Eu juro que tento, meus caros leitores. E me esforço muito — muitíssimo, aliás. Leio, converso, escuto, aceito sugestões de assunto para esta coluna de forma a abordar a maior quantidade de temas possível, mas a Prefeitura de São Paulo insiste em me fazer falar dela quando se trata de trânsito. Desta vez, novamente atacam as estatísticas. E de uma maneira cruel, diga-se. Não tem dó em triturar números e fatos.
No dia 20 de julho, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) junto com a Prefeitura divulgou que teria caído o número de acidentes com vítimas, mortos ou feridos, e que a lentidão nas vias também teve queda e, pasmem queridos leitores, tudo isto por causa da redução da velocidade em diversas ruas e avenidas que completou um ano naquele dia — marginal mais lenta fica mais rápida? (foto de abertura).
Observem que eu uso o “teria caído” no condicional, mesmo. Não sou advogada, mas sei que soa como quando os juristas dizem “suposto ilícito” pois não querem endossar que o cliente cometeu, sim, um ilícito ou quando querem deixar em aberto a possibilidade que se prove que não foi isso o que aconteceu. Então, para deixar bem claro, eu não endosso que houve redução no volume de acidentes e muito menos que isso se deveu à redução nos limites de velocidade.
Segundo as autoridades, teria havido queda de 38,8% no volume de acidentes e 8,7% no de lentidão desde que a Prefeitura adotou limites de velocidade de 50, 60 e 70 km/h em 46 km de vias marginais, exatamente um ano atrás. Ou, mais precisamente o volume de acidentes com vítimas (fatais e não fatais) no primeiro semestre de 2015 que teria sido de 608 teria caído no mesmo período de 2016 para 380. Para efeitos de comparação, o volume de acidentes com vítimas no primeiro semestre de 2014 teria sido de 763. E confudem a opinião pública menos crítica ou esclarecida dizendo que tudo isso aconteceu mesmo quando teria havido um aumento na frota de veículos, que teria ido de 7,8 milhões em 2014 para 8,1 milhões em dezembro de 2015.
Por que comparar períodos diferentes? Semestres entre si com anos inteiros? E por que não divulgar os dados de frota do primeiro semestre de 2016? Se bem que, neste caso, dá na mesma pois sabe-se fartamente que o número de licenciamentos é superestimado, pois o volume de baixas no sistema é infinitamente menor do que a realidade. Basta ver quantos carros são abandonados nas ruas, rios e represas para se ter uma idéia de que não foi dada baixa neles — assim como em tantos outros que empoeiram nas garagens da periferia ou são apenas desmanchados para venda das peças. Bastaria ver o número de veículos que pagam IPVA anualmente e com essa base de dados fazer uma faxina nos números — embora, claro, haja veículos que circulam sem terem pago essa taxa. Mas seria um começo.
E tem mais: ainda que o número de licenciamentos fosse maior (o que não se verifica, aguardem…) não significaria que haveria mais carros circulando, já que poderiam estar parados nas ruas e garagens. Mesmo assim, não sei de onde apareceram esses números, já que eles não citam fontes e, infelizmente, meus colegas de profissão não perguntaram. A Anfavea (a associação que reúne os fabricantes de veículos) divulgou há alguns dias que no primeiro semestre de 2016 houve queda de 25,4% nas vendas e somente 983,5 mil veículos foram emplacados em todo o país – isso inclui motos, caminhões, ônibus. Apenas como comparação, esse índice é o menor desde 2006. Se considerarmos desde 2014 até agora, o número de emplacamentos caiu 35% e se compararmos apenas todo 2014 com todo 2015 a redução foi de 22%, sempre incluindo veículos de passeio, motos, caminhões e ônibus. Considerando-se apenas automóveis de passeio, a redução foi de 27% segundo a Fenabrave, a federação que reúne os revendedores de veículos. Dificilmente São Paulo, que tem o maior Produto Interno Bruto (PIB) do país contrariaria esses números e iria sozinho na contramão deles. Por isso, não acredito que os números estaduais sejam muito diferentes dos nacionais. E qualquer que seja o período analisado, há queda, sim, na quantidade de carros em circulação.
Consegui alguns dados mais recentes sobre venda de combustíveis no site da ANP, a Agência Nacional de Petróleo – órgão para lá de oficial. Entre janeiro e junho deste ano as vendas de todos os combustíveis somados caíram 5,4% no País quando comparadas com os mesmos seis meses de 2015. No mesmo site tem a informação de que apenas no Estado de São Paulo a venda de todos os combustíveis caiu 4,4% nos seis primeiros meses do ano quando comparado com o mesmo período de 2015. Ou seja, há menos veículos em circulação já que praticamente nãoa temos veículos elétricos e, por óbvio, nenhum trafega sem combustível —pelo menos não no mundo que nós mortais habitamos. Já no de algumas autoridades…
Como especialista em Comunicação entendo o afã da área, e especialmente dos políticos às vésperas de tentar uma reeleição, de ocupar espaço na mídia. Mas um pouco de bom senso não faz mal. Sempre há assuntos que podem ser explorados sem menosprezar a inteligência alheia.
Sabem aquelas propagandas que dizem “espere, não ligue agora… “ para, em seguida, mostrarem outras qualidades do produto? Eu também tenho outros argumentos. Sem precisar fazer conta nenhuma pois isso “dá um trabalho….”, lembro apenas que no dia anterior a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo disse que está há seis meses sem repassar boletins de ocorrência para análise da CET — e a própria CET confirmou. Isto significa que a CET sabe apenas das ocorrências em que agentes da companhia participaram do atendimento — senão, nadinha de informação. Zero cômputo. Isto posto, é bem verdade que as ocorrências, no papel, podem ter diminuído, mas é me chamar de idiota e amnésica dizer que isso tem a ver com a redução da velocidade.
Outro fato: o volume de acidentes já havia caído entre 2014 e 2015 – exatos 20,31%, quando não havia esse limite de velocidade. Ou seja, por quê atribuir a isso a redução que já se constatava como tendência?
Mas espere, não ligue agora… Misturar acidentes fatais com não-fatais é descabido. É totalmente diferente uma morte do que uma escoriação, embora esta última também mereça cuidados das autoridades para ser evitada. Mas tem de ser contabilizada em separado uma da outra.
No intuito de colaborar com as autoridades, e fazendo de conta que os acidentes sim, teriam diminuido, listo aqui uma série de motivos tão plausíveis como aqueles enumerados pelo poder público para a suposta redução no volume de acidentes nas marginais:
> Maior número de ocorrências de lua cheia em Timbuktu (a visibilidade melhora)
> Aumento no índice de emplacamentos de riquixás em Calcutá (menos riquixás circulam agora por São Paulo, pois ficam por lá mesmo)
> Redução na população de besouros-tigres no mundo (já pensou se entra um no carro enquanto você dirige?)
> Possível revogação da lei que vigora em Haifa que proíbe que se levem ursos à praia (sei lá porque seria, mas essa é a única coisa que tem um fundo de verdade).
Mudando de assunto: Assistir a corrida de F-1 da Hungria para mim é sempre desculpa para ver, pela milionésima vez, a melhor ultrapassagem da história do automobilismo quando em 1986 Nelson Piquet passou Ayrton Senna na curva 1, por fora, derrapando como se fosse eu deslizando de meias no chão de madeira de casa. Sem tanto brilho, a corrida deste ano teve lances bacanas: a disputa Ricciardo-Vettel e a Verstappen-Räikönnen foram as mais emocionantes. Acho que o holandês mudou a trajetória para a esquerda, depois direita e depois esquerda para fazer a curva, o que seria irregular, mas como defensora de que essa norma deveria acabar não reclamo. E, claro, o moleque é muito bom. Sem falar no charme dos fiscais fazendo a dancinha depois da bandeirada — os poucos húngaros que conheço são divertidíssimos, o que confirma a impressão deixada na transmissão de tevê.
NG