Sei muito bem que viajar de carro com crianças pode não ser fácil. As tiras de Calvin e Haroldo não me deixam mentir pois ele e o fofíssimo tigre se divertem perturbando os pais o tempo todo. Mas não são somente os pimpolhos fictícios ou hiperativos os que dão trabalho. Na verdade, mesmo a mais educada e tranquila criança tem seus momentos quando fica dentro de um veículo por muito tempo.
É claro que carros mais modernos já tem uma série de dispositivos para entreter aqueles que vão no banco de trás mas, sinceramente, não tenho certeza de que conectar alguém durante horas numa telinha de computador justamente quando se pode dividir um raro momento em família seja a melhor ideia. Tenho uma amiga que chama o iPad do filho de quatro anos de “Xanax” pois serve de tranquilizante para a criança. Não que seja favorável a excesso de algazarra no carro, pois sempre é fundamental um mínimo de tranquilidade e concentração para o motorista, mas ainda me lembro com gostosa saudade das viagens que fazia com meus pais de carro — obviamente, em épocas pré- iPad, DVD, celular ou qualquer coisa tecnológica. Minha mãe jura de pé junto que era legal, sim, apesar de minha irmã enjoar quase sempre.
O principal entretenimento eram as cantorias dentro do carro. Engraçado é que apesar de ser apaixonada por música tenho tendência a cantar apenas quando estou sozinha – e nunca no chuveiro. Culpa da acústica e de uma certa autocrítica. Minha única incursão num karaokê me fez ter consciência das minhas limitações e por isso minha participação se limita até hoje a “backing vocal”, com direito a coreografia e tudo. O dia que conseguir fazer toda a dancinha dos Pips nas apresentações da Gladys Knight de Midnigtht Train to Georgia soltarei rojões. Talvez por não ser lá muito afinada e alguma timidez é que o carro me parece um ótimo lugar para isso e até hoje faço isso de vez em quando. Boto o pen drive com minhas músicas favoritas e num passe de mágica ocorre uma transformação total. Me divirto muitíssimo.
Meu pai tinha um livrinho com as letras de um monte de músicas bem adequadas para carro ou acampamento e sempre o levávamos conosco (o livrinho, claro que o pai vinha junto…) Afinal, dependendo da viagem, mesmo quando conhecíamos a letra custávamos a lembrar de qual música cantar. E quando afinação não é o forte, repertório variado é fundamental.
O vídeo abaixo é um bom exemplo do que pode ser a felicidade de uma criança ao viajar de carro:
Olhar o céu e imaginar o que poderia ser cada nuvem também funcionava bem, mas somente para nós. Meus pais, no banco da frente, apenas fingiam que concordavam com que aquela cúmulo-nimbus parecia um cachorrinho. Imaginação sempre foi algo que nos sobrava, portanto qualquer coisa era motivo para inventar algo. Contar árvores de uma determinada espécie nos entretinha durante algum tempo, mas minha irmã acabava dormindo qualquer que fosse a diversão. O apelido dela no carro era “periscópio” pois tal qual um submarino de tempos em tempos, quando meus pais insistiam em mostrar algo, ela esticava o pescoço para olhar com ares de “’tá, já vi…” e voltava a dormir.
Brincar com as combinações das placas à frente também é um clássico das viagens de carro. Apenas quando cheguei no Brasil foi que conheci o “noves fora”, mas nós mesmos inventávamos coisas. Somar os números, brincar com as letras, sempre funciona desde que se esteja numa estrada minimamente movimentada. Para os mais geeks fazer como em The Big Bang Theory pode ser uma boa: Leonard e Sheldon brincam com os elementos da tabela periódica. Um diz um nome e o outro tem de dizer outro cujo nome comece com a última letra do primeiro. E assim por diante. Em casa, apesar de meus pais serem químicos, fazíamos brincadeiras semelhantes mas evidentemente mais acessíveis a crianças. Como listar cores e nomes próprios.
Pensando bem, acho que eu sempre gostei de carros, pois identificar marcas e modelos de carros na estrada sempre foi uma das minhas especialidades.
Eu não durmo em viagens. Avião é uma tortura, pois por mais longa que seja a jornada não prego o olho e desembarco com olheiras que chegam até os meus joelhos. E coitadas das pessoas que são obrigadas a checar meu passaporte. Exige bastante imaginação deduzir que a pessoa da foto é o mesmo caco que está diante delas. Aproveito para ver todos os filmes possíveis. Num carro, então, nem pensar. Faço a felicidade de quem está dirigindo. Além de ótima navegadora, ajudo a manter a atenção de quem está no volante. Converso (bem, isso eu faço o tempo todo, não precisa ser no banco do carona), chamo a atenção para algumas coisas da estrada e até faço massagens no pescoço do motorista. Se eu mesma estou dirigindo não me importo que os passageiros durmam pois eu mesma não sinto cansaço e adoro dirigir à noite.
Mas é fato que alguma geringonça sempre ajuda. Afinal, quem está no banco de trás, especialmente em cadeirinha, não tem lá muita visibilidade do que acontece lá fora. Se for no terceiro banco, então, vixi! Deve ser um tédio e tanto e aí entendo quando se recorre ao Xanax eletrônico. Sempre me admirou a capacidade que as crianças têm de ver o mesmo filme vezes seguidas — portanto, não é necessário levar todo um acervo de DVDs ou uma superconexão 4G. E, claro, parar de vez em quando para esticar as pernas é sempre recomendável, embora dependendo da criança colocá-la de volta dentro do carro possa não ser uma tarefa fácil.
Ou seja, não sou contra a tecnologia, mas adoro aproveitar os momentos de involuntário confinamento para curtir a família, os amigos ou os filhos dos amigos.
Mudando de assunto: Já começo a me preparar para o jejum de Fórmula 1 que termina daqui a longas três semanas. Depois de Hockenheim acho difícil que Hamilton não seja campeão este ano, já que a Mercedes deve ser a única escuderia na história do automobilismo que não apenas não favorece o piloto de seu país como ainda o prejudica — vide as trocas de pneus do Rosberg, os carros com problemas que só os dele apresentam e especialmente no domingo passado quando eles mesmos aumentaram uma punição de 5 segundos para 8 apenas porque usaram um aplicativo de celular! Domingo aprendi com o Emerson que zebra é “lavadeira” e me irritei com o antipático comentário de Alonso no rádio, desprezando sua equipe. “Não se preocupem. Eu perderei outra posição no próximo pit stop e a recuperarei na pista”. Ele tem todo o direito de reclamar pela lambança dentro de quatro paredes, mas expor seu pessoal dessa forma e para o mundo todo é pouco elegante para dizer o mínimo. E não adianta depois alegar que selecionam as piores mensagens dele, pois ele está cansado de saber que qualquer coisa que diga pode ir ao ar. Mesmo que tivesse sido uma em um milhão foi pouco profissional, antipático, arrogante e contraproducente. E vai contra todos os manuais de como gerir pessoas e equipes.
NG