Não é à toa que desde novinhas as crianças começam a ir para a escola. A cabecinha delas é uma esponja ávida em absorver conhecimentos. É sabido que essa facilidade para o aprendizado vai perdendo eficácia com o passar dos anos; os jovens têm maior capacidade de aprendizado que os velhos. Aprender outras línguas é um exemplo. Aprendidas desde cedo são mais fácil e profundamente assimiladas.
E é por essas e outras que, para que nossas crianças futuramente sejam bons motoristas, preconizo que desde cedo as ensinemos a guiar, isso, claro, se conseguirmos criar condições de fazê-lo com segurança. Por sinal, a noção da segurança e da responsabilidade de quem dirige devem ser os primeiros ensinamentos.
Também sou plenamente a favor — e digo isso não só baseado na teoria, mas também na prática —, de que, se a nossa criança, ou o nosso jovem, tem atração por aventuras, como, por exemplo, gostar de velocidade, de escalar montanhas, de surfar, ou de seja lá qual outra atividade for que envolve risco, que tratemos de fazer essas pequenas loucuras junto com elas. Isso porque se nós não o fizermos ele procurará outros que o façam, e esses outros com certeza não serão mais protetores nem melhores professores do que nós no que concerne à sua segurança. Se não soubermos nada sobre a atividade com a qual ele cismou, que tratemos de aprender juntos ou pelo menos os acompanhemos no possível.
E, na verdade, se formos pensar bem, a atividade que mais nos expõe a riscos é o simples rodar de carro por aí, seja dirigindo ou de carona. Não que rodar por aí seja uma atividade mais arriscada que as outras. É que além dela ser a mais corriqueira, ela nos expõe a atitudes que não dependem de nós, mas de outros, e dentre esses outros há muitos malucos e/ou incompetentes. Experimente o caro leitor autoentusiasta rememorar os inúmeros incômodos pelos quais passou ao ir de carona com um ou outro conhecido. Eu, pelo menos, calculo que sofri com pelo menos um terço dos motoristas com os quais fui ao lado. Você está vendo o perigo e o sujeito não, ou vê e não reage, ou reage errado. Ou corre demais onde não deve, ou corre de menos onde deveria, ou é desatento, ou fica nervoso à toa, e por aí vai. Vixe! Que aflição!
E olhe que estou falando de gente meio como a gente; gente considerada razoável, então imagine como deve ser torturante ir de carona com alguém que faça parte da parcela maluca da população, esses caras em cujos carros você não entra nem debaixo de porrete porque já dá para prever que será uma gelada. Horrível, não é?
Pois então. Todos esses maus motoristas citados e com os quais você tem ou teria arrepios de andar de carona estão rodando por aí, indo ao lado do seu carro ou vindo ao seu encontro. Temos, portanto, que guiar por nós e por eles; temos que estar preparados para escapar de inimagináveis asneiras dos outros, se quisermos dar o máximo de segurança a quem está sob nossa responsabilidade.
Para que os nossos jovens alunos aprendam a dirigir direito, portanto, além de ensiná-los a ter pleno domínio da máquina, temos que ensiná-los a ter o controle de seus ímpetos — para que só extravasem, corram e se divirtam, onde é seguro —, e temos que também conscientizá-los para que sejam muito cuidadosos com as possíveis burrices dos outros. Há limites para a inteligência, mas não para a burrice. Dirigir com segurança, portanto, é prever e se precaver.
Não sei pilotar avião e muito menos helicóptero, portanto, não vou me meter a pilotá-los. Caso resolva fazê-lo, farei os devidos cursos. Ao final, não me bastará o instrutor dizer que estou habilitado para que eu saia voando por aí. Terei que me sentir seguro, com pleno domínio da máquina e pronto a encarar não só um céu de brigadeiro, mas também pronto a imediatamente saber o que fazer em caso de mau tempo ou imprevistos. Certo? Certo! Mas não é assim que pensam a respeito dos motoristas de automóvel. Qualquer desabilitado tira sua CNH. E basta ter sua posse que ele já se acha um craque, apesar de não fazer a mínima idéia do que está acontecendo. Basta observar que basta uma chuvinha de nada, à noite, para que muitos se arrastem pela pista, sinal que não enxergam, ou, se enxergam, estão perto do pânico por não saberem o que fazer.
O Corcel GT de minha mãe “dava” 145 km/h. O Opala 3800 do meu pai, com câmbio universal de 3 marchas na coluna de direção, dava quase 170 km/h. O Dart dele, também com 3 marchas na coluna, dava quase 180 km/h. Meu Jaguar XK 120 dava pouco mais de 200 km/h. A fazenda é cortada por uma estrada de asfalto que era novinha na década de 1970, com bom piso, praticamente deserta e com uma longa reta de mais de 6 quilômetros. Tão ideal era que muitos fabricantes a usavam para testar seus veículos. E era nela que eu — adolescente, com meus 14, 15 e 16 anos — também “testava” os carros da família, sendo que o teste mais legal era medir, pelo velocímetro, “o quanto o carro dava”. Inventava uma desculpa de que precisava ver uma vaca doente, ou sei lá qual outro esfarrapo de desculpa, e pegava o carro e ia para a estrada.
Como meus pais não eram ligados a carros e muito menos atraídos pela velocidade, nem lhes passava pela cabeça que este seu filhinho bem comportado fosse fazer o que fazia. Todo carro que me sobrasse nas mãos, uma hora ou outra, tinha que chegar ao máximo. Ao menos eu só fazia isso quando estava sozinho; essa era a minha regra. Além do mais, na hora do racha, sozinho é mais gostoso. Nunca consegui baixar a lenha de verdade tendo alguém ao lado.
Eu estava preparado para isso? Não. Não estava mesmo, tanto que hoje, com a minha experiência, não o faria. Não o faria porque fora o pobre Corcel, que tinha 4ª e última marcha curta, todos esses outros citados flutuavam uma barbaridade quando chegavam perto de suas velocidades máximas. Pneus diagonais, aerodinâmica descompromissada com a dirigibilidade, suspensão quase que só compromissada com o conforto, esses fatores lhes comprometiam a segurança em alta. O meu XK 120, um bom esportivo fabricado em 1952, estava com pneus radiais Cinturato, da Pirelli, e ia bem até uns 180 km/h, mas daí em diante a situação ficava delicada, instável. Mas eu achava que se o carro dava eu tinha que ir.
Corri perigo, sim, e meus pais nem imaginavam. Daí que quando minhas filhas passaram a dirigir direitinho, já adolescentes, nessa mesma idade em que eu fazia essas besteiras passei a ir com cada uma para a mesma estrada e ali, sob condições de estrada absolutamente vazia etc, as mandava acelerar o quanto quisessem. Logo vi que nenhuma delas tinha aqueles ímpetos que me incitavam, aquela paixão meio maluca pela velocidade. Elas ficavam com medo e não tinham a gana de querer vencê-lo. Simplesmente não estavam a fim. Por mim, tudo bem. Vi que não iriam fazer às escondidas as maluquices que fiz.
Se eu visse que elas tinham a mesma gana, o jeito seria tratar de ensiná-las a como e onde correr, porque seria certeza que o fariam com ou sem mim. Então, se é para correr, que corram conosco ao lado para aprenderem a fazê-lo como se deve.
Quando elas tiraram a CNH, passei para o banco do carona. Por questão de segurança, enquanto elas ainda não estavam dirigindo perfeitamente bem, eu continuava a dirigir quando toda a família estava a bordo, mas se estivéssemos em dois, uma delas e eu, eram elas que dirigiam, seja na cidade ou estrada. Sem essa de “passa o volante pra cá porque você não sabe guiar!”. Não adianta só mostrar como se faz. É preciso lhes dar a direção e ensiná-los a fazer, a pensar, a se concentrar, a sentir o carro, a prever o comportamento do carro e se antecipar, além de, como já disse, esperar as mais idiotas atitudes dos outros e se posicionar de modo a, caso elas venham a acontecer, escapar delas.
A hora de ensinar é essa: desde cedo e sempre, sempre estar ensinando. Não deixe para depois, se quiser que os seus sejam bons motoristas. Se quiser ter tranqüilidade no futuro, trate de ensiná-los direito e na idade certa, que seguramente não é essa dos 18 anos; é bem antes disso.
Ensine-os a pensar. Por exemplo, numa pista simples, uma besta que está à sua frente parte para uma ultrapassagem imprudente. Nesse caso, o negócio é tratar de diminuir a velocidade para se distanciar de uma possível, ou melhor, provável, confusão, para ter tempo dela escapar. Parece óbvio isso, mas se observarmos não é isso o que mais se vê fazendo. Muitos se “aproveitam” disso e aceleram para colar no veículo que está sendo ultrapassado pelo outro tonto. Mostre isso. Explique por que você freou e se distanciou.
Outra coisa, hoje, com todos os carros mais novos tendo bolsas infláveis, ainda se vê gente no banco do carona apoiando os pés sobre o painel. E na maioria são crianças. Crianças adoram isso, tiram os tênis fedorentos e metem os pés no painel. Será que não passa pela cabeça dos pais que basta uma batidinha para que a bolsa infle numa explosão e com isso a criança se quebre fechando feito uma concha?
Gente que gruda GPS no meio do pára-brisa. Atrapalha a visão. Gente que pendura tudo quanto é besteira no retrovisor interno. Atrapalha a visão. Gente que tapa todos os vidros com lâminas de plástico absurdamente escuro. Atrapalha a visão. Haja burrice!
Precisamos, desde cedo, ensinar nossos jovens a entender que a segurança de todos no veículo depende primordialmente do motorista e não dos cuidados do fabricante. Controle de tração, controle de estabilidade, controle de frenagem, bolsa inflável, cinto de segurança, estrutura, tudo isso é secundário, porque acidente é que nem briga: a gente sabe como começa, mas nunca sabe como vai terminar. O negócio é saber evitá-los, e na grande maioria das vezes dá, sim, para evitá-los. É só levar a sério a função de dirigir.
E não se esqueça de ensiná-los a dizer firme: “Pare aí que vou descer! Me passe o volante ou eu desço!”
AK