Mensagem:
Sexta-feira 13, Maio de 20016. Quase nove horas da noite.
Mando uma mensagem para o André Dantas:
“Vai a Interlagos amanhã? Vou participar do Torneio de Regularidade”.
A resposta foi positiva. E ainda vai me ajudar levando suportes de câmera e ferramentas
Amanhece um novo dia, sábado 14 de maio.
O despertador toca às seis. Tomo um bom café da manhã, reforçado. Pego documentos, dinheiro, navegador e afins. Desço para a garagem. Lá está ele me esperando. Abro o porta-malas, confiro a caixa de ferramentas, acrescento uma bobina usada, um frasco de óleo e outro de água destilada. Abro o cofre e verifico água e óleo. Boa notícia: tudo certo! Dou partida e ele desperta com preguiça, mas logo pega lenta sem uso do afogador. Benditos óleo sintético e novo aterramento do motor. Dois minutos depois estou na rua. Abasteço com o blend oficial dito aditivado, vão 34 litros e 133 reais. Calibro pessoalmente os pneus, 31 lb/pol² na frente e 27 nos de trás.
Os Sieberling 165/70R13 agradecem, mas reclamam dos buracos da rua, embora o carro ainda continue macio. Os pneus não são da medida correta, pois deveriam ser 165/75R13, mas não serão trocados tão cedo, pois ainda tem muita borracha para gastar. Tive uma certa apreensão com as rodas 6×13 atuais, reproduções em alumínio da marca FFQ (feitas em fundo de quintal), cópias das Italmagnésio originais do Chevette, inclusive com uma inscrição em relevo “Chevette” em cada uma delas. Como engenheiro, sei que usar algo do tipo é arriscado, mas não se pode ser engenheiro o tempo todo (cadê as rodas novas Scorro?).
Saio da cidade e chego na Anchieta, depois Imigrantes com sua subida moderada. Devo confessar que estava preocupado, pois a última vez que subi esta estrada tentei fazer um ritmo mais forte (100 a 110 km/h) e a água do carro secou. Esqueci que estava num carro velho e não olhei o ponteiro de temperatura. Depois desse dia, troquei a tampa do radiador, drenei toda a água e coloquei aditivo, diminuindo a temperatura quando na cidade, mas não tinha testado em estrada ainda. Começo a subida em 80 km/h, a temperatura estaciona no ¾ da escala. Comecei a pensar o que estava fazendo ali. Como ele conseguiria sobreviver em Interlagos?
Chegando ao planalto, aquele ar gelado da manhã de outono faz a temperatura chegar em ½ da escala, Legal! Aumento o ritmo para 90 km/h. A preocupação diminui um pouco. Naquele vazio do planalto, sintonizo a rádio Cultura no Motoradio Spix II, e está tocando “Cavalgada das Valquírias” de Wagner. Isso é um bom sinal. Logo em seguida começa “Ode a Alegria” de Beethoven. É, acho que realmente é um bom sinal. Mas o que é bom dura pouco e logo chego à cidade. A cada buraco e irregularidade do piso, me lembro da pressão alta nos pneus e das rodas FFQ.
Chego em Interlagos, entro no recinto reservado ao Torneio às nove e meia, dentro do horário previsto. Faço a inscrição, dou uma lida no termo de responsabilidade e assino, concordando que qualquer besteira que eu fizer, a culpa é só minha; é justo. Consigo trocar algumas palavras com um senhor atencioso e que me deixou mais calmo, o sr. Jan Balder. Já havia assistido outras provas do Torneio, mas nesta eu iria participar. Estava com um nervosismo equivalente ao da “primeira vez”. Pessoas e carros chegando. Ferrari, Cobras, Alfas, BMW, Mavericks, Dodge, Datsun, Puma, Opala e, claro, Fuscas. Vejo uma Ipanema chegando, é o André. Logo em seguida uma BMW perua, é o Marco Antônio. Logo depois passa um camarada fotografando tudo, era o Paulo.
Mostrei o velho Chevrolet de 38 anos aos amigos. O André deu uma aula sobre ignição, o MAO babou nas rodas e o PK fotografando. Só de estar lá é uma sensação muito boa, com pessoas no mesmo espírito e máquinas legais e diferentes. Sempre rende uma boa conversa. Esta edição teve uma merecida homenagem ao “maestro da mecânica” Miguel Crispim. Deu para emocionar.
Eu e o André começamos a instalar as câmeras no carro com os suportes que ele trouxe. Me senti um piloto profissional, com mecânico-chefe e carro de apoio. Pausa para o “briefing” e pegar os aparelhos de cronometragem, enquanto o André continuava ajeitando as câmeras. Nessa cruzo com o Marco Antônio, feliz feito criança em festa de Cosme e Damião, que dá uma dica simples e direta: “Comece devagar e vá aumentando o ritmo aos poucos”.
Logo mais chegava a hora de formar e ir para a pista. Dentro do carro ponho o capacete. Vou tentar fazer o melhor dentro do meu limite e do carro. Peço ao bom Deus que eu não cometa nenhum erro estúpido e que não ponha os outros em risco. Os carros começam a fazer fila, deixo os mais potentes ir à frente. Alinho, vamos descendo para a pista. Nova fila, minutos longos na espera e bandeira verde. Saio com o freio de mão puxado, o carro apaga. Burro! Xinguei eu mesmo. Deixa p’ra lá, vamos embora.
Primeira, segunda, terceira marcha. Eu estou na pista de Interlagos! Lugar dos maiores pilotos do Brasil. Palco de grandes corridas internacionais. É, eu estava lá. Mas não é hora de história ou passado, é hora de atenção na pista e no carro.
Saímos pela ferradura em direção à Laranjinha, subida, depois entrando no miolo do circuito. Cada curva era uma emoção. Curvas seguidas, “S”, freadas fortes. Na segunda volta, antes da Descida do Lago, vim rápido e freei forte, a traseira deu uma rabeada, aliviei o pé e modulei o freio, deu tudo certo. O “S” do Senna é muito legal, a primeira curva é mais fechada, mais devagar, na segunda curva dá p’ra imprimir maior velocidade, já de olho na curva do Sol e na Reta Oposta. Como não era competição e eu estava lento, não era justo atrapalhar os outros, então algumas curvas eu cheguei para o lado p’ra deixar o companheiro de pista passar.
Mas sempre que possível tentava melhorar as tangências, e acho que consegui ao longo das voltas. Infelizmente, sempre de olho na temperatura, o ponteiro danado começou a subir. Maldito cabeçote de ferro! Por que não fizeram de alumínio? Seria tão mais caro assim? Por causa disso, nas retas tirava o pé, tentando não aquecer em demasia o meu amigo cabeça-quente. Depois de algumas voltas, o ponteiro chegando perto do vermelho, vou para os boxes. Fim de jogo! Isso me deixou triste? De forma alguma, eu estava muito feliz.
Feliz e agradecido por estar lá, por ter condições de ter um prazer como esse. Em alguns momentos cheguei próximo da interação total entre homem e máquina. Num momento consegui fazer o carro deslizar nas quatro. Senti nas curvas fechadas os pneus, ora dianteiros, ora traseiros me avisando o quanto estavam derrapando. Para um espectador que olhasse, não veria nada, mas para eu, que estava lá dentro guiando, era o paraíso. Não havia preocupações, nem mundo lá fora, era eu, o carro e a pista. Desejo a todos que estão lendo este relato que se permitam participar de algo assim algum dia.
Meu companheiro de 1400 cm³ e 4 marchas se mostrou muito bem. É fácil ficar viciado em Chevette. É dócil como um cão e mais estável que sua idade nos faz acreditar, desde que o chão seja liso. Claro, andei abaixo dos limites do carro, pois ele tinha que me levar de volta para casa, mas isso não impediu a diversão e também me mostrou que eu estou abaixo dos limites do carro. Os fatores limitantes foram, obviamente eu, os freios e o motor.
Para ilustrar este acontecimento, o André editou um vídeo a partir da imagem das duas câmeras e de algumas fotos. Infelizmente a imagem frontal foi feita com a minha máquina que só gravou poucos minutos, registrando só uma volta. A câmera dele, que estava voltada para dentro do carro gravou bem mais e captou muito bem os sons do ambiente. Valeu André!
Agradeço aos amigos que sempre apoiam, cada um à sua maneira, estas aventuras e agradeço também ao Jan Balder por esta iniciativa de propiciar um contato mais íntimo entre os homens e suas máquinas.
Quem venham os próximos torneios!
Saudações
Alberoni Júnior
Veja o vídeo: