Tem uma frase da qual sempre me lembro com um sorriso: “Se um dia eu vier a faltar…” Ela era dita por Roberto Marinho, fundador das Empresas Globo de Comunicação. O autor da frase não gostava de falar em morte e viveu quase 100 anos. O filho Roberto Irineu Marinho conta que uma vez ele teria recebido uma tartaruga mas prontamente a devolveu. “Não, pelo amor de Deus, eu vou me apegar ao bichinho. Depois ele morre e como é que vai ser?”.
Pessoalmente, não gosto de pensar que posso vir a faltar. Nem eu nem meus entes queridos. Não é negação, que não adianta negar, apenas não gosto de usar muito do meu tempo nisso. Mas certamente é um fato e as autoridades de diversos países pensam nisso — e principalmente no que acontece nos últimos tempos antes do fim. Tanto é assim que em diversos países não se pode dirigir após uma certa idade — normalmente, 70 anos é a data fatídica.
Nos Estados Unidos, 19 da meia centena de estados exigem testes de visão mais freqüentes nos motoristas após os 65 anos, mas varia em cada um. No entanto, nenhum impede a expedição da permissão ou mesmo sua renovação. No Brasil seguimos o mesmo princípio. Para mim parece lógico que na medida em que os anos passam as exigências aumentem no sentido de testar reflexos e visão. Eu mesma não enxergo (de perto, coisa de idade mesmo) tão bem no final da sexta-feira quanto na segunda, descansada pelo fim de semana. Claro que tem o recurso de aumentar o tamanho da letra na tela do computador ou do celular, mas como fazer com a maldita letrinha do iogurte, que nem na manhã de segunda-feira consigo ler? Meu oftalmologista disse que minha visão é ótima. Os fabricantes de iogurte é que usam uma fonte muito pequena…
Na Espanha, que tem cerca de 46 milhões de habitantes, 2,8 milhões de pessoas tem mais de 65 anos e carteira de motorista. E o debate também se instalou por lá. Os médicos dizem que proibir alguém de dirigir apenas por causa da idade causa sofrimento à pessoa e que os idosos compensam os reflexos mais lentos com mais cuidado. No Canadá, após os 80 anos a renovação deve ser feita a cada dois anos, mas pode-se dirigir a vida toda, assim como na Nova Zelândia.
Na Argentina chegou-se a discutir não permitir que pessoas com mais de 70 anos dirigissem, o que na época deixaria de fora cidadãos ilustres como o pentacampeão de Fórmula 1 Juan Manuel Fangio. Por sinal, foi somente depois de conquistar os cinco títulos mundiais que ele se preocupou em obter a carteira para conduzir carros de passeio. Até então, nem tinha feito o teste…
Tenho uma amiga que vive um drama com o pai. Ele se recusa a parar de dirigir embora todos os filhos já tenham dito que é perigoso. Para ele é uma questão de orgulho, mas o fato é que o carro está todo ralado. Quando são apenas arranhões, vá lá (desde que não seja nosso carro a vítima…) mas como fazer para impedir alguém de dirigir quando representa um perigo para si e para os outros? Sem dúvida, é complicado, mas acredito que cabe à família impedir que se corram riscos. Sempre prestei atenção na avó esclerosadinha do meu marido que dirigiu até uma boa idade. Quando começaram a aparecer os sinais de que não poderia continuar fazendo isso, os netos (já não tinha filhos) demos um jeito de fazer com que parasse. Começamos pedindo o carro emprestado, até que ele não foi mais devolvido. Sutil? Não muito, mas assim ela não ficou magoada e ainda achava que fazia um favor aos netos. E, claro, sempre nos dispúnhamos a buscá-la e levá-la para onde quisesse — muitas vezes com o carro dela, para que ela visse que ele ainda existia e estava, digamos, operacional. Porque não adianta tirar o carro e deixar a pessoa mofando em casa. Aí é maldade, não cuidado.
Sempre presto atenção quando algum parente meu de mais idade dirige. Quero ver se os reflexos estão bons e se não há risco para ninguém. O próximo que der sinais de que venceu o prazo de validade da carteira, receberá um pedido de empréstimo do carro.
Tem uma série de recomendações para idosos ao volante — além daquelas óbvias que servem para todos os motoristas, como não dirigir depois de beber, não forçar ultrapassagens etc, etc, etc. Compilei de várias fontes e aqui vão meus conselhos:
– dirija sempre de dia, evitando também o amanhecer e o anoitecer.
– se tiver que pegar estrada, escolha caminhos em bom estado de conservação. Evite as vicinais ou de faixa simples.
– não faça deslocamentos longos. Se forem absolutamente necessários, faça paradas para descansar.
– não ande sozinho no carro. Leve sempre alguém de carona, de preferência, que saiba dirigir.
– mantenha seu carro sempre em ordem, com as revisões feitas. Lembre-se de andar sempre com o tanque cheio de combustível e o estepe em ordem – mas não tente trocá-lo sozinho. Pedir ajuda não é pecado.
– tenha sua própria saúde em dia. Cheque especialmente com oftalmologista e otorrino sua visão e audição.
– confirme com seu médico se os remédios que toma não lhe impedem de dirigir. E siga a recomendação dele!
Mudando de assunto: semana retrasada aconteceu uma tragédia mais do que anunciada. Um idoso foi atropelado e morto por uma bicicleta sob o Minhocão, em São Paulo. Desde a inauguração no começo de agosto que pipocam alertas de que a via era perigosa. São 4,1 km de faixa que serpenteia em meio a 31 pilastras, 6 pontos de ônibus e centenas de pedestres que usam o canteiro central para completar a travessia de avenida, para andar ou mesmo para esperar o ônibus. Não foi por falta de aviso nem de dinheiro, pois foram gastos R$ 7,7 milhões na obra. O incidente (me recuso a chamar isso de acidente) aconteceu às 15 horas num dia de sol e visibilidade perfeitas. E o prefeito havia dito na inauguração que “ciclistas e pedestres se entendem”. E já havia criticado quem o criticou na inauguração, dizendo: “Não vamos dar bola para uma minoria que não tem democracia”. Ora, por definição na democracia a maioria vence numa votação, mas é garantido à minoria se manifestar o tempo todo. Se não, chama-se ditadura.
NG