Adoro viajar. Para mim é um dos maiores prazeres da vida — e tive o enorme gosto de conhecer Portugal recentemente. Confesso que era uma falha terrível no meu extenso currículo turístico e me flagelarei com um cilício por não ter ido antes. É um belo país, com povo extremamente acolhedor e lugares fantásticos. E quanto à comida e à bebida… bem, indescritível é a palavra que me vem à mente.
Parte da viagem foi feita de carro e como escreveu Boris Feldman poucos dias atrás, as estradas por lá são excelentes. Rodamos relativamente pouco para nossos padrões, cerca de 1.000 quilômetros, mas para um país que tem o tamanho de Santa Catarina deu para conhecer bastante. Calculo que tenhamos andado a pé outro tanto — bom, talvez menos, mas era uma média de 15 quilômetros diários, sem brincadeira. E se subir e descer castelo, igreja, mosteiro e muralha conta mais, aí chegamos nos 1.000 quilômetros fácil, fácil.
Sou tão cuidadosa para planejar minhas viagens que meus amigos brincam que poderia criar a Noratur. Gasto muitíssimo tempo checando o que vale a pena ver em cada lugar, onde e o que comer, beber e agora descobri como criar meus próprios mapas, nos quais coloco informações e calculo distâncias com exatidão. E ainda os deixo online para checar de qualquer lugar em que estiver. Assim meu tempo de viagem é totalmente aproveitável, líquido, sem idas e vindas, sem passar pelo mesmo lugar, sem nenhuma perda de tempo. Cartesianos, diria. Mas, como viajar é um gosto, nada é exageradamente fixo a não ser os lugares de pernoite por uma questão logística. Sempre deixo espaço para imprevistos e lugares que gostamos e onde queríamos passar mais tempo. E faço questão de escolher hotéis bem localizados e charmosos. Ficar próximo dos pontos mais interessantes, especialmente em cidades amuralhadas como nas que estivemos, não tem preço. Idem para um bom jantar. Não necessariamente caro, mas especial, como o de um restaurante que fomos e que só tem nove lugares, onde você é atendido pelo próprio dono atrás do balcão. Neste caso, coloco no mesmo patamar a qualidade da comida e do papo. Juntos, resultaram numa noitada agradabilíssima que durou mais de quatro horas.
Mas a Noratur teve uma enorme ajuda de um casal de queridos amigos portugueses expatriados, Cláudia e Paulo, lisboetas legítimos que muito colaboraram para que o roteiro fizesse sentido e ainda me deram dicas fantásticas — como um restaurante pequeno em Évora que não tem cardápio e só serve o que o dono quer. Você tem de confiar nele, mas garanto que vale cada bocado. Por sorte, o Paulo já havia nos avisado sobre os pedágios. Sim, as estradas são excelentes tanto as de via simples, dupla, tripla ou mais como chegamos a andar, mas praticamente todas são cobradas, embora não exageradamente. Foi ótimo ter habilitado o ViaVerde, o tag que paga automaticamente os pedágios. Se não, você tem de viajar com um balde de moedas e parar a toda hora. Ah, e nos postos dos pedágios não tem cancela, não senhor. ViaVerde em sentido literal.
Também me chamou a atenção o respeito às normas de trânsito. Tanto no carro como a pé vi somente quatro infrações: um ciclista passou um farol vermelho, dois carros costurando o trânsito e um estacionado incorretamente, coincidência ou não, todos em Lisboa. Este último, aliás, provocou um tremendo congestionamento pois impedia o trânsito dos bondinhos que, ao não chegar ao ponto final, também não conseguiam voltar pelas ruas íngremes e estreitas da cidade. Aliás, chegou um ponto que nenhum carro movido a combustível passava. Em outras palavras, meu passeio no famoso “eléctrico 28” foi abreviado e tivemos de prosseguir a pé para não demorar mais. De resto, quando parava na rua para ver algo ou checar o mapa, fazia questão de ficar de costas para a rua porque se estivesse perto de uma faixa de pedestres, os carros paravam. E eu nem queria atravessar! Além de respeito às normas de trânsito isso mostra a atenção que os motoristas prestam ao entorno. Louvável.
Nas estradas, então, é impressionante a civilidade. Todos trafegam pela direita e usam a esquerda apenas para ultrapassar e voltam imediatamente. Não preciso nem dizer o quanto flui melhor o trânsito. E não vi absolutamente nenhum carro sem luzes, com farol quebrado, para-choque amarrado com arame, nada disso. Nenhum deles tinha nenhum defeito visível e nada que comprometesse a segurança do veículo ou dos outros. Ainda assim, em estradas de montanha de faixa simples há providenciais saídas, tipo acostamento bem largo em pontos específicos, para evitar acidentes em caso de defeito dos freios, por exemplo. E toda a sinalização é impecável. Faixas corretamente pintadas, sonorizadores que indicam quando se “morde”o acostamento, placas claras e fáceis de ver – além daquelas superpráticas que indicam em quantos quilômetros há outro posto de gasolina, por exemplo.
Os limites de velocidade são bem razoáveis, por volta dos 120 km/h na maioria das estradas, inclusive as menores com duas faixas em cada sentido — mas a maioria dos motoristas anda acima dos limites e ainda assim não vi absolutamente nenhum acidente, nem ao menos “quase acidentes”. E não tem aquela palhaçada de andar a passo de tartaruga artrítica, como em terras tupiniquins. Mas não quero ficar apenas na minha observação empírica e fui pesquisar. Segundo dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) Portugal reduziu à metade o número de mortes em acidentes de trânsito nas estradas em 2015 comparado com 2005, ou, respectivamente, 478 mortes ante 1.094 dez anos atrás. Outra coisa relevante é que estes números são semelhantes aos de 1950, quando circulavam por aquele país 100.000 carros de passeio e veículos pesados. Em 2013, último número que encontrei, eram 7.000.000 de carros de passeio e veículos pesados rodando pelo país. Isso para uma população de 10,3 milhões de habitantes. Dá para dizer que velocidade é o fator principal em acidentes como alegam algumas autoridades daqui? Claro que não.
Para facilitar minha vida de navegadora alugamos um WiFi portátil e habilitamos o Waze. Piada suprema do meu marido, ele o programou com sotaque português, que ele até manteve no dele em São Paulo um par de dias quando voltamos. Nos divertimos muito com o “Na rrrrrotunda, ap’nhe a primeira saída”. E quando ele dizia “saída, pela direita”?. Inevitável não lembrar do desenho do Leão da Montanha.
Na primeira mensagem de “viatura na berma” ficamos estupefatos. Na dúvida sobre o que seria isso, meu marido tirou o pé do acelerador e eu comecei a olhar para todo lado como um passarinho. Metros adiante entendemos. Significa “carro no acostamento”. Mais uma frase para meu novo vocabulário, pois esta rapariga que vos escreve voltou com um ligeiro sotaque lusitano, mas tendo aprendido muitíssimas palavras novas. O Waze é um gajo porreiro, como dizem por lá.
Outra coisa que chama a atenção é o respeito entre todos os modais. Exceto uma ciclofaixa muito bem feita em Cascais, não vi nenhuma outra. Os ciclistas andam na rua ou na calçada civilizadamente, os carros respeitam ciclistas e pedestres e os pedestres e ciclistas desviam tranquilamente dos carros estacionados seja metade na rua metade na calçada ou totalmente na calçada — fato corriqueiro em especial em cidades medievais e, aliás, permitido. Ninguém demoniza o outro. Motorista não é Satã e ciclista não se acha incumbido de uma missão messiânica que deve prevalecer sobre os outros apenas porque não queima algum tipo de combustível quando anda. No hotel do Porto, às margens do rio Douro, enquanto tomava meu “pequeno almoço” vi mais ciclistas num dia de semana (e mais ainda no sábado) do que nos três anos de ciclofaixas e ciclovias de São Paulo que vi enquanto ando pela cidade. E lá não tem circulação especial, não. Misturam-se todos os modais numa boa, inclusive com linhas de charmosíssimos bondinhos como no Porto e em Lisboa — tudo no mesmo leito carroçável. E menciono propositadamente duas das três cidades mais populosas do país – bem, na verdade a segunda é Vila Nova de Gaia que é siamesa do Porto e para mim contariam mais como uma.
Positivo também o silêncio nas ruas pois as motos (menos do que no Brasil, certamente) circulam sem escapamentos abertos e, felicidade suprema, sem o pi-pi-pi-pi interminável das buzinas acionadas desnecessariamente como se fossem elas as que propulsionam o veículo e se como, na sua ausência, o sujeito não conseguissse se deslocar.
Sinais bem sincronizados ajudam a fazer com que o trânsito seja bastante organizado, mesmo nas cidades com ruas estreitíssimas, algumas delas de mão dupla e com calçadas minúsculas. E não vi absolutamente nenhum quebrado nem embandeirado, embora seja mais frequente o uso das ótimas rotatórias.
Mico sempre tem quando se viaja e apesar de toda nossa experiência, pagamos um. Culpa do Waze que nos mandou entrar numa rua para pedestres. Felizmente, fomos prontamente socorridos por um grupo de portugueses que não apenas nos explicou como fazer o acesso correto como também alguns deles levantaram provisoriamente os postinhos que sustentavam umas correntes para que pudéssemos parar onde devíamos sem ter de dar marcha a ré e cometer ainda mais uma infração. E ainda recolocaram as correntes e nos disseram que é comum o GPS e o Waze mandarem os motoristas entrar naquela rua. E, claro, corremos para o hotel para pegar o “dístico” que tínhamos de colocar no carro para que ele pudesse ficar onde estava.
Claro que houve coisas engraçadas. Sempre há. Ou como entender a placa na porta da locadora que diz que o horário de atendimento de segunda a sexta é das 8 às 19h e aos sábados, domingos e feriados das 9 às 13h e das 14h às 18h. Mas esclarece: este estabelecimento não fecha para almoço. Interpretei que fecham somente no final de semana, mas ainda assim não fazem uma refeição, pois! Teve algumas coisas assim, sim, mas acima de tudo ficou a vontade de voltar e de ir a cidades que não tivemos tempo desta vez. Pá!
Mudando de assunto: Não posso deixar de mencionar a linda corrida que Max Verstappen fez em Montmeló domingo passado na Fórmula 1. Faz tempo que venho elogiando o moleque, mas agora ele correu como gente grande. Fez tudo certíssimo. E falando em moleque, onde é que o Lewis Hamilton estava com a cabeça? Manobra estúpida a que fez que ainda tirou o Nico Rosberg da prova. Adoro piloto arrojado, tanto que meus idolos são Nélson Piquet, Gilles Villeneuve e James Hunt — tem vários outros que admiro e reconheço como fantásticos, mas babar, mesmo, só por eles — mas sem essa estupidez de tirar outros da pista. Quer arriscar? Maravilha, gosto muito, mas corra você seus riscos, não leve outros junto.
NG