A thing that was made by hand can be rebuilt by hand. — LJK Setright
Criar listas de dez melhores é um exercício em gerenciamento de perda. Escolher é perder algo, e por isso é que muita gente tem dificuldade em fazê-lo. Mas é algo que todo mundo tem que aprender para se tornar oficialmente adulto.
Mas sendo eu mesmo um adulto relutante, ou talvez já mais perto da senilidade que da mera maioridade, me recusei a ficar em somente 10 neste caso aqui. Ao fazer a lista passada, tanta coisa legal ficou de fora que resolvi quebrar todo sentido das listas de 10 melhores, e fazer mais uma. Que o santo padroeiro das escolhas difíceis que me perdoe…
Então, sem mais delongas, e sem nenhuma ordem particular, mais alguns incríveis carros antigos que podem ser comprados zero-km. Os três primeiros são carros antigos restaurados completamente e melhorados com mecânica moderna ou melhorada. Os dois seguintes, jipes que nunca pararam de ser fabricados e foram apenas melhorados com o tempo. O número 6 é uma réplica perfeita do original. E os quatro últimos, recriações de carros de competição lendários. Todos eles criações de pura paixão, construídas à mão com todo cuidado, e abençoadas por Nossa Senhora da Combustão Interna. São eles:
PS Autoart M471 Lightweight
Diferente da Singer, que parte de carros dos anos 1990 e transforma seu estilo e caráter para trazê-los mais próximos dos 911 S do início dos anos 1970, o inglês Paul Stephens vai direto da fonte: parte deste carro, mas os reconstrói cuidadosamente um a um, fazendo que ele se torne um carro confiável e com características de conforto, comodidade e desempenho de um carro moderno.
É essencialmente um Porsche 911 antigo, zero-km, inclusive com garantia de três anos ou 96 mil quilômetros, e intervalos de manutenção de 20 mil quilômetros. A empresa se orgulha de atender os desejos individuais de cada cliente, mas mantendo o princípio de fazer apenas melhorias de bom gosto e sofisticação.
A especificação varia de carro para carro, portanto com várias configurações e motores possíveis, mantendo-se o exterior clássico dos cupês 911 dos anos 1970, que originalmente usavam motores de 2,2 e 2,4 litros. Só falando em motores, as opções agora partem de 3,2 litros e 220 cv, e chegam até um monstro de 3,8 litros e 330 cv.
Mas a versão que escolhi aqui para esta lista é um velho desejo particular meu: uma cópia do famoso Carrera RS chamada de M471 Lightweight. O Carrera original, do qual apenas pouco menos de 1.500 carros foram feitos entre 1973 e 1974, é hoje um clássico cobiçado, com um preço condizente. A cópia de Stephens pode não ser o sólido investimento que um carro “de verdade” é, mas é muito melhor para quem apenas quer dirigir.
Uma cópia idêntica em comportamento do original, ainda assim o M471 o melhora de várias formas: o interior pode ser modificado ou ser uma cópia exata do original, inclusive sendo possível bancos traseiros, sumariamente deletados pela Porsche no seu RS. A suspensão, freios e pneus, apesar de manterem o nervoso comportamento do carro dos anos 1970, são melhorados e propiciam limites muito superiores. E não vamos esquecer que no carro de Stephens tudo é novo, a carroceria é galvanizada, e tem garantia de três anos.
O motor do carro original era um bravo 2,7-litros de 210 cv, um motor de corrida levado às ruas apenas para ser homologado pela FIA. Se você quer reproduzir esta personalidade nervosa, espocante e embaralhada de um carro de corrida no seu M471, Stephens o equipará com um motor de 3 litros cuidadosamente preparado para reproduzir a resposta ao acelerador e a subida de giros frenética do carro original. Mas com muito mais força: agora são 253 cv e uma curva de torque bem mais gorda desde lá debaixo. Se você quiser algo mais civilizado, a opção é um mais tranqüilo, porém ainda mais potente 3,4-litros com injeção eletrônica e 260 cv. Ambos, obviamente, tornam a cópia mais rápida e veloz que o original. E o mais legal: com um carro desses, pode-se andar sem medo de destruir uma raridade insubstituível.
Para saber mais: http://www.paul-stephens.com/
Mechatronik M-SL
O Mercedes-Benz 230/250/280 SL “Pagoda” (W113), corrente de 1963 a 1971, é um dos mais belos carros já criados. Sempre foi também um carro sólido e bem construído, como todo Mercedes. Hoje, mais de 50 anos depois de seu lançamento, é um clássico desejado, cultuado e caro.
Mas a empresa alemã Mechatronik, de Frank Rickert, o faz ainda melhor. Uma empresa de restauração de primeira linha, passou em 1998 a instalar o moderno V-6 Mercedes de 3,2 litros em SLs restaurados e não parou mais.
Hoje, o M-SL é equipado com o V-8 Mercedes SOHC de 4,3 litros e 279 cv. Num mundo onde 600 cv parecem usuais isto não parece muito, mas é o suficiente para fazer o SL ir de 0 a 100 km/h em 6 segundos cravados e chegar a uma máxima, limitada eletronicamente, de 250 km/h. E o motor não é tudo, claro: o carro, que como todo alemão modificado tem que conseguir a rigorosa certificação da TÜV, é meticulosamente restaurado e sutilmente melhorado, para que a experiência ao volante seja similar ao original, mas mais confiável e moderna.
Os freios são a disco modernos, com ABS. A suspensão é recalibrada com molas Eibach e amortecedores KW. Uma moderna caixa automática de cinco marchas é instalada. Os pneus, apesar de ainda serem montadas nas rodas de alumínio Mercedes de 15 polegadas, são modernos e de perfil 65. No interior, ar-condicionado, bancos similares aos originais mas aquecidos, um rádio Becker que parece dos anos 1960 mas é um sistema multimídia avançado. Um discreto e veloz carro moderno disfarçado em um belíssimo roadster dos anos 1960.
Robert Coucher, da revista inglesa Octane, disse deles em julho de 2013: “Algum tempo é necessário para calibrar seu cérebro a este tipo de velocidade de carro esporte moderno sendo produzida por algo que, para todos os efeitos visuais e táteis, é um clássico com 50 anos de idade. Mas a dinâmica do carro é mais que capaz, e logo você está explorando seu envelope pessoal de coragem.”
Para saber mais: http://www.mechatronik.de/
Aston Martin Works DB6 Mk2 Vantage
Hoje os Aston Martin são construídos como qualquer outro carro, por máquinas e moldes, e montado numa linha motorizada. Até o fim dos anos 1990, porém, eram totalmente criados à mão, batendo-se chapas de alumínio a mão e em “English wheels” até que a forma do Aston Martin aparecesse. Um engenheiro era encarregado de receber os fundidos e forjados brutos de cada motor e então os usinava, ajustava-os e montava cuidadosamente o motor inteiro durante toda a semana. Era um processo tão intenso que, no final, colocava uma plaqueta com seu nome no cabeçote para identificar quem deveria ser culpado caso o motor voltasse em garantia. Este processo longo e cuidadoso morreu com o fim do V-8 “Tadek Marek” em 2000, mas a plaqueta se espalhou para todo lado, sendo hoje comum até em versões especiais de Mustangs e Camaros — claro, nem sombra do significado original.
Mas a fábrica em Newport Pagnell, onde a Aston fazia seus carros à mão, não desapareceu. Hoje, é o departamento de restauração e pedidos especiais, chamado de “Works”. Além de restaurar completamente qualquer Aston Martin, este departamento faz melhorias também: câmbios modernos manuais ou automáticos, ar-condicionado, injeção eletrônica…
Este DB6 à venda no site é um exemplo do que é possível: um carro impecavelmente restaurado, com várias melhorias em todos os sistemas para uma confiabilidade e conforto inéditos em carros deste tipo, e criado para ser usado diariamente. Ar-condicionado, câmbio automático moderno, freios a disco nas quatro rodas e pneus com índice de velocidade para mais de 300 km/h, complementam o seis em linha de 4,2 litros, dupla ignição, 3 Webers duplos e 325 cv.
O câmbio automático me parece fora do lugar aqui, mas é claro que cada carro é criado sob encomenda, e praticamente tudo pode ser alterado. O equivalente automobilístico de um terno sob medida de Saville Row.
Para saber mais: http://www.astonmartinworks.com/
Land Rover Defender
Sim, se você mora na Inglaterra, ainda pode comprar um Defender zero-km. Por pouco tempo, sua produção foi encerrada, então é melhor correr se você realmente gosta disso.
O Defender é descendente direto do utilitário criado pela Land Rover em 1948 para ser um veículo agrícola que poderia ser dirigido até à cidade nos fins de semana.
Desenvolvido lentamente durante quase 70 anos, é um maravilhoso sobrevivente de uma era que não volta mais. Um carro focado, duro, agrícola quase, mas que é quase imbatível em sua função.
Durante seu tempo de vida, a Rover morreu e fez este modelo virar uma marca, Land Rover. Durante décadas só existia este Land Rover. Foi carruagem de reis e rainhas: a família real britânica tem vários no famoso castelo de Balmoral, um deles um surrado preferido de Elisabeth II. Foi arma de guerra de vários exércitos por anos. Foi o transporte de incontáveis exploradores e aventureiros mundo afora. Espartano, simples, durável, extremamente hábil no fora de estrada, confiável, o Defender é um clássico imortal, insubstituível, que deixará saudades. Besta de carga, companheiro de aventuras, salvador de vidas. Um veículo de emoções enormes, e uma longa e linda vida.
Sim, é um trator, e parece que foi construído por crianças que receberam rebitadeiras e folhas de alumínio. Mas talvez por isso mesmo, por ser tudo que ninguém mais quer ser, por ser fiel a sua missão e seu objetivo, seja tão legal. Uma pena que o seu moderno substituto, a ser lançado em breve, seja muito melhor, mas por isso mesmo, irrelevante.
Mercedes-Benz Geländewagen
Eu escrevi certa vez um enorme artigo sobre este carro, que pode ser acessado aqui, e portanto não vou me alongar. Como o Land Rover, um veículo militar-agrícola que superou e muito seu tempo normal de vida. Os dois, Defender e G-Wagen, inclusive lutaram em lados opostos na guerra das Malvinas em 1981: os ingleses de Land Rover e os argentinos, de Mercedes.
Mas diferente do Defender, o G-wagen evoluiu de forma diferente, e é hoje um estranhíssimo veículo de luxo e alto desempenho, possível de ser equipado até com V-12 biturbo de 6 litros, 612 cv, e um fenomenal torque de 1.000 N·m (102 m·kgf). Uma loucura completa, mas que fez este anacronismo dos anos 1970 ainda ser muito popular, e sem ter fim à vista…
Intermeccanica Kübelwagen
Último projeto do maior maluco-beleza da história do automóvel, o incrível Frank Reisner. A história de Reisner é interessante demais, já contei um pouco dela aqui no AE quando falei dos cupês da Opel dos anos 1970. Aqui basta dizer que esta Intermeccanica é a segunda, fundada por um falido Reisner na Califórnia, e depois transferida para o Canadá, onde está até hoje tocada pela sua família. A empresa, que na Itália criou vários carros próprios com motores V-8 americanos e desenho de Franco Scaglione, nos EUA se especializou em réplicas de Porsche 356 Speedster.
O Kübelwagen criado por Reisner é para lá de interessante: replica exatamente os jipes VW da Segunda Guerra Mundial. Uma idéia extremamente original, e um carro muito interessante e, nesta companhia, nem tão caro.
Para saber mais: http://www.intermeccanica.com/
Shelby Daytona Coupe
Para comemorar os 50 anos da vitória no Campeonato Mundial de Carros Esporte da FIA de 1965, quando os cupês Cobra aerodinâmicos do designer Pete Brock finalmente venceram o Ferrari GTO, a Shelby resolveu fazer novamente estes cupês para vender ao público.
Réplicas exatas dos carros de corrida de 1965, podem ser vendidas com carroceria de alumínio (como o original) ou em compósito de fibra de vidro por mais ou menos a metade do preço. O carro é feito sob encomenda e, portanto, pode ser idêntico ao original, com o V-8 Ford 289 e câmbio BorgWarner de quatro marchas, ou usar um motor Roush baseado no 289, mas com 347 polegadas cúbicas de cilindrada (5,7 litros) e mais de 350 cv, e câmbios modernos de cinco ou seis marchas.
Vendido para pista apenas nos EUA, em certos países como a Inglaterra pode ser usado nas ruas se vendido como kit.
Para saber mais: http://www.shelby.com/
Crosthwaite & Gardiner Auto Union C/D-Type
O restaurador de Bugattis Dick Crosthwaite se juntou ao ferramenteiro John Gardiner nos anos 1960 para produzir peças não disponíveis então para carros antigos, especialmente Bugattis. Durante os 50 anos seguintes, a C&G se tornou o maior dos restauradores inglesas, capazes de criar e recriar coisas incrivelmente complexas a partir de quase nada. Por um preço, claro.
No fim dos anos 1980, se envolveu na restauração de dois monopostos Auto Union D-Type, o famoso carro de Grand Prix alemão do pré-guerra, com motor V-12 traseiro-central. Os carros a serem restaurados na verdade eram pouco mais que chassis e motor em péssimo estado, sendo muito do trabalho feito a partir do zero. O resultado, dois D-Types zero-km, chamou a atenção da Audi, herdeira da história desta marca alemã. A Audi contratou então a empresa inglesa para fazer mais um D-Type para expor em seu museu.
A C&G acabou fazendo mais seis carros para a Audi, cobrindo toda variação dos famosos Flecha de Prata de motor central, inclusive os carros de recorde com carroceria aerodinâmica. Carros inteiros, exatas réplicas de monstros sagrados do esporte motor que pensávamos há muito perdidos.
O preço nunca foi divulgado, mas com certeza é uma fábula. Mesmo assim, só de pensar em um Auto Union C-Type V-16 zero-km deixa qualquer um com alguma sensibilidade automobilística de queixo caído.
Para saber mais: http://www.crosthwaiteandgardiner.com/
Lister Jaguar/Corvette “Knobbly”
Nos anos 1950, Brian Lister criou um carro esporte de competição leve, baixo e aerodinâmico, usando suspensões de Jaguar e motores Jaguar ou Chevrolet V-8. O carro teve um sucesso tremendo em competições naquela década, tanto na Inglaterra como nos EUA, conhecido como Lister-Jaguar ou Lister-Corvette conforme o motor usado, e recebendo o apelido carinhoso de “Knobbly”.
A Lister continuou de uma forma ou outra até hoje, principalmente fazendo modificações em Jaguar, tanto para a rua quanto para competições. Hoje, capitalizando na fama, e no preço alcançado em leilões de seus carros originais de corrida, resolveu voltar a fabricar o Knobbly.
Exatamente igual ao carro de 1958, o novo carro usa até motores iguais, o Jaguar 3,8-litros seis-em-linha de competição, ou o Chevrolet V-8 bloco-pequeno de 283 polegadas cúbicas (4,8 litros).
Para saber mais: http://www.listercars.com/
Scarbo SVF1
Este aqui era desconhecido por mim, e apareceu como uma dica do leitor Vspec1980 no post anterior: uma réplica do Ferrari 312 de Fórmula 1 de 1967!
Tudo bem, o Scarbo usa o moderno V-8 Chevrolet bloco-pequeno no lugar do magnífico V-12 SOHC de competição do Ferrari, e todo mundo sabe que um Ferrari sem seu motor Ferrari não pode se chamar Ferrari. Mas se preocupar com isso é perder o ponto do exercício: o de trazer as experiências da F-1 de 1967 para os dias de hoje. Visto por este prisma, o moderno V-8 de alumínio Chevrolet é um substituto à altura; facilmente dará mais potência e pesará menos que o Ferrari original. Eu gostei muito da idéia…
Para saber mais: http://scarboperformance.com/
MAO