Como já foi dito várias vezes, inclusive por esta que vos escreve, os números sob tortura confessam qualquer coisa. Sempre fui fã de estatísticas e pesquisas, especialmente para embasar argumentos. Aquela história de “eu acho que há menos congestionamentos” ou “nunca vi a cidade desse jeito” para mim são excessivamente vagos. Gosto de dados que confirmem o que digo. Até porque percepção pessoal é exatamente isso, percepção (portanto subjetiva) e pessoal (novamente, subjetiva). Ainda assim, precisamos ter muito cuidado com os números.
Anos atrás quando trabalhava numa empresa com 23.000 funcionários fui convidada a assistir aos resultados de uma pesquisa interna, cujos resultados poderiam impactar meu próprio trabalho e seus rumos. Perfeito, lá fui eu. Havia sido contratada uma empresa especializada em pesquisas a preço de ouro, diga-se de passagem. Até aí, não via problema, dadas as complicações inerentes ao trabalho. Por exemplo, tínhamos gente proveniente de outras cinco empresas que haviam sido compradas em dois anos, com perfis muitíssimo diferentes e que deveriam ser ouvidos. Os funcionários se dividiam entre os administrativos e os de agência, em contato direto com o público final. Havia escritórios e representações tanto no Brasil (em todo o território nacional) quanto em alguns países do exterior. Em fim, certamente poderíamos dizer que havia mais de uma dúzia de setores que deveriam ser pesquisados. Depois de talvez uma hora de apresentação dos resultados, questão a questão, estranhei algumas conclusões que contrariavam o que minha experiência indicava. Perguntei, então, quantas pessoas haviam sido entrevistadas e recebi uma resposta que me deixou pasma: 11. Sim, 11 somente, e algumas delas por telefone. Bazinga! Estavam explicadas as discrepâncias. Por achar que a pesquisa não serviria para nada dada a pouquíssima representatividade, levantei e saí da sala. Seria uma total perda de (mais) tempo continuar ouvindo isso. Não sei quantas pessoas deveriam ter sido entrevistadas, mas estava muito claro que 11 de um universo de 23.000 não representava sequer uma única pessoa de cada segmento. Devo dizer que nas minhas aulas de mestrado, na matéria de Estatística certamente fui das alunas mais aplicadas e mais chatas com o professor – por sinal, excelente. Culpa dele eu ter ficado ainda mais exigente com a matéria.
Isto posto, sempre desconfiei dos números divulgados pela CET e pela Prefeitura de São Paulo sobre a redução dos congestionamentos de trânsito. Eu e a torcida do Corinthians, diga-se de passagem. Mas agora tenho como contestar com dados porque as conclusões estavam erradas. Embora não tenha como saber se os congestionamentos realmente diminuíram, já que é a CET quem faz as medições oficiais, vi números do Waze que também negam essa teoria. O bom do Waze é que é uma medição exata, carro a carro, com a localização e a velocidade precisa e não uma agente de trânsito que desde uma ponte “calcula” por métodos que mais parecem da ciência da Chutometria a extensão do tal congestionamento (foto de abertura: será que diminuíram?). Mas, claro, nem todos os carros tem ou usam o Waze.
De acordo com a CET, no período da manhã houve uma redução de 13% nos congestionamentos e de 14% no período da tarde nos últimos dois anos.
E o mais incrível era o motivo para a tal redução. Seria fruto das faixas exclusivas para ônibus, alterações viárias, programação semafórica e outros itens que povoam o ideário de algumas autoridades que, tenho certeza, habitam uma dimensão paralela que não é a mesma que o resto dos cidadãos habitamos.
Vamos a alguns dos meus queridos números. De 2014 até agora, o número de emplacamentos de veículos caiu 35%. Todos sabemos que poucos dão baixa nos carros que deixam de circular, por isso o volume total de carros em circulação é fictício, mas veículo sem placa praticamente não existe, é zero mesmo. Se pode haver alguns casos nas transferências, nos novos é virtualmente nenhum. E se esse volume caiu, mais os carros que deixaram de circular, é lícito supor que a frota circulante caiu muito. Mas apesar de autoentusiasta, não me limitarei a acreditar que as pessoas andam apenas de carro. Então fui ver como anda o transporte coletivo, pois é razoável supor que gente que não compra carro anda de ônibus ou de metrô. Para manter a comparação, de 2014 até agora a quantidade de passageiros transportados nos ônibus na cidade de São Paulo caiu 15 milhões – sim, é isso mesmo, 15 milhões a menos. Resta, ainda, a possibilidade de que as pessoas estejam andando mais a pé, mas não encontrei dados sobre isso. Antigamente o Metrô fazia a pesquisa Origem-Destino, excelente, e anos atrás a Universidade de São Paulo fez um profundo trabalho sobre isso – e em ambos casos havia uma elevação do número de pedestres em períodos de crise econômica. Mas nem adiantaria ter esses números pois pedestre não impacta em congestionamento de trânsito – exceto se considerarmos os ambulantes que teimam em povoar as faixas de rolamento das marginais e avenidas de São Paulo.
E no eficiente porém limitado metrô paulistano? Comparando janeiro a maio de 2014 com o mesmo período de 2016, a redução no volume de passageiros é de 96.000 pessoas por dia. Isso mesmo, por dia, de uma média diária total de passageiros de 3,8 milhões de passageiros, o que dá queda de 2,5%. Claro que tudo isto foi alavancado pelo aumento do desemprego, que passou nos últimos dois anos de 11,6% para altíssimos 16,8%. Com essas reduções, ainda que o poder público não tivesse feito absolutamente nada para melhorar a mobilidade, os congestionamentos teriam diminuído, já que menos gente empregada é menos gente indo e vindo pois nem todo dia se consegue uma entrevista de emprego e nem todo dia se sai por aí distribuindo currículos – até porque a internet facilitou muito tudo isto. E evidentemente quando todos reduzem gastos de todas as formas possíveis, o transporte de cargas também cai – o que também ajuda a diminuir os congestionamentos. Ajuda, neste caso, é apenas um eufemismo, pois se congestionamentos fossem símbolo de pujança econômica e pleno emprego eu seria a primeira a não reclamar deles. Ou seja, estou apenas concluindo algo.
Também não encontrei números mais atualizados das vendas de combustíveis, mas em janeiro deste ano registrou-se uma queda de 12,7% nas vendas de todos os combustíveis veiculares no Brasil quando comparadas com janeiro de 2015. Ou, respectivamente, 10,5 bilhões de metros cúbicos ante 12 bilhões no mesmo mês de 2015, de acordo com os números da ANP. E, diga-se de passagem, a situação econômica só piorou desde o início do ano, o que faz com que esses números possam cair ainda mais. Ou seja, pode até ser que os congestionamentos tenham diminuído, mas certamente se isso aconteceu não tem nada a ver com “melhorias” ou obras viárias.
Mudando de assunto: Gostei do circuito de Fórmula 1 do Azerbaijão que, reconheço, fui procurar onde fica exatamente. Sabia que era uma ex república socialista soviética, mas se tivesse que atacar o país num tabuleiro de War não saberia para que lado apontar meus exércitos. Belo cenário e bela pista apesar da falta de áreas de escape, mas ainda assim outra corrida morna. Merecida vitória de Nico Rosberg, bela apresentação do Sergio Pérez e as mesmas trapalhadas de sempre do Ericsson. Cansei dos chororôs e das dúvidas do Lewis Hamilton, que parecia nem saber o que fazer com os botões do próprio carro (talvez menos festinhas no Caribe e mais briefings com os próprios mecânicos?) e me diverti com os “piiips” nas comunicações de rádio do Kimi Räikkönen. E fiquei deveras aliviada em ver que ninguém ralou aquele bonito castelo medieval.
NG