Como já disse algumas vezes aqui, sou fã de carros e de cinema. Então, que tal juntar os dois? Veja bem… ainda não tenho certeza de que seja uma boa ideia, mas no final desta semana será inaugurado em São Paulo um cinema que pretende lembrar os antigos drive-ins (eram um charme, não eram? Veja a foto de abertura). Notem, caros leitores, que eu escrevi “pretende lembrar”, está claro? Não fui ainda e, digo mais, não sei se e nem quando irei.
Faz tempo que evito cinemas pelo cheiro de pipoca e o constante barulho. Vejam bem, adoro pipoca e eu mesma não recuso um dedo de prosa — bem, uma mão inteira, é verdade. Mas não acho que cinema seja o lugar ideal para essas duas coisas. Eu sou daqueles que vão ao cinema para ver o filme — não para comer nem não para conversar. Da mesma forma, não sei se juntar carros e filmes ainda é uma boa ideia, embora já tenha sido.
Não quero bancar a moçoila debutante nem fingir que já não tenho muitos anos de vida, mas minha experiência em drive-ins refere-se apenas a algumas idas em Córdoba, na Argentina e talvez em Buenos Aires, mas não tenho certeza, e em todos os casos quando tinha uns 6-7 anos de idade, não mais do que isso. Lembro de ter gostado da experiência, pois já era fã de carros. Assim como me lembro de ter adorado aquele telão interminável. Mas depois que abriram salas de cinema com telas gigantes e som impecável, será que ainda curtiria o chiado daquele alto-falante pendurado na janela ou vindo de um poste ao lado do vidro? Provavelmente não. Talvez para namorar, coisa que obviamente não fazia aos sete anos.
Em Brasília ainda tem um cinema drive-in, que funciona não com alto falantes mas com um mais preciso som via rádio mesmo na área do autódromo Nélson Piquet. Justo naquela cidade linda, que parece ter sido projetada para carros! Quando fui pela primeira vez lembro de ter tido a sensação de ver um autorama gigante desde o alto da janela do Hotel Eron. E ainda por cima, no Eixão, com suas pistas quase intermináveis. Mas confesso que nunca fui ao tal drive-in. Falha no meu curriculum, mas tenho que dizer que sempre estive na capital a trabalho (ops, ficou engraçado o trocadilho: capital, trabalho, perceberam?)
Esporadicamente, algumas iniciativas desse tipo pipocam por aí. Semana passada, em Londrina, um shopping fez um cinema drive-in no seu estacionamento. Mas são sempre tipo CDB ou renda fixa, isto é, com prazo de resgate. Terminou a promoção, tchau drive-in.
Não é o caso deste cinema de São Paulo que é, na verdade, um cinema que lembra os antigos drive-ins. Lá não se entrará de carro mas a pé, mesmo. A ambientação será por conta dos assentos, que são bancos restaurados de carros antigos, especialmente os confortabilíssimos Galaxie, Cadillac, Impala e Dodge e, supremo refinamento, o público poderá escolher onde quer sentar já na hora de comprar o ingresso — embora pelas fotos dê para ver que há assentos convencionais também. Ainda para lembrar os drive-ins, as pessoas farão os pedidos e cada um irá até o bar nos fundos da sala, para buscar seu pedido. E aí começo a implicar de novo. Gente passando para todo lado e fazendo barulho ao comer quando eu quero ver um filme? Sei não…
O ambiente, dizem, será iluminado com faróis de veículos antigos. Talvez eu vá lá para ver como é, mas certamente não nos primeiros dias nem semanas. Mas reconheço que fora minha paixão por carros e por filmes, todo o resto me faz ficar com um pé atrás. Se acho drive-in charmoso? Sim, sem dúvida. Mas é porque os filmes eram passados à noite (senão o reflexo na tela faria impossível ver qualquer coisa) e tinha o charme da privacidade do carro (que não haverá neste formato, ao contrário, o “crunch-crunch” do sujeito comendo ao seu lado será totalmente ouvido por você, enquanto antes tinha o isolamento do próprio carro e da distância entre eles).
Antes também cada um colocava o volume que quisesse no aparelho pendurado na janela. Hoje somos vítimas de decibéis na estratosfera, como se até Cidadão Kane fosse um Star Wars. Já imaginaram se em vez de sussurrar “Rosebud”, Orson Welles gritasse em Dolby surround? Não, melhor não imaginar que estragaria o filme.
Comer dentro do carro nunca foi algo que me agradasse. Sei lá, não tem pia para lavar a mão, fica cheiro no estofamento, mas, vá lá, no drive-in íamos no verão e com as janelas abertas era bem suportável.
Claro que os cinemas drive-ins acabaram ficando inviáveis pelos custos dos terrenos. O primeiro aberto em São Paulo, em 1968, ficava na longínqua av. Santo Amaro. Tinha alguns que tinham até parquinho na área entre a tela e a primeira fila de carros — sinal de que nem todos iam lá para ver o filme. Mas não deixa de ser uma boa ideia para que os pimpolhos soltem suas feras e deixem os adultos em paz de vez em quando. Hoje, nem pensar em deixar uma criança além do alcance do próprio braço.
Embora haja registro de uma projeção no estilo drive-in no México em 1915 e outro no Texas nos anos 1920, diz a lenda que o cinema drive-in foi criado no final dos anos 1920 pelo milionário americano Richard Hollingshead Jr., que pensou neles para solucionar o problema da própria mãe que, de tão gorda, não cabia nas poltronas de cinema. Ele teria colocado a progenitora no carro, um projetor dos anos 20 no teto e amarrado dois lençóis no jardim da própria casa, fazendo uma sessão drive-in privé. Se é verdade ou não, não sei, mas o fato é que foi ele mesmo quem requereu a patente da invenção em 1932. Já no ano seguinte ele abriu o primeiro cinema drive-in em New Jersey.
Hoje, apesar de termos mais carros, não temos mais drive-ins praticamente. O princípio de uma tela grande e um espaço aberto sobrevive em sessões em vilarejos do interior, nas praças, que mantém o espírito da sétima arte — geralmente onde não há cinemas propriamente ditos. E que atire o primeiro balde de pipoca quem não se emocionou com “Cinema Paradiso”!
Mudando de assunto: final de semana de resfriado ou gripe bem forte, dei PT no sofá da sala. Até eu quase dormi no Grande Prêmio de F-1 do Canadá, logo esse, um dos meus favoritos. Valeu pela briga entre Max Verstappen e Nico Rosberg, mas de resto… Como a corrida não me entusiasmou, aproveitei para logo depois rever imagens daquele lindo circuito onde estive duas vezes de férias e fiz questão de tirar foto bem em cima da linha de largada com o “Salut, Gilles”. A vitória do incrível Gilles Villeneuve em 1978, passeando com a bandeira quadriculada da chegada; o “tchauzinho” do otimista Nigel Mansell em 1991 na última volta pouco antes de ficar três curvas antes da chegada, para permitir a vitória de Nélson Piquet (quando este teve um momento, digamos, muito, muito feliz, no linguajar desbocado do brasileiro), e, de quebra, pela milionésima vez, a disputa Villeneuve-Arnoux em 1979 em Dijon; a corrida dele em Jarama, em 1981 quando ganhou, segurando quatro carros mais velozes atrás dele por várias voltas; e a corrida no Canadá de 1981 quando Villeneuve andou sei lá quanto tempo com a asa dianteira do carro em pedaços cobrindo-lhe a visão, e com chuva, mas que resultou num fantástico terceiro lugar. O acidente nos treinos de Zolder no dia seguinte ao meu aniversário e que lhe custou a vida em 1982 vi uma única vez, quando ocorreu, e nunca mais. Não consigo.
NG