Todo mundo sabe que as coisas andam complicadas no geral. Vou evitar de falar aqui da falência do país, dos empregos desaparecendo, das nossas tragédias nacionais e pessoais decorrentes disso. Todos sabemos dessas mazelas… O que falo aqui é de outra coisa, da depressão geral dos entusiastas do automóvel.
Não é por falta de motivo. A perseguição ao automóvel continua firme e forte, atacando esta máquina inocente como se todos os problemas do mundo tivessem sua raiz nela. No Brasil, então, país que consegue importar só as piores coisas do exterior, a coisa é mais grave ainda. Serviços públicos aceitáveis? Nada, mas os radares e as multas associadas a novas e baixas velocidades regulamentadas, se multiplicam. Responsabilidade fiscal do governo? Imagine… mas temos bicicletas para as “pedaladas”! E rodízios a rodo! Podia ficar aqui o dia inteiro falando de coisas assim, mas, de novo, vocês já entenderam: andam tentando cortar o nosso barato com força total.
Mesmo entre gente entusiasta o papo parece apocalíptico hoje em dia. Só se sabe falar de Uber elétrico sem motorista. Sim, isto está no futuro, mas e daí? Tem potencial de mudar tudo sim, mas sinceramente não acredito que abriremos mão de nosso direito de dirigir por isso. Carros elétricos e híbridos também são notícias cada vez mais presentes, outra coisa que incomoda muita gente, mas não a mim. E sabem por quê? Primeiro, porque carros elétricos e híbridos ainda são carros, apenas não chegaram ainda ao nível de excelência do carro tradicional. E segundo, porque apesar de falarmos muito sobre isso tudo, na realidade ainda estamos todos dirigindo nossos carros com motor de combustão interna para todo lado. E, além de acreditar que ainda faremos isso por muito, mas muito tempo mesmo, estes carros que estamos dirigindo estão extremamente bons. Mas extremamente mesmo. Muito de montão.
Tenho amigos que andam de BMWs modernos que reportam consumo de combustível que não muito tempo atrás seria coisa de carro de um litro, e com desempenho de Porsche da mesma época. Um up! TSI, carro acessível para uma boa parte da população, consegue médias de mais de 20 km/l e acelerar de 0-100 km/h em menos de 10 segundos. E estes são apenas alguns exemplos.
E o que falar do desempenho de frenagem e em curvas do carro moderno? Na maioria das vezes a aderência, a previsibilidade e a segurança ativa geral do carro moderno chega a parecer alienígena para quem aprendeu a dirigir em Opalas ou Fuscas. Sim, pneus grandes e toda esta eficiência torna o dirigir diferente do que já foi, com comandos todos remotos e alguma perda de sensibilidade em relação aos comandos mecânicos de outrora, mas se me perguntarem, é um pequeno preço a se pagar por tanta velocidade a mais, em qualquer situação. Velocidade é algo bom, gente.
Muitos choram também a morte do câmbio manual, do motor aspirado e da tração traseira, coisas que acreditam serem essenciais para o prazer de dirigir. Não compartilho dessa opinião, mas é claro, também adoro esta velha fórmula de prazer automobilístico. A morte destas três coisas seria realmente algo a lamentar. Mas será que tudo isto está morrendo mesmo?
A melhor forma de avaliar isso não é falando no genérico, e sim no específico. Nesta lista estão apenas carros que apareceram este ano e no ano passado. Novos lançamentos apenas. E são, cada um deles, carros incríveis, de cair o queixo. Motor de aspiração natural é coisa do passado? A maioria dos carros da lista tem motores com esse tipo de aspiração e de alta rotação. Câmbio manual está em extinção? Sete destes carros recém-lançados têm câmbio manual, dois têm deliciosos câmbios robotizados alemães de dupla embreagem e sete marchas, e apenas um é automático epicíclico, neste caso uma excelente unidade de oito marchas. Tração traseira cada vez mais raro? Oito deles tem tração traseira, sete deles com motor dianteiro, outra configuração que acham fora de moda. Carros novos, lançados recentemente, sem turbos, tração dianteira ou câmbio automático? Pois é, um monte.
E vou dizer mais. Dirigi ano passado um Audi RS 7 que era automático epicíclico de oito marchas, turbo e com tração nas quatro rodas, coisas que nenhum entusiasta tradicional pede para Papai Noel. Mas era algo simplesmente de outro mundo andando. Incrível, fantástico, extraordinário — o Bob Sharp chamou-o de “carro esporte disfarçado de sedã“. Se realmente morrerem os motores aspirados, o câmbio manual e a tração traseira, vai ser algo triste, sim, mas apenas por diminuição de variedade e opções. O RS7, e outros de seu gênero como o Nissan GT-R, é simplesmente melhor que tudo isso, e tão superior dinamicamente que parece desafiar as leis da física e levar o automóvel a outro patamar de velocidade e segurança. Um patamar onde 200 km/h é brincadeira de criança, verdadeira velocidade de cruzeiro, muito mais seguro e tranquilo que um Fusca antigo e mal conservado a 50 numa marginal paulistana. Outro tipo de carro, mas ainda um carro, incrivelmente capaz, e sim, divertidíssimo. Eu vi o futuro, crianças, e ele é maravilhoso.
Mas não vou falar de futuro hoje, só de presente. Do futuro muito se diz, mas nada se sabe com certeza. Esta lista fala do agora, do presente, e nela não interessa na verdade o tipo de câmbio, motor e tração, interessa apenas provar que ainda se lançam aos montes carros fantásticos, exagerados, velozes, bons de dirigir. E, sim, muito melhores que qualquer carro antigo, saudosistas que me desculpem. A Era de Ouro do automóvel é hoje — tráfego caótico e perseguição política à parte, simplesmente por serem externas a ele. Somos resistentes, os entusiastas, e ainda compramos carros legais, o que faz com que eles ainda apareçam com regularidade.
Uma lista deliciosa de fazer, variada em configuração e preço, com carros que dão água na boca a qualquer um que realmente ame automóveis. Um amor que, independente dos ataques que sofre, não corre risco de morrer tão cedo.
Em ordem crescente de preço (nos EUA, para equalizar), são eles:
Mazda MX5 Miata (US$ 25.750)
Desde o lançamento de sua primeira versão em 1989, o Miata tem sido um oásis de diversão tradicional ao volante num oceano de isolados carros modernos. Direção direta, comandos táteis, equilíbrio perfeito, potência apenas suficiente. A empresa sempre resistiu à tentação de fazer o carro maior e mais potente, mantendo-se fiel ao princípio de carro simples, leve, e deliciosamente gostoso de se dirigir à moda.
A nova geração é mais leve que a anterior, e por isso mesmo mais divertida. Equilíbrio fantástico, suspensões bem acertadas, uma alavanca de câmbio sublime. O Miata permanece fiel à sua fórmula de carro veloz com pouca potência, de carro esporte tradicional, de integração total com a máquina. Uma prova de que 157 cv ainda podem fazer diversão tão grande quanto 700, se usados da forma certa.
Ford Focus RS (US$ 36.605)
A famosa versão RS do Focus volta este ano, agora com tração nas quatro rodas. O sistema é da GKN inglesa, que conhecemos da história do Jensen FF, e o sistema é controlado eletronicamente. O cardã está rodando sempre, mas no diferencial traseiro, duas embreagens controladas eletronicamente distribuem a força apenas quando as condições pedem. De acordo com as primeiras impressões publicadas, o sistema funciona extremamente bem, controlado pela central eletrônica: em modo normal é mais neutro que a Suíça, mas em modo sport ou track a traseira pode ser forçada a derrapar sob potência. Existe também um cômico “drift mode”, que já faz sucesso entre a molecada doente por fumaça de pneu e dirigir olhando pela janela lateral.
O motor é o quatro-em-linha EcoBoost do Mustang, mas aqui em versão bem mais esportiva: são 355 cv de 2,3 litros Turbo, e com um espírito totalmente esportivo, com direito a escapamento espocante quando se tira o pé. O único câmbio disponível é manual de seis marchas. Conhecendo o Focus, esta versão mais focada (desculpem, não resisti) é certamente algo de dar água na boca.
Chevrolet Camaro SS (estimados US$ 40.000)
Devo confessar logo de cara: particularmente nunca gostei dos pony cars americanos. Camaros e Mustangs tradicionalmente tinham cara de esportivo, mas mecânica bem pouco sofisticada. O Camaro chegou a morrer em 2002, mas voltou em 2010 bem diferente: usando a base dos sedãs Holden australianos, tinha suspensões independentes modernas nos quatro cantos, freios, rodas e pneus enormes, e um estilo e acabamento bem cuidados. Mas ainda não gostava deles: para manter o estilo “puro” do carro-conceito transformer, o carro tinha visibilidade para fora ridícula, e era pequeno e claustrofóbico dentro da cabine, apesar de ser enorme. O carro tinha desempenho brilhante, mas ainda cometia o pecado que todo pony car comete desde o início do gênero: o estilo era mais importante que o conteúdo.
O novo Camaro, de sexta geração, lançado recentemente veio para resolver isso. Apesar de manter o tema de estilo agradável do carro que substitui, não é escravo dele; o carro é menor, tem melhor visibilidade externa, e é mais leve. Os motores sempre foram superlativos no Camaro, e assim permanecem. Existe agora um quatro-em-linha turbo na versão básica, mas o que realmente interessa são as opções mais potentes: o V-6 de 3,6 litros de alumínio DOHC produz nada menos que 360 cv; e a versão mais potente, a SS, tem o famoso V-8 Chevrolet LS, provavelmente o mais compacto e leve motor do mundo para sua potência, aqui numa versão de 6,2 litros e 461 cv. Todas as versões podem ter câmbio manual de seis marchas.
Mas o que realmente impressiona são as impressões ao dirigir publicadas. O carro atingiu um nível de dirigibilidade que frequentemente traz comparações com carros muito mais caros e teoricamente mais ajustados para andar forte, como Porsches e BMWs. A Motor Trend o nomeou Carro do Ano, e seu editor Angus Mckenzie disse que o Camaro é agora o carro com melhor dirigibilidade no uso esportivo que ele já experimentou. Sabendo da experiência dele, uma afirmação de peso, que deve ser digerida com calma.
Cadillac ATS-V (US$ 61.460)
Um carro que compartilha a plataforma com o novo Camaro, o ATS-V é a resposta da tradicional marca americana para o BMW M3. Equipado com o mesmo V-6 do Camaro, mas com dois turbocompressores para produzir 470 cv, oferece opcionalmente câmbio manual de seis marchas. Como seu irmão da Chevrolet, um carro de estabilidade no uso esportivo sublime, mas neste caso com todo luxo, qualidade e equipamentos que se espera de uma marca de luxo americana. Um novo tipo de Cadillac.
Ford Mustang Shelby GT350R (US$ 63.495)
Este é talvez o maior dos lançamentos para entusiastas este ano. Um carro projetado com um foco no prazer de dirigir de uma forma nunca vista em marcas de grande volume de produção. Um Mustang como nunca houve outro, tão focado e diferente que parece outro carro.
Não que o Mustang normal não fosse bom; o carro atual já mereceria um lugar nesta lista fácil. Suspensões independentes modernas, V-8 DOHC de 5 litros, câmbio manual… Mas o GT350R é outra coisa, muito, mas muito mais legal. É tão focado que tem um motor exclusivo. Não uma versão do V-8 existente, mas outra coisa totalmente diferente. Apesar do ridículo nome de “Voodoo”, é uma joia projetada para o prazer: como um Ferrari, tem virabrequim plano, todas as partes móveis mais leves em bloco e cabeçote exclusivo, e é todo feito para girar alto e solto. São 533 cv de 5,2 litros, mais de 100 cv/litro, e um glorioso berro que vai até estratosféricas 8250 rpm. O motor sobe e desce de giro como se não tivesse inércia, tem um som magnífico, e todos os ingredientes de um puro-sangue de estirpe. Num reles Mustang!
O câmbio, é lógico, é somente manual de seis marchas. A suspensão é toda reformulada, e a frente do carro não tem nenhum painel em comum com os Mustang normais, para abrigar a aerodinâmica necessária, a maior bitola, e o arrefecimento do trem de força e dos freios. As rodas são um capítulo à parte: o primeiro uso em produção seriada de rodas de compósito de fibra de carbono. Antes desse carro, um jogo de rodas deste material já valeria o preço de um Mustang normal. E estas rodas de mercado paralelo não teriam passado nos testes de homologação da Ford, que as fazem funcionar em qualquer temperatura, em qualquer lugar, e por anos a fio. Enormes, medindo 19 polegadas (por 11 na frente e 12 atrás) pesam pouco mais de 8 kg cada. Uma roda de alumínio de 19 polegadas bem leve pesaria pelo menos 15 kg. Os pneus são de primeiríssima linha: Michelins Pilot Sport Cups.
Um sublime e focado carro esporte de estirpe, com alma de Ferrari, escondido num corpo de Mustang.
Dodge Charger SRT Hellcat (US$ 66.940)
Com 717 cv, o Hellcat é o sedã de quatro portas mais potente do mundo. E está longe de ser o mais caro. Mas o mais impressionante é que, apesar de ter muito mais potência do que qualquer muscle car famoso dos anos 60, não é uma besta incontrolável de suspensão e freios arcaicos como eles. Na verdade, o chassi é bem sofisticado, com suspensões independentes e pneus enormes e de qualidade, e o carro, controlável e benigno se o motorista não abusar deliberadamente. É o único carro de câmbio automático aqui, uma excelente unidade de 8 marchas, que casa perfeitamente com o carro. Para quem não sabe, o PK já passou alguns dias com um e nos reportou a aventura inesquecível aqui.
Setecentos cavalos de fúria controlada, em um sedã familiar americano. Ilógico, perigoso, perdulário? Claro que sim. Mas libertador como poucas coisas neste mundo de hoje. Como cantar uma música a plenos pulmões, como abraçar forte seu filho, como se apaixonar pela primeira vez, um carro desses é somente sobre emoção pura. Sobre prazer de controlar algo poderoso. Sobre o excesso como uma declaração de independência de pensamento.
Porsche Cayman GT4 (US$ 85.670)
Num mundo em que o 911 está agora totalmente turbinado e o GT3 sem pedal de embreagem, o Cayman GT4 é uma lufada de ar fresco. Com o seis-cilindros contrapostos de aspiração natural e traseiro-central, câmbio manual, e o ajuste de suspensão e motor focado em performance extrema em pista, é para todos os efeitos mais interessante que a maioria dos 911.
Dodge Viper ACR (US$ 90.390)
O Viper pode estar no fim de seus dias por falta de compradores, mas não sem antes ser lançada esta fantástica versão para pilotos de fim de semana.
É efetivamente um carro de corrida emplacado. Em Laguna Seca, o piloto da Motor Trend Randy Pobst recentemente fez um carro desses colocar 3 segundos no seu próprio recorde anterior na pista, dirigindo o lendário Porsche 911 GT3 RS. Três segundos!
Sim, o carro é extremamente desconfortável e ridículo para as ruas, com sua asa gigante na traseira, seus difusores traseiros, suas aletas variadas brotando por todos os cantos da carroceria feito barbatanas em um peixe mutante. Sua suspensão ultrarrígida, sua aspereza de carro de corrida, sua intratabilidade e ferocidade incontida. Mas, e daí? Tem gente que vai achar tudo isso vantagem, com certeza…
Mercedes-AMG GT S (US$ 130.825)
Eu não tenho muita simpatia pelo design dos Mercedes modernos, mas não há como negar que os carros estão cada vez melhores. E este é realmente espetacular, e não somente no design inspirado: a maioria das revistas especializadas está dizendo que finalmente o Porsche 911 foi batido.
Baixo, largo e aerodinâmico, é realmente um design belíssimo, intimidante e clássico ao mesmo tempo. E é também um feroz tour de force tecnológico: V-8 biturbo de 510 cv, câmbio robotizado de dupla embreagem e sete marchas, e todo o pacote de projeto bem feito e acessórios tecnológicos que se espera de um Mercedes. Sua capacidade de colocar toda esta potência no chão efetivamente, apesar da tração traseira apenas, é algo ressaltado por todos que já o dirigiram, bem como seu sublime equilíbrio e neutralidade ao andar em pista. O primeiro Mercedes que desejo desde o fim do SL 600 dos anos 1990.
Audi R8 (US$ 164.150)
O novo R8 tem tudo que o antigo tinha de bom, somado a uma nova carroceria menor e mais leve, e incrementos em todas as áreas. O motor V-10 de 5,2 litros de aspiração atmosférica felizmente permanece; nada de downsizing e turbos aqui. O R8 é um carro feroz, bravo, violento, mas ao mesmo tempo extremamente benigno se andando rápido e sob qualquer tipo de clima graças à sua tração nas quatro rodas.
E o novo vem com o incrível painel de instrumentos configurável da Audi, uma psicodélica tela onde você escolhe o que quer ver, em vez dos antiquados ponteirinhos fixos. O R8 é moderníssimo, mas nem por isso é menos que extraordinário. Antigamente nada tinha muito mais que 350 cv porque colocar isso no solo era desafio; hoje se coloca mais de 700 cv sem problema nenhum. A primeira vez que dirigi um R8 V-10 achei que era exagero inútil, que não conseguiria usar todos os quinhentos e tantos cavalos. Ledo engano. Vai tudo para o chão sim, e tem chassi para fazer isso ser usado sem precisar de um Senna no volante. E o V-10, barrabás, que força, que suavidade, que berro!
E tem gente que acha que carro moderno é chato…
MAO