Como já comentei algumas vezes neste espaço, meu avô era uma pessoa pragmática e autodidata. Mas além disso gostava de coisas modernas e estava à frente do seu tempo. Quando aparecia alguma coisa nova em termos de tecnologia, a casa dele era a primeira a ter, fosse geladeira, televisão, carro, qualquer coisa. Quando tinha oito anos de idade montou sozinho um aparelho de rádio – que funcionou durante muitíssimo tempo. Depois de um tempo, trocou o motor do carro porque achava que não era potente o suficiente. E consertava as motos da casa também, além de todas as outras coisas. E montou uma fábrica de cordas de violão nos fundos da casa que sustentou a família durante muitos anos. Nem minha mãe nem meus tios se lembram de ter visto algum técnico de qualquer coisa que seja entrar naquela casa para consertar algo. Era sempre ele.
Quando viajava pelo interior da Argentina, apenas com a minha avó ou com o resto da família, ele carregava uma chave de fenda, um martelo, uma corda, um arame, um alicate e uma correia de ventilador. Quando parou de fumar, acrescentou à bizarra lista um pedaço de papel alumínio para fazer algum contato elétrico – antes, se virava com o papel espelhado do maço de cigarros. Dizia que com isso conseguia consertar o carro ou a moto. E, de fato, quase todas as vezes que precisou foi verdade. A única vez que não conseguiu usou a corda e o arame para rebocar a moto ate um posto de gasolina e esperar o socorro mecânico. Mas ninguém lembra qual foi o problema da moto, apenas que deu uma canseira danada no mecânico, o que me faz crer que foi por isso que meu avô não conseguiu resolver. Realmente devia ser algo bem complicado.
Tinha um quê de McGyver, meu avô, apesar de nunca ter feito faculdade. Um dos meus tios, o caçula Horacio, herdou parte dessa habilidade e montou e remontou alguns Citroën 3 CV algumas vezes com bastante sucesso e consertou outros carros que teve, embora não fosse engenheiro nem mecânico – químico, aliás, como boa parte da família. Muitas coisas ele aprendeu com meu avô, pois juntos fuçavam motores e qualquer outra coisa e consertavam tudo, hábito que ele mantém até hoje, para felicidade da minha tia que jamais chama um técnico de qualquer coisa em casa. Mas provavelmente o fato de ter feito escola técnica tenha ajudado. Cursou os intermináveis e excelentes seis anos (o normal são cinco) e em período integral do segundo grau da Escola Técnica Otto Krause na Argentina — como meu pai e meu outro tio, irmão dele, aliás. Conheço muito argentino que veio ao Brasil apenas com esse diploma e conseguiu ganhar o mesmo que muito engenheiro aqui. Os cursos de formação que mantêm (Construção, Química, Elétrica, Mecânica e mais recentemente, Computação e Eletrônica com orientação em Telecomunicações) são de tal excelência que, exceto se a legislação mudou, um formado em Construção lá podia construir e, obviamente, assinar como responsável, um prédio de até quatro andares – acima disso, só engenheiro civil formado na faculdade. Nada mau, não? Ah, e é pública e gratuita, mas de tão disputada tem um seletivo vestibular.
Mas vamos voltar ao estilo McGyver do meu avô. Meu pai, apesar de gostar e admirar muitíssimo meu avô, não chegava a tanto, mas aprendeu alguns truques com ele. Que pouco usou, diga-se de passagem. Consertos só o muito básico. Parte por falta de habilidade mesmo e parte porque preferia levar o carro à oficina de um mecânico de confiança. Era mais da teoria do que da prática. Podia discorrer durante horas sobre como funcionava um motor ciclo Otto com todos os detalhes, mas daí a consertar um… Tipo Sheldon Cooper, de Big Bang Theory, se me entendem. Por falar em mecânicos, tinha um que eu achava que fazia parte da família. Lembro bem dos truques que ele ensinou aos meus pais para casos de emergência, que eles repassavam para meu avô e analisavam como químicos para descobrir se e por quê funcionariam pelo folclore.
Um dos que mais me chamou a atenção até hoje era a de consertar furos no tanque de combustível com goiabada. Na realidade, na Argentina se usava doce de marmelo, mas na minha adaptação livre acredito que goiabada também sirva pois como boa cozinheira que sou garanto que são extremamente parecidos em tudo, até no ponto de fusão. E pela dificuldade em se encontrar marmelada por estas terras talvez seja mais fácil encontrar um tanque de combustível novo… Como fazer? Só jogar um pedaço do doce no tanque que ele “solda” o furo e, claro, assim que possível, fazer o reparo com um profissional. Essa dica, assim como as outras, eram para emergências apenas. Longe de mim incentivar reparos meia-boca em veículos.
Para pequenos furos no radiador que significassem perda do líquido de arrefecimento, ele indicava o equivalente à brasileira pimenta vermelha calabresa. O fato de na Argentina ser menos picante acho que não deve afetar o radiador, então, vamos em frente com o momento gastronômico-autoentusiasta. E realmente funciona, assim como o do doce de marmelo. Pelo menos no curto prazo. E não me perguntem como é o perrengue para o mecânico depois tirar todas estas gororobas e arrumar decentemente o tanque de combustível nem o radiador pois, como disse, é para emergências, OK? Mas imagino que eles não devem achar isso muito bacana, não. Mas o nosso mecânico era muito bem humorado e era ele mesmo quem dava as dicas. Vai que o de vocês, caros leitores, também é…
Lembro de ter ouvido que pode-se quebrar um ovo dentro do radiador quando ele estiver morno (jogar sem a casca!) que também resolve, mas essa dica não foi testada na minha família. E o envelopinho de pimenta vermelha calabresa era fácil de levar no porta-luvas e a gente usava depois no molhinho “chimichurri” do churrasco… Já carregar um ovo dentro de um carro pela estrada e querer que ele chegue inteiro é querer demais.
Sempre ouvi falar que em caso de ficar sem líquido de freios urina poderia quebrar o galho, mas felizmente nunca precisei confirmar se funciona nem conheço ninguém que tenha feito o teste.
Evidentemente ninguém deve andar sem estepe, mas na hipótese de já ter furado o próprio e ainda não ter conseguido fazer o conserto, como proceder? Tente colocar um parafuso, fechar o buraco com chiclete ou aqueles reparos que as seguradoras às vezes davam de brinde, deixar secar e encher de ar (eu sempre carrego um pequeno compressor no porta-malas). O outro recurso é muito arriscado, mas por pouco tempo também funciona: desmontar o pneu e recheá-lo com grama e outras ervas macias (cuidado para não fazer novos furos), socando bem para que fique bem cheio e continuar rodando. Claro que o problema é ele pegar fogo pelo atrito e pelo material seco que estará dentro, mas eu disse que era um último recurso, não disse que fosse bom…
Mudando de assunto: A respeito da última corrida da Stock Car em Interlagos, como dizia Juan Manuel Fangio, “carreras son carreras”. Quem diria que o Marcos Gomes, com o campeonato quase ganho, ia passar tanto sufoco? Apesar de tudo, é das poucas categorias do automobilismo brasileiro que ainda se mantém competitiva.
NG