O Simca Chambord foi um dos carros mais carismáticos do Brasil, angariou uma vasta legião de admiradores, mas também de muitos críticos, embora o fosse em apenas em um aspecto: seu motor V-8 carecer de potência suficiente para o porte do belo sedã.
A subsidiária francesa da Ford Motor Company, a Ford SAF (Ford Societé Anonyme Française) começou a fabricar o Ford Vedette em 1948. O carro era um projeto americano destinado aos novos tempos, de paz, uma vez cessada a Segunda Guerra Mundial com a rendição do Japão em 2 de setembro de 1945. Mas o modelo, assemelhado ao Mercury a ser lançado em 1949, foi considerado inadequado aos anseios do consumidor dos EUA por suas dimensões compactas. Mas a Ford, insatisfeita com os resultados da filial francesa, acabou vendendo-a para a Simca (Societé Industrielle de Mécanique et Carrosserie Automobile) em 1954, que justamente procurava aumentar sua capacidade de produção. Quase em seguida o Vedette passou ser o Simca Vedette. Com o fim da Ford SAF, a fabricante americana estabeleceu outra filial lá, a Ford France, mas apenas para ser o importador oficial dos Fords Anglia (inglês) e Taunus (alemão).
O Vedette trazia duas características notáveis. Uma, o motor, um V-8 de válvulas laterais (o flathead) que existiu nos EUA em 1937, de 136 pol³/2.228 cm³ e 60 hp (60,8 cv), que logo passou a 2.351 cm³ com aumento do curso dos pistões de 81 para 85 mm, mais aumento da taxa de compressão de 6,6:1 para 7,5:1. Outra era a inauguração de um novo tipo de suspensão dianteira independente de nome McPherson, patente do engenheiro da GM Earle S. McPherson, para o que a Ford certamente precisou pagar royalties. A suspensão traseira, contudo, era a tradicional por eixo rígido com dois feixes de molas semielípticas longitudinais. Além dessas duas novidades a construção do Vedette era monobloco.
A Simca logo tratou de desenvolver novos projetos, incluindo um remodelado sedã inspirado nos carrões americanos, com muitos cromados e a traseira com estilo rabo-de-peixe. Os novos carros se tornaram o Trianon, mais popular, o Versailles, linha intermediaria e o Régence, de luxo. Em 1957 surgiu uma nova estilização em dois novos modelos, o Beaulieu, mais simples e o Chambord, de luxo. A perua Marly que havia sido lançada um ano antes, em 1956, também carregou a nova reestilização, a chamativa pintura bicolor da carroceria e a enorme grade dianteira em aço inoxidável com faróis de longo alcance nas laterais. O motor V-8 Ford foi renomeado Aquilon, nome de um vento frio do Norte.
Aí começa a história da Simca no Brasil, em 5 de maio de 1958 com sua fábrica em São Bernardo do Campo, bem em frente à Volkswagen. Como curiosidade, a Simca era para ser em Minas Gerais, conforme acordo firmado com o governo Juscelino Kubitschek; porém, a história é tão complicada que resolvi não detalhá-la aqui e, para tanto, recomendo a leitura desta página do excelente portal Lexicar, que relata todos os lances da chegada da Simca ao Brasil. Em resumo, a fábrica em São Bernardo do Campo era a antiga Varam Motores que montava os carros Hudson e Nash em suas instalações industriais e que acabou sendo adquirida pela Simca e adaptada para a produção do moderno Chambord.
Oficialmente lançados em janeiro de 1959, somente em março saíram da fábrica paulista os primeiros Simca Chambord, com o reduzido índice de nacionalização de 25% e a maioria dos componentes importados da França, sendo produzidas 1.252 unidades ao final do ano.
O Simca Chambord, com a traseira em estilo rabo-de-peixe, foi posicionando como carro de luxo para seis pessoas e tinha como principais características a carroceria monobloco de quatro portas, o motor dianteiro V-8 de 2.351 cm³ e 84 cv (potência SAE bruta), a suspensão dianteira McPherson, a tração traseira com eixo rígido e molas semi-elípticas, o câmbio de três marchas — primeira não sincronizada— com alavanca na coluna de direção que possibilitava o banco dianteiro inteiriço, os instrumentos com escala horizontal, iluminação no porta-luvas, porta-malas e compartimento do motor, lavador do para-brisa, retorno automático do indicador de direção (sistema temporizado, térmico!), espelho no para-sol direito, iluminação do painel com controle de intensidade, diversas luzes indicativas e acendedor de cigarros até para os passageiros de trás.
As duas imagens do Simca Chambord abaixo são raras curiosidades, pois foram obtidas na fábrica da Willys-Overland do Brasil em São Bernardo do Campo. A razão de servir como comparativo em eventos de marketing e de engenharia já era comum na época e continua sendo até hoje nas fábricas de automóveis.
Os pontos elogiáveis do veículo, além do seu conforto, espaço interno e volume do porta-malas (500 litros), era a sua estabilidade direcional e em curva e seus freios a tambor “Twimplex” com dois cilindros no conjunto dianteiro para as duas sapatas serem primárias, portanto autoenergizantes, muito eficientes para a época. O ponto negativo do Simca Chambord era o seu motor Aquilon V-8 (84 cv SAE bruta), com válvulas no bloco, fraco e ultrapassado. Com virabrequim apoiado em três mancais, cilindros de diâmetro bem menor que o curso (66,1 x 85,7 mm), pesado e com baixo rendimento, foi criticado pela imprensa e motivo de muitas reclamações por parte dos consumidores, que não aceitavam um carro com tantas características boas sem força, incompatível com a sua classe.
E foi por este motivo que o Simca Chambord foi apelidado — pejorativa e injustamente — de “Belo Antônio”, elegante, bonito, simpático, porém sem desempenho, usando o título de filme italiano homônimo no qual o personagem principal tinha todos os atributos de beleza masculina menos potência sexual.
Com aceleração de 0-100 em 26,7 segundos e velocidade máxima de 135 km/h, o Chambord realmente não agradava boa parte do mercado, embora esse desempenho não fosse tão aquém do havia no seu tempo. Seria aproximadamente o mesmo do Aero-Willys e inferior apenas ao do FNM 2000 JK, ambos lançados no ano seguinte, lembrando que este tinha temperamento mais para o esportivo.
Outro problema, que agravava também o descontentamento do consumidor, foi devido a supressão da válvula termostática do sistema de arrefecimento do motor, causando a extensão de seu período de aquecimento para mais de cinco minutos, além de não estabilizar a temperatura de trabalho. Realmente inadmissível, a retirada da válvula termostática do projeto original, por motivo de redução de custos.
Em 30 de agosto de 1960 foi lançado o luxuoso Présidence, com o estepe instalado externamente e com calotas raiadas. Tinha ar-condicionado, estofamento em couro, rádio transistorizado com dois alto-falantes, minibar para o banco traseiro, descansa-braço central nos dois bancos, tapete de lã e bolsas para revistas e jornais no encosto do banco dianteiro. O motor ganhava 10 cv, passando a 94 cv com o emprego de dois carburadores duplos e maior taxa de compressão.
E como tentativa de interromper a fase do incômodo apelido, a Simca começou a dar ênfase cada vez maior à durabilidade de seus veículos, promovendo eventos de resistência e também participando de corridas, com intensa atividade de seu Departamento de Competições, sob o comando de Ciro Cayres e do veterano Chico Landi, inundando a imprensa com várias notícias promissoras. Exemplo foi o evento de resistência a que um Simca Chambord foi submetido no trecho de estrada de 224 quilômetros da então BR-7, entre Paracatu e Brasília. Embora tenha sofrido um acidente, terminou a prova com louvor, perfazendo 120.048 km em 44 dias sem parar, à média global de 113,118 km/h.
Ainda em 1961, já com 85% de nacionalização em peso, a linha passou a se chamar Três Andorinhas e consistia do Chambord, que era o mais simples, e do Présidence , o mais luxuoso. Os motores tiveram a cilindrada aumentada para 2.414 cm³ e passaram a desenvolver 90 cv no Chambord e 105 cv no Présidence. Também neste ano toda a linha passou a ter a primeira marcha sincronizada, o câmbio sendo chamado de 3-Synchros, com o emblema de três andorinhas nos para-lamas dianteiros indicando a importante mudança.
Em 1962 chegava o Simca Rallye, o primeiro sedã esportivado do Brasil, com o mesmo mot0r de 2.414 cm³ e 105 cv do Présidence e detalhes diferenciados na carroceria, como as duas tomadas de ar no capô. Uma novidade era o ajuste do avanço inicial de ignição de bordo, que existia no modelo francês, um mecanismo interessante que permitia ao motorista alterar o avanço de ignição inicial no distribuidor ajustando-o conforme a gasolina no tanque, comum (“amarela”) ou premium (“azul”), ou a altitude, por exemplo.
Essa regulagem manual era por meio de uma pequena alavanca localizada no painel, ao lado do rádio, ligada a um cabo de aço que levava seu movimento ao prato móvel do distribuidor. Havia uma escala dividida em amarela e azul — referente à gasolina no tanque — que era também graduada em altitude. Assim, por exemplo, saindo de São Paulo para Santos podia-se mudar a regulagem para zero, correspondente ao nível do mar, voltando a ‘700’ no retorno a São Paulo. Mas havia uma justificativa — velada — para o dispositivo: a octanagem da gasolina ser muito variável por todo o país naquela época. O útil sistema acabaria sendo estendido a todas as versões.
Em 1963 mais um evento importante para a Simca do Brasil, o lançamento da perua Jangada, derivada da francesa Marly. O III Salão do Automóvel de São Paulo mostrou a nova perua com toda a sua elegância e conforto. Espaçosa, com banco traseiro totalmente rebatível e acesso amplo ao compartimento de carga por duas portas de abertura horizontal, ainda dispunha de um bagageiro no teto e também de dois pequenos bancos escamoteáveis adicionais no compartimento de carga. Com comprimento 200 mm maior que o sedã, permitia acomodar 1.800 litros de bagagem com o banco traseiro rebatido.
O Tufão e o Super Tufão chegaram em 1964, substituindo a linha Três Andorinhas, com os mesmos modelos porém acrescidos de uma nova configuração, espartana, o Alvorada, que mais tarde foi substituído pelo Profissional, ainda mais depenado. O Alvorada era basicamente um Chambord sem frisos e ornamentos externos, produzido apenas nas cores amarelo ou cinza. O acabamento interior com materiais de qualidade inferior, com portas revestidas de uma espécie de papelão e com para-sol apenas para o motorista. O painel de instrumentos era despojado, sem itens como relógio, hodômetro parcial, controles de entrada de ar, cinzeiros e acendedor de cigarros, e não havia iluminação interna e nem lavador do para-brisa; os faróis de longo alcance foram suprimidos. O Profissional, lançado em 1965, era ainda mais minimalista que o Alvorada, para atender ao plano do governo de vender automóveis realmente populares, financiados a juros baixos através da Caixa Econômica Federal.
O Tufão mantinha a cilindrada de 2.414 cm³, mas com taxa de compressão elevada para 8:1 a potência subia para 100 cv, enquanto no Super Tufão a cilindrada aumentava para 2.515 cm³ e a potência chegava a 112 cv. Ao mesmo tempo o tanque ficava maior, 85 litros ante 55 litros. E nesse mesmo ano a carroceria recebia ligeira modificação, passando o teto a ser mais reto e o vidro traseiro mais amplo.
Em 1966, com motorização bem mais potente, foi lançada a nova linha Emi-Sul, que dividiu espaço com o Tufão na gama de opções da Simca, mantendo os mesmos modelos anteriores.
Talvez a mais importante novidade do Simca Chambord em sua vida no Brasil tenha sido o motor Emi-Sul, que com válvulas no cabeçote — de alumínio — e câmaras de combustão hemisféricas atingia potência significativamente maior que seus antecessores de 84, 90, 94, 105 e 112 cv, chegando a 140 cv, mesmo deslocando 2.414 cm³. O motor Emi- Sul era assim denominado por se tratar do primeiro do hemisfério sul com câmaras de combustão hemisféricas.
Com esse motor o desempenho do Chambord e do Rallye passava a ser “de gente grande”, pois acelerava de 0 a 100 km/h em 16 segundos e ultrapassava 160 km/h.
O motor Emi-Sul contava também com ignição transistorizada (sem platinados, portanto) da Bendix Corporation e sistema de ventilação positiva dos vapores de óleo do cárter, por meio de sistema recuperador nas tampas válvulas que os conduzia ao filtro de ar.
Todavia, o crescente aumento da potência agravou também os problemas de durabilidade e quebra dos motores, que padeciam de um projeto marginal com somente três mancais de apoio do virabrequim, alta velocidade dos pistões e lubrificação pouco eficiente, principalmente na base dos cilindros. O óleo lubrificante do motor aquecia tanto que nem a adoção de radiador conseguiu resolver totalmente o problema. O arrefecimento do motor também se mostrava insuficiente e o motor padecia de forte tendência ao superaquecimento.
E mesmo com vários percalços o Simca Chambord fez a sua história. Foi até coadjuvante na série “O Vigilante Rodoviário”, que começou a ser apresentada em 1961 na TV Tupi de São Paulo. Era a história do policial rodoviário Carlos (Carlos Miranda) que patrulhava as estradas de São Paulo a bordo de um Simca Chambord ou montado em sua motocicleta Harley-Davidson, tendo como companheiro seu fiel amigo Lobo, um cão pastor alemão. Na realidade, o primeiro herói nunca se esquece, como foi o caso.
O ator Carlos Miranda absorveu tanto o papel que acabou entrando para Polícia Militar do Estado de São Paulo para se tornar um policial “de verdade”, num dos poucos casos de a vida imitar a arte, e não o contrário. Aposentou-se na profissão que abraçou e hoje se dedica a dar palestras, sendo muito querido e calorosamente recebido onde quer que apareça.
O Chambord foi também reverenciado em canção da banda brasileira de rock “Camisa de Vênus”, que fez uma homenagem ao veículo:
Um dia meu pai chegou em casa, nos idos de 63 e da porta ele gritou orgulhoso:
Agora chegou nossa vez! Eu vou ser o maior, comprei um Simca Chambord
O inverno veio impedir o meu namoro no jardim
Mas a gente fugia de noite numa fissura que não tinha fim, na garagem da vovó tinha o banco do Simca Chambord
E no caminho da escola eu ia tão contente, pois não tinha nenhum carro que fosse em minha frente , nem Gordini, nem Ford , o bom era o Simca Chambord
E assim continuava…
E pouco antes de a Simca completar seu 50.000º veículo produzido no país, em agosto de 1967 a Chrysler Corporation concretizou a compra de 92% das ações da empresa. A Simca do Brasil deixava de existir e nascia a Chrysler do Brasil, tema para uma próxima matéria.
Hoje o elogio vai para Volkswagen, que adquiriu a Chrysler com toda a sua tecnologia e soube aproveitá-la devidamente, com relevância no segmento dos pesados.
CM