Pois é. No Brasil, toda hora temos alguma novidade e jornalista nunca padece de falta de assunto. Sempre me achei criativa e em todos meus anos de jornal nunca tive crise de falta de tema nem o temível pânico da lauda em branco — aquela folha que se colocava na máquina de escrever e que muitas vezes gritava pedindo palavras e frases que teimavam em não sair.
Com os computadores não é a mesma coisa e acho que qualquer eventual crise seria resolvida com um Ctrl C + Ctrl V pelo menos para preencher o vazio com qualquer coisa e enganar o cérebro até a inspiração chegar. No caso do papel era mais difícil. Mas, como disse, nunca até hoje fui acometida desses males. Mas imagino que trabalhar na Suíça ou na Islândia requeira mais esforços. No Brasil, é facílimo. Os assuntos pululam e difícil mesmo é não deixar nada faltar ou mesmo fazer coisa complexas caberem em um texto de 1.000 palavras.
Mas para quem, como eu, já passou tantos planos econômicos trabalhando em jornais diários e tinha de explicar as coisas mais inexplicáveis em somente 5.000 caracteres, depois de entendê-las em apenas um algumas horas… bem, bico! Ou como traduzir para o leitor o confisco da poupança em 700 palavras?
No Brasil sempre temos novidades — e no trânsito não é diferente. Desde 27 de maio o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou no Diário Oficial da União a Resolução 590 que diz que todos os veículos terão circular com novas placas até 31 de dezembro de 2020. O início das trocas para os veículos novos, transferidos de município ou que precisem trocar de placa será 1º de janeiro de 2017.
As novas placas terão um visual único para os países do Mercosul (além do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela) e permitirão um número maior de combinações, pois em vez de 3 letras e 4 números, como é hoje, terão 4 letras e 3 números que poderão estar embaralhados — como é na Europa. No padrão atual de placas existem 175 milhões de combinações possíveis enquanto no novo se chegará a mais de 450 milhões.
A cor de fundo será sempre branca e, dependendo do tipo de veículo, a fonte é que terá cor diferente. Assim, para veículos de passeio, letras e números serão de cor preta; veículos comerciais, vermelha; carros oficiais, azul; carros em teste, verde; veículos diplomáticos, dourado; e os de colecionadores, prateado (foto da abertura).
Na idealização juntaram-se elementos das placas hoje utilizadas nos países do Mercosul. Assim, o nome do país estará na parte superior da placa, sobre uma barra azul. O nome da cidade e do estado estarão na lateral direita, acompanhados dos respectivos brasões. A medida da placa será igual àquela já utilizada no Brasil: 40 cm de comprimento por 13 cm de largura.
As autoridades dos países do bloco dizem que haverá também mais dificuldade em falsificar as novas placas, pois incluíram marcas d’água com o nome do país e do Mercosul grafadas na diagonal ao longo das patentes. Mas também o novo sistema deverá assegurar a existência de um banco de dados conjunto. Os Estados brasileiros do Sul certamente agradecerão que veículos argentinos que costumam barbarizar o trânsito nas estradas sem serem “incomodados” por multas agora sejam cobrados pelas infrações.
Inicialmente, as novas placas serão utilizadas nos novos emplacamentos e opcionalmente para quem quiser. No Brasil, a placa terá uma tira holográfica do lado esquerdo e um código bidimensional que conterá a identificação do fabricante, a data de fabricação e o número serial da placa. A tira é uma maneira de evitar falsificação da placa. O projeto incluiu diversos itens de segurança para o motorista também. Provavelmente o mais importante seja que o material é retrorreflectivo em quaisquer condições atmosféricas e a lâmina de segurança tem efeito difrativo.
Na prática, as novas placas acabam com o padrão de letras correspondente a um estado e ainda não está claro se haverá possibilidade de personalizar placas – provavelmente não.
Novidade, mesmo, mais para nós, pois o sistema já está em vigor no Uruguai e na Argentina. Por sinal, na Argentina as placas que começaram a ser vistas nas ruas tem uma marca d’água com as Ilhas Malvinas. Não sei se não teria sido uma provocação, pois tinha tantas outras coisas para representar o país… enfim, o fato é que o desenhista da placa que agora será usada em todo o bloco era funcionário do Ministério da Justiça e membro da Cámpora e recentemente perdeu o emprego.
Visualmente acho a placa agradável e prática e é fato que em cerca de uma década no Brasil não teríamos mais combinações possíveis. E também acho fundamental alguma forma de banco de dados para acabar com os absurdos que se vem nas estradas, cometidos por motoristas estrangeiros certos de sua impunidade. Mas não acredito que as novas placas inibam o roubo de carros e seu transporte para a Bolívia ou o Paraguai. E depois de duas décadas escrevendo sobre Mercosul e acompanhando reuniões de cúpula nos diversos países e de ter falado tanto com diplomatas e empresários das várias nações não tenho muita certeza sobre os rumos do bloco. As declarações do chanceler brasileiro José Serra me deixam ainda mais em dúvida quanto a adotar uma placa única para uma união sobre cujo futuro pairam tantas dúvidas. Isso sem falar que no perrengue que está a Venezuela, quem aposta que eles vão trocar as placas? Aliás, com que dinheiro? Também não consegui descobrir o custo das placas mas depois que instituíram todas as marcas de segurança nos passaportes é fato que o custo do documento subiu.
Mudando de assunto: este é realmente outro assunto, mas não queria deixar de comentar. Fiquei realmente triste com a morte de Muhammad Ali, a quem ainda às vezes chamo de Cassius Clay. Meu nonno adorava pugilismo e depois que ele morreu continuei vendo na TV com minha nonna – sei lá, talvez uma forma de lembrar dele. E eu era bem pequena, criança mesmo. Até hoje tenho dilemas existenciais sobre se é correto duas pessoas se baterem, então às vezes vejo um pouco, depois mudo, sei lá, não resolvi isso comigo mesma ainda. Mas tem de ter muitíssima coragem para fazer isso. E o que me fascinou sempre no Ali/Clay foi, além dos jabs e da incrível agilidade de pernas, a história dele. Não quero me alongar muito, mas quem puder assista o ótimo filme “Quando éramos reis” (o de Leon Gast, cuidado pois tem outro com o mesmo nome que não tem nada a ver) um documentário sobre a incrível luta no Zaire, em 1974 e toda a estratégia criada pelo próprio Ali. Vale a pena ver também “A maior luta de Muhammad Ali”(de Stephen Frears), um filme de tribunais, não de ringue, que narra toda a luta jurídica que se seguiu à recusa de Ali em ir à guerra do Vietnã. Ambos fantásticos. Neste último, depois que o lutador ganha o direito de não ir à frente de batalha um jornalista lhe pergunta se vai processar aqueles que queriam que ele fosse à guerra. E ele responde algo mais ou menos assim: “Como poderia fazer isso?. Eles fizeram o que fizeram seguindo suas convicções, assim como eu segui as minhas ao não querer ir. Seria hipócrita da minha parte criticá-los ou processá-los.” Um sujeito realmente fora de série dentro e fora dos ringues.
NG