Tenho visto e ouvido muita gente que diz que os carros estão muito parecidos atualmente. Se bem concordo em parte com essa teoria, também é fato que temos muitíssima opções de fabricantes e modelos. Já comentei aqui que meu avô quase não levava ferramentas no carro e consertava qualquer defeito, mas também é verdade que se tivesse um problema com um pneu era só parar num borracheiro e comprar um. Dificilmente haveria mais do que duas opções nas décadas de 1940 e 1950. Era Ford ou Chevrolet na Argentina daqueles tempos. Mas nos outros países não era muito diferente. Hoje temos duas dúzias de marcas de carros, quase outro tanto de fabricantes de pneus e outro tanto de modelos, aros, etc. dentro de cada marca. E raríssimos são os casos de compatibilidade entre si. Para não dizer nunca.
Foi pensando nisso que lembrei de modelos “datados”. Assim como na arquitetura reconhecemos traços de determinados autores das décadas de 1940, 1950 ou 1960 andando pelo bairro paulistano de Higienópolis — especialmente Artacho Jurado ou Vilanova Artigas — é fácil lembrar de modelos e cores e de suas épocas.
Quem não reconhece um Corsa Wind vinho como sendo de 1994 ou perto disso? Como esse modelo fez sucesso entre as mulheres! Uma das minhas cunhadas tinha um. Eu mesma tive um, mas era preto – OK, eu sempre tenho que dar meu toque diferente…
Também me lembro das sobras de exportação de Passat para o Iraque, a maioria entre 1986 e 1987, quando a Volkswagen exportou muitos daqueles carros para o país de Saddam Hussein em troca de petróleo, que a Petrobrás recebeu e pagou à fabricante de carros. Todos eles quatro portas quando no Brasil ainda havia muita gente que preferia os de duas. Poucos eram azuis e a maioria deles vermelhos. Por sinal, muitos vermelhos. Até por dentro, embora alguns poucos tivessem o interior branco.
E o Fiat Tipo prata ou, mais comum ainda, vermelho? Também tivemos um em casa. Na época, meu marido e meus dois cunhados. Parecia até combinado, só que não. Os primeiros chegaram ao Brasil em 1993 e eram importados da Itália por um valor bem convidativo para a época. Até houve denúncias de subfaturamento das guias de importação o que permitia que o preço final fosse tão acessível. No nosso caso, era da empresa, o que era bastante comum justamente por proporcionar bastante conforto e opcionais como vidros elétricos, bom porta-malas e bom consumo (uns 12 ou 13 km/litro), mas sem grande potência com motor 1,6 e apenas 82 cv — ia de 0 a 100 km/hora em intermináveis 15 segundos. Somente em 1994 é que com a chegada do modelo SLX 2,0 de 109 cv o desempenho melhorou um pouco. O Tipo foi o responsável por um feito histórico: conseguiu ser o carro importado mais vendido durante vários anos e, mais importante ainda, em 1995 tirou da Volkswagen o lugar de carro mais vendido, com o até então imbatível Gol.
Quem não se lembra ou ouviu falar do Passat Dacon? Ícone dos anos 1970 e 80, sonho de consumo da juventude que frequentava a noite paulistana. A Dacon era uma concessionária Volkswagen que ficava no bairro paulistano dos Jardins e desde 1974 personalizava carros — especialmente Passat. O pacote preferido incluía sobrearos cromados, teto solar (de lona!), vidros elétricos, lanternas diferenciadas, conta-giros (que a própria fábrica só começou a oferecer como opcional um par de anos depois) e frisos e dianteira pintados de preto, além de alguns itens menos visíveis, mas que elevavam a potência do motor como dois carburadores Weber 40 e comando de válvulas 290º. O mias cobiçado era o branco.
Tinha também o Passat Dacon 180 S, com sua traseira estranhíssima que o convertia num três volumes. As lanternas e os parachoques eram na cor do carro, numa época em que esses detalhes costumavam ser cromados. Chegou a ser o modelo mais vendido da Dacon.
Acredito que não devemos analisar carros depois de muitos anos sem levar em consideração o momento. Hoje acho esquisita aquela traseira do Passat 180 S. Sei lá, parece um aquário.
Na época do lançamento, gostei do Del Rey. Provavelmente, só eu. Lembro de ter lido de um jornalista que aquele era “muito carro para pouco motor”. Com a nova motorização CHT, em 1984, o mesmo jornalista escreveu “muito motor para pouco carro”. No caso do Del Rey, por exemplo, eu era adolescente e achava aquele um baita carrão. Claro que queria andar era num Passat Dacon e não num carro de tiozão, mas achava aquele barco algo imponente.
Mudam nossos gostos, mudam nossos conhecimentos sobre mecânica, aerodinâmica e mudam as condições. No Brasil as importações só foram abertas no início dos anos 1990. Até lá, não tínhamos parâmetros de comparação. Quando meu pai trouxe o Torino dele para o Brasil era parado constantemente, pois o carro não era conhecido — claro, também não havia internet, e mesmo os fãs de carros dependiam de assinar revistas estrangeiras que demoravam a chegar ou de algumas publicações nacionais. O carro que chegava mais perto do Torino em termos de desempenho era o Opala, que, mesmo assim, comia poeira. E, depois, o Maverick V-8, justamente a opção do meu pai quando trocou de carro — ainda assim, muito longe da performance do Torino. É como olhar fotos de calças boca-de-sino atualmente. Só mesmo levando em conta a época ou totalmente desprovidos de senso de ridículo. Ou, como dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset: ”Eu sou eu e minhas circunstâncias”.
Mudando de assunto: Esta semana tomei uma fechada homérica e totalmente estúpida e desnecessária de uma mulher num EcoSport preto. Até aí, nada especial, não fosse a inscrição no estepe: Gentileza gera gentileza. Ah, ainda bem. Mas então decidi refletir — talvez faça isso de propósito, a título de habeas corpus preventivo, quem sabe?
NG