A Labace 2016 foi a 13ª edição dessa exibição tão importante, realizada entre 30 de agosto e 01 de setembro, e se apresentou menor que a do ano passado, quando havia 52 aeronaves. Esse ano, diminuiu para 43, ainda mais longe do recorde de 2012, que teve 70. A situação da economia fez a frota da aviação de negócios crescer apenas 1,2% em 2015, número positivo, explicado pelo tempo que leva entre uma compra e a entrega e registro de aeronaves, algo em regra que leva vários meses. O resultado de 2016 deverá ser pior, já que o reflexo da situação demora muitos meses para aparecer na estatística. Hoje o Brasil tem 15.290 unidades de aeronaves na chamada aviação geral.
Labace é um acrônimo para “Latin America Business Aviation Convention and Exhibition” (Convenção e Exibição de Aviação de Negócios da América Latina, numa tradução livre). Deve ser entendido que ‘negócios’ no Brasil é mais usado como ‘executivo’, termo habitual para aviões particulares, notadamente os movidos por motores a reação. Acontece que muitos utilizam aviões com motores a pistão ou turbo-hélices também para trabalho, e por isso qualquer avião que não seja de linhas aéreas regulares, operado por empresas de transporte aéreo, podem ser encaixados na categoria aviação de negócios, inclusive helicópteros qualquer porte.
A mostra é organizada pela Abag — Associação Brasileira de Aviação Geral — e o termo ‘geral’ é muito mais adequado do que ‘de negócios’ ou ‘executiva’, já que abrange tudo que voa fora das linhas aéreas.
Ano passado presenciei a apresentação do HondaJet pela primeira vez no Brasil, e agora lá estava ele novamente, outro exemplar, com pintura mais discreta, em verde escuro, mas igualmente chamativo e maravilhoso em seu desenho todo composto de curvas concordantes. Já totalmente certificado pela FAA (Agência Federal de Aviação dos Estados Unidos), é apenas questão de (pouco) tempo para que os compradores comecem a recebê-lo aqui no Brasil.
Uma ausência sentida foi o primeiro jato da Pilatus, o PC-24, que já havia sido mostrado como maquete ano passado. Eu esperava que ele viesse agora, mas não aconteceu. O avião tem o desenho tradicional de dois motores na cauda, mas tem o atrativo de uma estrutura e trem de pouso que permitem operar em pistas sem pavimentação. A empresa diz que são cerca de 21.000 pistas que podem ser usadas por ele no mundo todo, mais do que o dobro de seu principal concorrente (não especificou qual), que só opera em pistas de concreto ou asfalto.
Mas a Pilatus, fabricante suíço que tem longa história, trouxe o PC-12 mais moderno, NG, que tem entre diversas melhorias a hélice de pentapá da Hartzell, fabricada em compósito de grafite, que melhorou o desempenho em subida e velocidade de cruzeiro. Em linhas gerais, mais pás em uma hélice significam maior tração para uma mesma potência. Com essa hélice, a velocidade de cruzeiro subiu de 500 km/h para 528 km/h, e a de estol — quando a sustentação é menor que o peso — apenas 124 km/h, baixíssima para um avião de 4.740 kg de peso máximo. Aliás, aviões de decolagem e pousos curtos são uma especialidade da Pilatus, já que o local onde a empresa nasceu, a Suíça, é mundialmente reconhecida pelas montanhas dos Alpes, e pistas longas não são as mais comuns por lá.
O mercado de aeronaves também sentiu a situação econômica brasileira fortemente piorada dos últimos anos, e a Líder, representante da HondaJet e da Learjet, foi clara em divulgar que não foi vendido nenhum avião novo esse ano de 2016, mas que o mercado de usados manteve a empresa em saúde normal. A manutenção do que se possui é sempre uma boa alternativa quando comprar algo novo não é possível, e com suas oficinas certificadas, a Líder mantém um padrão ótimo para seus clientes. Havia a representação também da marca canadense Bombardier, mas agora esta não mais está sob a Líder Aviação. Ausência sentida foi algum modelo dos Learjet, um sinônimo de avião executivo, infelizmente não presente este ano.
Tradicional no mercado aeronáutico do Brasil, a Líder tem vários serviços além de vendas e manutenção. Há também seguros, treinamento de pilotos e mecânicos, transporte por helicópteros em operações off-shore (plataformas de petróleo), fretamento, que é muito usado para quem precisa de velocidade de deslocamento mas não possui um avião, e uma modalidade surgida há alguns anos e que está retornando com mais força agora, o sharing, ou compartilhamento. Através de planos de adesão e pagamento de mensalidades, uma pessoa ou empresa pode ter uma aeronave à disposição, desde que reserve com certa antecedência, economizando a compra e manutenção, pagas pelas mensalidades e pelo tempo de uso. É uma alternativa perfeita para quem quer a agilidade de um avião à disposição, mas não quer ou não pode arcar com todos os custos deste.
O mais movimentado estande da Labace sempre é o da TAM Aviação Executiva, com muitas aeronaves. Com a representação brasileira para os Cessna e os helicópteros da Bell, agora nesse ano os Beechcraft passam a fazer parte da operação, e entram sob sua responsabilidade aviões muito utilizados por aqui, como o bimotor turbo-hélice King Air, um verdadeiro clássico na faixa dos aviões utilitários e que são usados também para transporte de negócios. O bimotor tem alcance de até 2.965 km totalmente carregado com 10 pessoas mais um piloto e bagagem, e voa em cruzeiro a 578 km/h, uma bala!
Outro avião importantíssimo dessa marca é o Bonanza G36, aeronave que é detentora do título de maior tempo de produção contínua da história da aviação, pois voou pela primeira vez em 1947, sendo sempre modernizado. Ele estava lá, com seu desenho se não moderno, com uma presença impressionante, recheado com aviônica no estado-da-arte, como o painel Garmin G1000. O Bonanza tem números superlativos, como velocidade de cruzeiro de 326 km/h com apenas 304 cv no motor Continental IO-550, e precisando menos de 300 metros para decolagem e pouso carregado, podendo levar seis pessoas.
Os menores jatos da Cessna estavam presentes, como o Mustang, o caçula da linha e o Citation M2, além dos maiores Latitude e Longitude. Os modelos maiores, o mais novo Hemisphere e o já decano Citation X+ (dez plus), que voou pela primeira vez em 1993 — parece que foi ontem! — o mais veloz de todos os jatos executivos do mundo, com velocidade de cruzeiro de 978 km/h a 10.700 metros, não apareceram, infelizmente. Mesmo não estando presente, não posso deixar de colocar aqui duas fotos dessa máquina primorosa, na esperança que ano que vem ele esteja na exposição.
Outra aeronave notória é o Cessna Grand Caravan, monomotor turbo-hélice que é o mais conhecido da categoria que chamo livremente de “caminhões leves voadores”. Pode efetuar uma grande variedade de missões, transportando carga ou pessoas, e voa em todos os cantos do mundo. Suas soluções são práticas por toda aeronave, como o trem de pouso fixo, com as pernas do tipo Wittman, criação genial de Sylvester Joseph “Steve” Wittman (1905-1995). A perna tem a função tripla de estrutura, mola e amortecedor, feita em aço, e de simples manutenção. Uma das grandes invenções da aviação, em todos os tempos. O painel mescla a tecnologia das telas que juntam dezenas de instrumentos e informações com os tradicionais velocímetro, altímetro, horizonte artificial e torque da hélice analógicos, com ponteiros, demonstrando que é sempre bom ter instrumentos redundantes, já que todas essas informações também existem no conjunto de aviônica de painel Garmin G1000.
Além disso, o desenho geral é tradicional, todo plano e sem enfeites, se aproximando de aeronaves militares, algo que o Caravan também é — inclusive na Força Aérea Brasileira — que exigem facilidade de visualização e acesso de componentes para rápida manutenção.
Ele opera em pistas de terra ou grama, com 500 metros, não necessitando mais de 426 metros de corrida de decolagem com carga máxima, e pousa em 306 metros. Desenho de asa de grande sustentação, potência da turbina Pratt & Whitney PT6 e uma estrutura muito robusta o fazem um dos mais versáteis aviões do mundo.
O Caravan é um produto balizador desse mercado, e foi inspirador para outras marcas, gerando aeronaves com conceito muito parecido. Um deles é o Quest Aviation Kodiak, que este ano também não estava presente à Labace, ao contrário de 2015.
A Daher Socata é a empresa francesa que fabrica o TBM. A Socata existe com esse nome desde 1966, tendo sua origem muito antes, com a Morane-Saulnier em 1911. Tem um histórico de dezenas de modelos civis e militares, e fabrica também partes estruturais para outras empresas, entre elas a Boeing e a Embraer. No Brasil, representado pela Algar Aviation, os dois modelos atualmente fabricados são o 900 e o 930, monomotores de seis lugares mais um piloto, com aviônica Garmin que pode ser escolhida entre a G1000 ou G3000, esta com capacidade de tela tátil. Esses aviões são velozes, 611 km/h em cruzeiro rápido ou 467 km/h para longo alcance, de 3.304 km, e consomem 220 litros por hora na turbina Pratt Whitney PT6, bem guardada debaixo do longo nariz do TBM, tracionando uma hélice também pentapá como do Pilatus, uma tendência. O TBM é invocado, capô longo, fuselagem curta, lembra um avião de corrida, ou um muscle car típico dos anos 70. Lindíssimo para mim.
A linha de aviões da Embraer também estava na Labace, com os Phenom 100 e 300, e os Legacy 650, 600, 500 e 450. O Lineage 100 é o topo da gama, e infelizmente não veio. A Embraer se destaca por ter o modelo mais vendido do mundo na categoria dos executivos, com o Phenom 300, entre 2010 e 2015, com 70 unidades entregues apenas nesse último ano. Além de prêmios consecutivos tanto na área de serviços de manutenção disponíveis em todos os continentes, quanto o de melhor avião no balanço preço-desempenho-manutenção.
A Bombardier é a mais ferrenha concorrente da Embraer. As notícias sobre embates entre as duas na WTO, World Trade Organization (Organização Mundial do Comércio) estão nas páginas dos noticiários há muitos anos, devido às vendas dos jatos de tamanho pequeno e médio para empresas de linhas aéreas. Na faixa dos jatos executivos a briga também é intensa. Dois modelos da marca canadense estavam na Labace, o Global 6000 e Challenger 350.
A americana Gulfstream, de Savannah, estado da Geórgia, é famosa por seus aviões muito grandes, e o topo da linha estava em exibição. O G650ER (extended range – alcance estendido), tem autonomia de até 13.890 km, algo como ir de São Paulo a Moscou direto, voando a Mach 0,85, 85% da velocidade do som, 904 km/h.
Entrar em um avião desses é se desligar do duro mundo real e imaginar a vida quando dinheiro não é problema. O G650ER custa ao redor de US$ 66 milhões, dependendo do padrão de acabamento interno que se escolher, completamente personalizável, e dos equipamentos eletrônicos, como o tipo de banda larga de internet, sistema de televisão via satélite, equipamento de aviso de relâmpagos, entre muitos outros. Estado da arte, sem nenhuma dúvida.
Como é de praxe, a manutenção é algo vital em aviões, e a Gulfstream está estabelecida em Sorocaba (SP), com sua oficina e um estoque de peças avaliado em US$ 10 milhões, para que nenhum avião operando no Brasil fique parado mais do que o necessário.
O maior concorrente da Gulfstream é a francesa Dassault, que tem sua linha de jatos de negócios batizada com o nome de Falcon, indo do bimotor 2000S de 10 passageiros e 28 milhões de dólares, até o novíssimo trimotor 8X, que fez sua primeira aparição no Brasil. Este pode levar até 16 passageiros e tem alcance máximo de quase 12.000 km voando a 15.500 metros de altitude, números superlativos. O preço é ao redor de 58 milhões de dólares. Tem tudo do bom e do melhor, como os Gulfstream. A Dassault tem a seu favor o histórico dos aviões militares, o mais importante deles a família Mirage, mundialmente utilizada na paz e na guerra, e uma presença mundial para manutenção, assunto sempre importantíssimo em aeronaves.
Uma foto do painel de instrumentos do 8X e a foto de cauda dá a dimensão da classe e porte dessa obra magnífica da genialidade humana.
O modelo pouco menor do 8X é o 7X, cuja manobrabilidade exemplar pode ser vista no vídeo gravado ano passado nas corridas aéreas de Reno, Nevada, evento anual que congrega fanáticos e apaixonados. A Dassault aproveitou este palco onde a velocidade e manobrabilidade são regras básicas e levou seu avião para mostrá-lo em condições parecidas com as vistas nas competições — voo baixo e curvas apertadas — uma iniciativa de marketing bem diferente do normal para aviões executivos. Essa capacidade de voar lento e com segurança é ponto de honra da marca, que usa todo seu conhecimento adquirido também nos aviões militares para tornar a linha Falcon melhor a cada atualização ou lançamento de novo modelo.
Veja este interessante vídeo, contrastando os antigos e modificados aviões de corrida a pistão e o moderníssimo jato:
A Piper é um fabricante de aeronaves leves dos mais bem conceituados, e apenas um Matrix estava exposto, trazido pelo representante J.P. Martins Aviação, empresa bastante tradicional do mercado nacional, fundada em 1965. O Matrix é um dos aviões da linha, e voa a 395 km/h por 2.487 km, tem o maior volume interno entre os aviões de seis lugares, e um radar meteorológico instalado em casulo sob a asa direita, um valiosíssimo equipamento de segurança. Seu peso máximo de decolagem é também bastante elevado para a classe dos monomotores, com 1.969 kg, sendo 615 kg de carga útil, ocupantes mais bagagem. Sua aerodinâmica é apurada, pois essa velocidade ótima é conseguida com apenas 350 hp do motor Lycoming com dois turbocompressores. Ajuda muito nesse desempenho a hélice tripá, de desenho similar às pentapás do Pilatus e do TBM, sendo todas da Hartzell.
Muito interessante é o Vulcanair Observer, um bimotor de asa alta com grande parte da seção à frente dos pilotos transparente, permitindo voar a 298 km/h com a visibilidade quase de um helicóptero, e levando 680 kg de carga útil. Esse avião foi projetado pela Partenavia, empresa italiana que teve falência decretada e foi comprada pela fabricante de peças Vulcanair no final dos anos 1990. O avião faz parte da linha P.68, que tem vários outros modelos para uso particular, mas o Observer é o mais interessante, tanto pela capacidade de decolagem e pouso curtos, operando em pistas de pouco mais de 200 metros, e pela visibilidade, o que o faz ser usado por forças militares e de policiamento em vários países, entre eles as polícias de Nova York, da Inglaterra e a Marinha do Chile.
Outra ausência notada foi o Sikorsky M28, bimotor de cauda dupla, utilitário, que pode levar 19 passageiros ou 17 paraquedistas ou 2.300 kg de carga, decolando em 528 metros e pousando em 500 metros. E tudo isso projetado no começo da década de 1980 pela russa Antonov, sendo lançado como An-28 e depois passando à polonesa PZL Mielec, outra empresa muito antiga, que foi adquirida posteriormente pela americana Sikorsky, empresa fundada pelo criador do helicóptero, o russo-americano Igor Sikorsky (1889-1972), mas que também fabricou vários aviões no passado. Veio apenas uma maquete em tamanho grande, mas ficamos salivando para ver a máquina ao vivo. Quem sabe em 2017.
Nos helicópteros, a Helibrás trouxe o mais curioso dos displays, um sistema de transmissão completo desde o motor até o rotor de cauda, com a árvore deste encurtada para ocupar menos espaço, era possível visualizar em corte o conjunto, e ouvir a explicação do engenheiro de manutenção Benedito R. Silva, que com a empolgação típica dos apaixonados por mecânica me disse que o conjunto foi todo montado com peças já fora de uso, e feito por ele nas horas de folga, tendo custo zero para a empresa e trazendo uma perfeita explanação do sistema para quem não participa desse mundo e nem está acostumado a ver algo que, sem conhecer de perto, pode parecer tão misterioso.
Benedito também mostrou uma pá de rotor principal com vários estágios de um conserto, algo muito interessante. As pás são feitas com uma alma estrutural de compósito de fibra de carbono, revestimento em fibra de vidro, bordo de ataque em aço inoxidável, e preenchendo os vazios, espuma de poliuretano, que evita o afundamento da fibra de vidro em caso de impactos, além de amortecer vibrações. Nos procedimentos de reparo está claro que o peso total de uma pá antes e depois de um reparo deve ser idêntico, para não permitir que ocorram vibrações por desbalanceamento.
O clássico Bell Jet Ranger já não atende mais por esse simpático nome, mas suas evoluções não param, Estava exposto o 407 GXP, que pode levar sete pessoas a 256 km/h até uma distância máxima de 676 km. Tem peso máximo de decolagem de 2.268 kg, e uma suíte de aviônicos Garmin G1000H, com simplificação de instrumentos e muito mais recursos e informações do que se sonhou quando o primeiro Jet Ranger voou, há 54 anos. Hoje ele é totalmente diferente, mas mantém o desenho básico, com o nariz pontudinho e a traseira da fuselagem com ângulo típico e elegante.
A Power Helicópteros trouxe para a Labace a última versão do famoso Ecureil, aqui no Brasil conhecido como Esquilo e fabricado pela Helibrás. Trata-se do Eurocopter/Airbus EC-130, que tem a fuselagem larga como atração visual principal, podendo levar 7 pessoas inclusive o piloto. Em velocidade de cruzeiro de 236 km/h, tem alcance máximo de 616 km.
Uma palestra sobre conceitos básicos de aeronaves que serve como introdução à engenharia aeronáutica foi apresentada no primeiro dia da exposição. A organização adicionou os slides no site da Abag, que pode ser acessado aqui. Vale a pena dedicar um tempo para uma leitura atenta e observação das imagens. A apresentação é muito bem feita e completa.
Façamos votos que no próximo ano a Labace seja ainda maior.
JJ