“LTD SIM! IMPORTADOS NÃO”
Foi com esta frase, emoldurada por um dos personagens do cartunista Ziraldo, que a Ford iniciou a propaganda do Ford LTD no Brasil, em 1969. Na realidade o LTD era a versão mais luxuosa do Galaxie 500, em produção no mercado brasileiro desde 1967 (ler ou reler a matéria O Galaxão).
O LTD foi apresentado ao público no VI Salão do Automóvel de São Paulo, em 1969, o último realizado na Bienal do Parque do Ibirapuera. No enorme estande da Ford, estava ao lado das picapes, utilitários, caminhões, Itamaraty e da ainda novidade Corcel, lançado havia um ano.
O LTD, abreviação do vocábulo Limited, em inglês (como que querendo dizer que era uma edição limitada, sem o ser), foi concebido para constituir uma opção vantajosa para o mercado brasileiro de carros grandes importados da época. Para os que compravam Chevrolet Impala, Oldsmobile Cutlass, Mercedes-Benz, entre outros, a Ford criava uma opção mais acessível, porém com toda a classe e conforto exigidos por esses consumidores de alto poder aquisitivo.
O LTD era apresentado pela Ford como veículo de padrão internacional, com a vantagem de ter assistência técnica e peças em todo o país. Desta maneira, o consumidor ficava livre das altas taxas de importação e da burocracia envolvida para a compra de veículos importados, ao mesmo tempo em que sabia que poderia contar com os serviços da ampla rede de concessionárias Ford espalhadas por todo o país.
Apesar de custar bem menos que seus concorrentes importados, o LTD ainda assim era bem caro. Para se ter uma ideia, o LTD custava o equivalente a quatro Fuscas, o carro mais acessível do mercado brasileiro então (a família Dauphine, que compreendia o Gordini e 1093 já havia saído totalmente de produção em 1968).
O LTD tinha a mesma carroceria do Galaxie 500. Para lembrar, este foi o primeiro automóvel da Ford brasileira, lançado em novembro de 1966 no Salão de Automóvel, e primeiro sedã de grande porte fabricado no Brasil. O LTD trazia uma série de detalhes mecânicos e de acabamento que o distinguiam do Galaxie. Por exemplo, teto revestido em vinil preto, nova grade dianteira, bem como emblemas exclusivos nas colunas traseiras, grade, paralamas, tampa do porta-malas e calotas. O interior era sofisticado com bancos revestidos em cetim, carpetes em buclê de seda, banco traseiro com descansa-braço central escamoteável, revestimentos das portas e painel de instrumentos com detalhes em madeira jacarandá, isolamento acústico mais eficaz, luzes de cortesia nas portas dianteiras e ar-condicionado, só que este com a unidade evaporador- saídas de ar “pendurada” sob painel, no centro. Este era opcional, porém “obrigatório”, todos os carros saíam de fábrica com o equipamento — não era possível comprar um sem —, que era cobrado à parte como qualquer opcional.
O Galaxie tinha a particularidade de não ser estrutura monobloco, mas construção separada, carroceria aparafusada ao chassi, este de formato perimetral, pois abrangia todo o retângulo da carroceria. Sua suspensão, responsável pelo conforto de marcha que o tornou referência na produção nacional até os dias de hoje, era por triângulos superpostos na dianteira e eixo rígido na traseira, ambas com molas helicoidais de constante baixa.
Era um carro de 5.380 mm de comprimento com entreeixos de 3.020 mm, sua largura era de 2.000 mm e sua altura, 1.450 mm. Nos dois bancos inteiriços seis pessoas se acomodavam com folga.
O câmbio era automático, Cruise-o-matic de três marchas importado da Ford americana, e foi um grande diferenciador do LTD, o primeiro veículo nacional a oferecer esta opção. Com a alavanca seletora na coluna de direção, funcionava muito bem, o que refletiu em sua grande aceitação no mercado. As posições das marchas eram o tradicional padrão P-R-N-D-2-1, bem ao gosto do consumidor — “D” para 1ª, 2ª e 3ª, “2” para 1 ª e 2ª e “1”, só 1ª.
O motor V-8 de 292 pol³ (4,8 L) e 190 hp/192 cv (potência bruta), mesmo mais potente que o do seu irmão Galaxie 500 de 272 pol³ (4,4 L) e 164 hp/166 cv, era insuficiente para acelerar os 1.800 kg do LTD, que ia da imobilidade a 0-100 km/h em 18 segundos e atingia velocidade máxima de apenas 145 km/h, marcas fracas para o seu porte e preço. Mesmo assim, o consumidor o aceitou muito bem, cativado pelo seu excelente conforto de rodagem.
Mas o peso também não ajudava em nada os quatro freios a tambor, e o Galaxie/LTD tinha deficiência de frenagem, o que só seria corrigido em 1972 com a chegada do freio dianteiro a disco opcional.
Em 1971, chegou o LTD Landau, também com teto de vinil, porém com vigia traseiro pequeno, dando-lhe um ar muito chique, que evocava exclusividade.
Como curiosidade, o desprendimento das calotas metálicas das rodas — as “voadoras”, como eram apelidadas — foi um grande problema de campo vivenciado pelo Galaxie, inclusive o LTD e o Landau. Os grampos de fixação não eram eficazes e as calotas se soltavam com facilidade, numa situação constrangedora e até perigosa pelo potencial de ferir alguém ou causar danos a terceiros. Por incrível que pareça, somente em 1982 a engenharia da Ford corrigiu o problema, por meio de fixação central com parafuso.
Em 1976 houve grande mudança estética com os faróis passando a ser horizontais em vez de verticais e as lanternas traseiras agora segmentadas em três módulos. Mas o grande diferenciador que impactou no mercado foi a substituição do antigo motor 292-pol³ pelo 302-pol³ (5 L), de 199 hp/202 cv, dando mais desempenho ao grande carro. O motor 302, que já equipava o Ford Maverick GT e era opcional nas demais versões, era importado dos Estados Unidos via Canadá, sendo por isso erroneamente chamado de “canadense” por muitos.
Em 1980, início da segunda crise do petróleo, chegaram os modelos movidos a álcool e com eles os problemas decorrentes. O motor 302 ficava todo engomado e cheio de borra pelo álcool, criando inúmeras reclamações de campo. A engenharia de motores da Ford passou por maus bocados, por pouco não sendo realizadauma convocação (recall).
Outra curiosidade, em 1980 com a vinda do Papa João Paulo II ao Brasil, a Ford preparou o Landau-Papamóvel, que foi utilizado por Sua Santidade para locomoção em São Paulo, Aparecida e Salvador.
A produção do Galaxie foi encerrada em abril de 1983 após 78.000 unidades produzidas em seus 16 anos de vida. Seu problema e também dos únicos carros com V-8 de alta cilindrada, o Dodge Dart/Charger e Ford Maverick, foi a brutal elevação do preço dos combustíveis causada pelos dois choques do petróleo de 1973 e 1979 causados pela instabilidade política no Oriente Médio.
Em 1983 o LTD americano ainda era fortemente prestigiado pela Ford dos EUA como um clássico.
Mesmo com o fim de sua produção, o Landau continuou fazendo sucesso, tendo sido o carro oficial da Presidência da República até 1991. Atualmente este carro encontra-se preservado no Museu Nacional do Automóvel, em Brasília, do qual seu curador é o nosso amigo e colunista do AE, Roberto Nasser.
Sem medo de errar, em minha opinião — sei que poderei ser contestado — o Galaxie foi o melhor carro fabricado no Brasil, símbolo de qualidade, luxo e sofisticação e certamente um marco na indústria automobilística brasileira.
Como sempre, encerro a matéria com uma homenagem. E desta vez o homenageado é o querido amigo Roberto Nasser, que com sua extrema dedicação preserva a história da indústria automobilística brasileira no museu que criou em Brasília.
CM
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