A discussão em torno da indústria de multas na cidade de São Paulo fica cada vez mais chata. Como já disse, eu mesma dizia que isso não existia. Vejam bem, caro leitor, usei o pretérito imperfeito pois há tempos não acredito mais que não seja um fato. Fui nocauteada pelas evidências. Não basta não cometer infrações para não ser multado na capital. Os vários casos de radares totalmente desregulados provam isso — sempre a favor do poder público e contra o contribuinte.
Leis e normas estapafúrdias vão na mesma direção. Como já disse, basta aprovarem uma lei que nos obrigue a levitar em caso de congestionamento que serei multada. Simples assim. Há coisas que não podem ser cumpridas, não importa o quanto as autoridades achem que sim. Eu posso querer revogar a lei da gravidade e até encaminhar um projeto de lei à Câmara Municipal. Mesmo que os vereadores aprovem, não há a menor chance de as coisas não caírem em direção ao solo apenas porque alguém diz que daqui para a frente será assim.
Pois é, agora que subiram absurdamente os volumes de multas aplicadas o poder público descobre que não tem capacidade para regularizar a situação de quem não cometeu a infração. Em São Paulo estamos na ridícula situação de pessoas que são impedidas de dirigir porque quem deveria fazer esse processamento não o faz com a celeridade necessária. Veja bem, processar no sentido de transferir os pontos de uma CNH para outra, pois processar para emitir as multas é uma atividade que continua sendo desempenhada com vigor olímpico.
As formas de dificultar algo que a lei faculta são igualmente olímpicas. Na teoria, pode-se pedir a transferência de pontos das multas de trânsito por carta – aliás, a informação consta da notificação. Mas o sistema “falha” desde o ano passado embora os condutores não tenham sido informados sobre isso. Não que informar seja o suficiente, seria apenas o mínimo do mínimo do mínimo já que transferir pontos é uma atividade que apenas o órgão público pode fazer e não os condutores. Especificamente, no caso da capital, é um serviço do Departamento de Operação do Sistema Viária (DSV), órgão da Secretaria Municipal de Transportes. E o que diz o DSV? Reconhece que há atrasos “em função do aumento da demanda”. Será que não fizeram conta quando colocaram 103 novos radares na cidade entre janeiro e 15 de junho de 2016? Não que tenham parado de instalar as geringonças desde então, apenas eu escolhi um prazo e parei por aí mesmo.
Como comparação, no mesmo período do ano anterior haviam sido instalados mais 48. Assim, em junho chegamos a 957 aparelhos na cidade. Ou achavam que mais radares não representariam mais multas? Segundo os números da própria Prefeitura, a participação das multas emitidas por radares subiu de 66,4% do total de 2014 para 71% em 2015. E continuam aumentando — os radares e as infrações. O número total de multas emitidas em todo 2014 foi de 1.467.320 e de 2.529.807 em 2015. Mas espere, não ligue agora! Ainda tem as mudanças de normas. Corredor de ônibus que funcionava das 9 às 20 agora é das 7 às 22, por exemplo. E velocidade máxima de ultrassônicos 40 km/h passou para 30 km/h. Entre outros casos o que só poderia aumentar o número de infrações.
Parece a explicação sobre o péssimo estado dos apartamentos da Vila Olímpica no Rio quando chegaram os primeiros atletas. “É que chegaram muitos e todos juntos”. Ora, parece meu marido, que praticamente todo ano compra na última hora meu presente de Natal. É como se subitamente chegasse o dia 25 de dezembro. Nooooossa, que surpresa! Quem poderia imaginar???
A resposta das autoridades é kafkiana. A Secretaria Municipal dos Transportes disse que caso o dono do veículo seja comunicado pelo Detran (Departamento de Trânsito) que ultrapassou os 20 pontos na CNH e se por atraso do DSV não foi registrada a indicação, o condutor deverá ir pessoalmente até um posto de atendimento no Detran – específico, não qualquer um. Tem de ser o Armênia. Lá o motorista enfrenta várias horas de fila e deve solicitar uma declaração e com ela o DSV informa ao Detran o atraso na transmissão dos dados. Na teoria, o documento serve para a defesa administrativa do proprietário do veículo, que sabe-se lá como ele fará. Como perguntar não ofende, pergunto eu: se já sabem que não transferiram os pontos, para que fazer o condutor ir até o Detran pedir algo que eles já sabem para que fiquem sabendo novamente? Lembram do amigo suíço do meu pai? Aquele que ao ver uma placa que dizia “cuidado, curva perigosa” perguntou candidamente: se sabem que é perigosa por que não consertam? Para mim é a mesma coisa.
Surpresa? Não para mim e não deveria ser para as autoridades. O mesmo pode acontecer em outras cidades, embora em infinitamente menor proporção. Brasília, por exemplo, registrou aumento de 13,69% no volume de pedidos de transferência de pontos de janeiro a junho deste ano comparado com o mesmo período do ano passado. Foram registradas 29.312 solicitações no Detran-DF de janeiro a junho deste ano. No total, nos primeiros seis meses do ano houve 850.982 autuações aplicadas por fiscais de trânsito dos vários órgãos no DF. No caso de São Paulo, o problema está no âmbito municipal apenas já que multas estaduais em São Paulo podem ser transferidas pela internet, escaneando e enviando o formulário. Sem filas nem atrasos.
Mas na capital de São Paulo estava mais do que anunciado o que iria acontecer. Já no final de 2015 as autoridades reconheceram que naquele ano os pedidos de transferência de pontos haviam aumentado 35% em relação a 2014. Em 2015 o volume de condutores que ultrapassou os 20 pontos cresceu 88,9% em relação a 2014. Novamente, será que não existe mesmo uma indústria de multa e que os motoristas paulistanos ensandeceram? Esqueceram como se dirige? Detalhe: estou citando apenas números e porcentagens divulgados pelas mesmas autoridades municipais, sem sequer contestá-los ou refutá-los. Ou seja, eles já sabiam aquilo que eu sei. Mas o Papai Noel já chegou? Em pleno 24 de dezembro? Quem diria…
Mudando de assunto: Meu marido me proibiu de ver notícias sobre as Olimpíadas – só posso ver as provas pelo bem da minha saúde. É que acabo me irritando muito não apenas com a organização, mas principalmente com as justificativas. Piscina “verde Schrek” por excesso de chuva e falta de vento? Mas por que a do lado estava normal? O vento desviou? A nuvem estacionou apenas do outro lado? E cinco dias depois uma novidade: Química não é uma ciência exata. Mas Física também não parece ser o forte por aquelas bandas. Estava eu assistindo as provas de ginástica artística, modalidade que adoro e que já pratiquei, quando se quebrou o cabo de uma câmera suspensa, do tipo “spider cam”. Ela fez um pêndulo, mas somente uma pequena parte do passeio logo abaixo do monstrengo havia sido isolada. Será que eles acharam que ela somente iria cair reto, mesmo quando ainda tinha um cabo? Pois bem, requererei meu diploma do segundo grau de volta já que cursei Exatas. Mas vai ver que estudei outra coisa, pois eu sei coisas que eles não sabem.
NG