Meu primeiro contato com Nürburgring foi através do jogo de videogame Gran Turismo 2, e foi extremamente traumático. Na época não conhecia especificamente o Nordschleife, somente o traçado da F-1, que é bem menor. Quando vi aquela pista gigantesca, com quase oito minutos de tempo de volta, ficava me perguntando: Que que é isso!? Não me lembro, mas nem sei se eu tinha conhecimento de que aquela pista existia realmente. Sobre o jogo, não vou me alongar na explicação, mas havia um sistema de licenças que você precisava conseguir para liberar determinados campeonatos, e essas licenças eram conseguidas através de variados tipos de provas, entre eles, time-attacks em trechos de certas pistas e em alguns casos em uma volta completa na pista.
O time-attack em Nürburgring era com um Dodge Viper (carro arisco, mesmo no videogame), você só podia passar com, se não me falha a memória, duas rodas na “grama” (se triscasse outra roda na “grama”, já era), e se acontecesse de você falhar (o que acontecia toda hora!), tinha que iniciar do zero, naquela pista gigantesca. Consegui, mas depois de muitas tentativas.
Nessa época eu era criança, deveria ter no máximo uns 13 anos (mais ou menos em 2001). Fui crescendo e junto cresceu a paixão por corridas e carros.
Essa história meio que culminou em 2013, com minha primeira viagem internacional, que foi para um lugar muito interessante para quem curte automobilismo, e que eu vou fazer um mistério, para contar a história numa outra oportunidade. Tenho que citar essa primeira viagem, pois justamente quando estava terminando o planejamento para a mesma, surgiu a oportunidade de ir à Alemanha para conhecer Nürburgring.
Jurei para mim mesmo que se eu conseguisse uma forma de ir para a Europa por menos de R$ 2.000 (passagens) eu iria dar um jeito de em 2014 ir. O fato é que eu achei uma passagem pela Ethiopian com escala em Adis Abeba. Conferi tudo direitinho, horários, escalas e, se os caras não estavam sendo desonestos comigo (o que não era uma impossibilidade, mas diante das informações, parecia pouco provável), era uma boa.
Ir à Alemanha, com escala na Etiópia, por si só já seria algo muito louco, indo a Nürburgring, mais ainda! Era algo que eu não imaginava que aconteceria nem nos sonhos mais etílicos, digamos! Resolvi ir!
Aluguei um carro para ir de Frankfurt até à pista (aproximadamente 200 euros, incluído o seguro) e o carro para dar as quatro voltas na pista (na época ficou por 349 euros) na Need for Ring (www.needforring.com). Não é uma boa ideia usar um carro das locadoras “normais” (Hertz, Avis, Europcar) na pista. Eles podem ficar sabendo através do GPS do carro e mesmo que você não dê uma batida, eles podem até banir a pessoa de alugar carros novamente na empresa.
Recomendo fortemente a visita ao site www.nurburgring.org.uk, onde há dicas valiosas sobre hospedagem, segurança, horários e dias de abertura da pista, outras opções de empresas para aluguel de carros para a pista etc.
Mas, nessa viagem ao mesmo tempo em que descobri os maravilhosos prós de uma viagem com escalas (preço), logo no início eu já tomei um chute na canela ao ser apresentado ao lado ruim de uma viagem desse tipo (atrasos levam a perda dos vôos de conexão, o que causa um grande problema!).
O meu voo sairia de Guarulhos as 0h05 de quinta-feira, dia 11/09. Chegando ao aeroporto fui enfrentar a fila de um demorado check-in. Chegando ao final da fila, próximo de ser atendido começo a ouvir rumores de que o avião estaria cinco horas atrasado. E infelizmente esse rumor se confirmou. O vôo que sairia as 0h05 estava previsto apenas para após as 5:00 da manha! Isso me faria perder o voo de conexão em Adis Abeba. Eu iria ter que permanecer um dia em Adis Abeba, pegar o voo de conexão do outro dia (sexta-feira 12/09) e chegaria em Frankfurt um dia depois do previsto, no sábado 13/09!
Diante disso, resolvi procurar uma LAN House para cancelar o hotel que eu tinha reservado no booking.com para a noite de sexta-feira (12/09). Bad move!
Segundo o pessoal da Ethiopian em GRU, o avião teve problemas, por isso o atraso. Isso poderia acontecer em qualquer companhia (e aconteceu, em menores proporções, mas aconteceu!), mas acabou que a Ethiopian me ferrou e fiquei inicialmente meio chateado com a empresa.
Pensei um pouco e inicialmente aceitei a remarcação do voo, peguei com eles um voucher para comer alguma coisa e aí que comecei a pensar:
É… A Ethiopian já me ferrou uma vez… Vou dar a ela a oportunidade de me ferrar de novo!? Se eu for para a Etiópia e der algum rolo lá, eu vou estar totalmente ferrado e num país que não é o meu.
Decidi que pediria outra solução e se não houvesse, ameacei cancelar toda a viagem (e ia cancelar mesmo!).
Fui educado, tranquilo, não briguei, não gritei… Acho que os caras ficaram com dó de mim (ou talvez eles tivessem um prejuízo maior se eu cancelasse tudo, não sei), e arranjaram um jeito de me colocar num vôo direto da TAM para Frankfurt. Indo nesse vôo eu iria chegar em Frankfurt ainda na sexta-feira, mas algumas horas depois do previsto inicialmente. Beleza!
Oh, espera aí… Eu tinha cancelado o hotel que estava reservado para a noite de sexta-feira! Porcaria! Corri à LAN House de novo para tentar reservar o hotel novamente e não consegui. Resolvi ir assim mesmo.
Tudo isso acontecendo na noite de quarta-feira e madrugada de quarta para quinta-feira. O vôo da TAM sairia só na noite de quinta-feira (22 horas, se não me engano). Sendo assim teria que ir para um hotel. Fui ao balcão da Ethiopian para pedir um voucher para o hotel. Simplesmente me pediram para pegar o transfer para o Hotel Matiz (próximo ao aeroporto de Guarulhos) e dizer que eu era passageiro da Ethiopian e que tudo ficaria resolvido…
Fui. Mas fui pensando:
Esses caras vão me ferrar… Esses caras vão me ferrar… Chegar ao hotel eles vão me mandar de volta… Vai dar confusão.
Cheguei ao hotel, expliquei e eles me deixaram ficar. Ainda assim fiquei pensando:
Na hora do check-out vai dar problema… Vou ter que pagar duas noites de hotel… Vai dar problema…
Fiz o check-out e estava lá constando que a Ethiopian tinha pago as despesas. No fim das contas deu certo. O hotel em si, para os malucos que gostam de ficar vendo aviões, é um paraíso! Fiquei o dia inteiro vendo o movimento da final de GRU, sentado na cama do quarto!
Embarquei no voo da TAM e no momento da partida, o piloto informa pelos alto-falantes que teve um problema no fechamento de um dos compartimentos de carga. Será que seria o caso de eu me benzer?
Acabou que atrasou, mas não tanto.
Chegando a Frankfurt, fui entender o aeroporto. Achei meio complicado, alguns níveis meio fechados demais, parecendo um porão, sei lá, não gostei muito. Peguei o trem para a Frankfurt (Main) na Hauptbahnhof.
Chegando, fui procurar o Comfort Hotel Frankfurt City Center (sim, aquele em que a reserva eu tinha cancelado!) para ver se conseguiria me hospedar. Consegui? Não!
Fui procurar outro hotel e por sorte vi que na Münchener Straße (rua que vem da estação) havia vários hotéis. Fui com a cara de um chamado Townhouse e resolvi saber o preço — era bom, resolvi ficar. Fazendo o cadastro, tiro o passaporte e a atendente começa a falar comigo em português! Meu inglês já é ruim, vou a Frankfurt de TAM (sem precisar me virar com inglês) e ainda chego ao hotel e a funcionária começa a falar português? Fiquei mal acostumado para o resto da viagem!
Cheguei, descansei um pouquinho e já saí para a turistada.
Voltei para o hotel para aproveitar um merecido descanso.
Hotel legal, tranquilo. No sábado de manhã foi hora de pegar meu companheiro de viagem alemão, pegar a Autobahn e seguir em direção ao Nordschleife.
No sábado acordei cedo e fui ao aeroporto para pegar o carro alugado.
Se eles soubessem a zoeira que isso dá aqui no Brasil, me dariam outro carro!
Carrinho legal, valeu a pena e ajudou demais!
Peguei o carro, pus o nome da cidade (Adenau) no GPS e parti. Fiquei um pouco perdido no entorno do aeroporto, mas no fim das contas consegui! O duro é que estou com muito medo de ter que vender um rim por causa de multas. Não, não dirigi e não dirijo que nem um imbecil por aíi, mas às vezes os limites de velocidade são um pouco baixos demais, mesmo por lá.
Aproximadamente 120 quilômetros e chego ao circuito… O que encontro?
Neblina por toda parte! (foto de abertura). Em alguns momentos não dava para ver nem 500 metros à frente direito. Provavelmente isso influenciou na dificuldade que eu tive ao chegar à área. Tive que ir e vir várias vezes para entender onde era Adenau, onde era Nürburg, onde eram as entradas da pista etc.
Nürburg não pode nem ser considerada uma cidade, é um lugarejo. A população total, segundo a Wikipedia, é de 179 habitantes! As maiores atrações são a pista de corrida e o Castelo de Nürburg. E claro que eu tinha que dar um jeito de ir ao castelo! Obs: Anualmente também é realizado na região o famoso festival Rock Am Ring, o que também é uma atração da região. É o Rock in Rio de lá, até a pronúncia é parecida.
A vista lá de cima deve ser sensacional. Pena que a neblina não estava deixando ver nada!
Há uma série de corridas de longa duração (VLN, nome da empresa patrocinadora) no circuito de Nürburgring e uma delas estava prevista para o sábado. Mas devido às condições meteorológicas a corrida foi cancelada. Ficar lá mofando na beira da pista vendo essa corrida era o meu plano para o sábado, então de repente me vi sem nada para fazer.
Voltei para o hotel em Adenau (que é uma cidade maior, mas ainda assim bem pequena — de acordo com a Wikipedia, 2.839 habitantes), comi alguma coisa e pensei:
Estou aqui à toa e Colônia é perto daqui…
Como a loucura não termina nunca, peguei o Picanto e baixei para Colônia, sem nenhum planejamento, somente coloquei o nome no GPS e boa!
Foi uma passagem rápida, deu para ver mais a imponente Catedral de Colônia (Kölner Dom) mesmo.
Voltando à Adenau, passei em um supermercado para comprar água e outras coisas e achei algo que nunca imaginei que acharia lá…
Acabou que não tirei quase nenhuma foto da cidade de Adenau mesmo. As únicas são essas noturnas.
Na noite de sábado para domingo choveu. Acordei cedo (de novo!) para pegar o carro para andar na pista. O tempo estava um pouco melhor, mas o chão ainda estava molhado e tinha um pouco de neblina. Fiquei com medo de a pista estar fechada, mas os petrodeuses olharam por mim!
Pensei em levar a câmera para tirar algumas fotos durante as voltas que eu dei no circuito, mesmo isso, além de não ser recomendado, sendo proibido mesmo. Mas depois pensei:
Cara, tenho que concentrar no que estou fazendo! Deixe pra lá as fotos!
A história do Nürburgring Nordschleife começa nos anos 20 quando eram organizadas pelo ADAC (o Automóvel Clube Geral da Alemanha, mas que vai muito além disso) corridas anuais no entorno das montanhas Eifel. Vários acidentes fatais aconteciam nessas corridas e para tentar aumentar a segurança foi construído o circuito de Nürburgring Nordschleife, inaugurado em 1927. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1947 são reiniciadas as corridas de automóveis culminando com o início do Campeonato Mundial de Fórmula 1 em 1950. Nürburgring Nordschleife entra no campeonato de Formula 1 a partir de 1951 e se torna a principal casa do Grande Prêmio da Alemanha, com algumas poucas exceções.
No fim dos anos 60 as pistas em geral ficavam cada vez mais perigosas devido ao desenvolvimento e consequente aumento da velocidade dos carros de Fórmula 1. Isso, de acordo com a lenda, levou o tricampeão de Formula 1 Jackie Stewart a apelidar o circuito de Nürburgring Nordschleife de “Inferno Verde” devido ao seu perigo e à densa vegetação ao redor.
Em 1970 após um acidente fatal em um circuito na Holanda, os pilotos decidiram boicotar o Grande Prêmio da Alemanha como forma de exigir melhorias no circuito de Nürburgring Nordschleife. A corrida de 1970 foi transferida para o circuito de Hockenheim, as mudanças (foram retiradas algumas ondulações, suavizados alguns saltos, instaladas barreiras de proteção. Foi também reduzido o número de curvas, já que a pista foi reconstruída de forma a seguir a linha de corrida) feitas em Nürburgring Nordschleife e em 1971 o Nürburgring voltou a sediar o Grande Prêmio da Alemanha, fato que ocorreu até 1976, quando aconteceram todos os eventos retratados no filme “Rush” (Niki Lauda, devido à preocupação com a falta de fiscais de pista e a dificuldade de socorro em caso de acidentes, devido ao longo traçado da pista, 20,8 km, convoca os pilotos a boicotarem a corrida. Os pilotos não aceitam, a corrida se realiza e o próprio Niki Lauda sofre um acidente horrível no qual ele quase morre queimado.
Após o acidente de Niki Lauda nunca mais houve uma corrida de Fórmula 1 no Nordschleife. Em vez disso foi construído um novo traçado, de 5,148 km, mais moderno e seguro, que é chamado de GP-Strecke, pista de GP. Mas a lenda do Nordschleife está gravada na história. Só a lista de nomes dos vencedores dos Grandes Prêmios da Alemanha da Fórmula 1 realizados em Nürburgring Nordschleife tem nomes dos caras mais incríveis do automobilismo em todos os tempos como Tazio Nuvolari, Bernd Rosemeyer, Rudolf Caracciola, Alberto Ascari, Juan Manuel Fangio, Stirling Moss, Jack Brabham, Jackie Stewart…
Muitas corridas de carros de turismo ainda são realizadas no Nordschleife. Além disso, também é realizada anualmente uma corrida de 24 horas (Nürburgring 24-Stünden). A pista também é usada por fabricantes de carros como padrão de desempenho, com a publicação dos tempos de volta conseguidos por seus carros.
Sendo assim, quando peguei o carro para dar as minhas quatro voltas, o meu principal pensamento foi o de respeitar a pista, já que se eu batesse o carro iria dar um problema inimaginável! A pista estava meio molhada (foi secando durante minhas voltas), eu nunca tinha andado em uma pista de corrida antes… Então o mais correto seria ser bem conservador. Mas ainda assim forcei! Cara, poderia ficar o resto do dia, o resto da vida rodando com aquele carro naquela pista!
Tem de tudo no Nordschleife:
Sem me alongar muito, após alcançar o nirvana voltei para Frankfurt, pensei em pegar o carro e baixar para Stuttgart, mas além de já estar cansado, resolvi poupar algum dinheiro (fora que o tempo também poderia ficar curto para pegar o voo às 22 horas, sendo que cheguei em Frankfurt às 14h00).
Após achar o posto de gasolina no labirinto das vias próximas ao aeroporto de Frankfurt, abasteci e devolvi o carro e aí estava com tempo livre, e livre para tomar umas brejas! Uma só na verdade. Mas uma Becks!
Esperei o tempo passar e rezei para a Ethiopian não me ferrar, pois ainda teria a saga do retorno!
No fim das contas o voo saiu no horário e cheguei à Etiópia até antes do informado como previsão de chegada no momento da compra do bilhete. Cheguei mais ou menos às 6 da manhã. Tentei sair do aeroporto, mas não deixaram! Desgraçados! Tirei fotos só de dentro do aeroporto…
Rolou uma certa tensão ao ver que o voo para o Brasil estava demorando para aparecer nos painéis de informações, mas no fim das contas saiu no horário certo! Apesar de ter ficado com medo de dar algum rolo, foi uma experiência interessantíssima ter estado, mesmo que somente dentro do aeroporto, na África!
Além do mais, os voos foram realizados no Boeing 787 que, se agora em 2016 ainda é algo bem avantgarde, em 2014 era algo ainda mais exclusivo. Salvo engano, na época, somente a Ethiopian e a LAN voavam ao Brasil com o modelo de aeronave.
É isso, never stop the madness!
HO