Bernardo do Campo
Como sempre, encerro a matéria com uma homenagem. Desta vez resolvi me homenagear, com saudade dos meus trinta e poucos anos e com muitas lembranças inesquecíveis.
CM
Créditos: arquivo pessoal do autor, imagens Google