Um carro híbrido, com dois motores, um a gasolina e outro elétrico, sobre o qual muita gente escreve e fala coisas assustadoras, como ser o antiautomóvel, que é tido como apenas uma resposta para um problema que não existe, um carro sem graça, que não tem nada de entusiasmo. Será mesmo?
Há algumas semanas o Josias Silveira fez uma avaliação do Prius, e disse que gostou muito do carro. Por motivos de agenda, não conseguimos andar naquela unidade, mas agora andamos alguns dias com outro Prius, e fizemos um vídeo para mostrar mais detalhes. Na matéria do Josias, que pode ser vista aqui, há mais fotos e informações.
A primeira impressão poderia ser de desânimo, com uma bateria grande debaixo do banco traseiro, sem embreagem e sem uma bela alavanca de câmbio manual. Silencioso, normalmente ao ser ligado apenas acende algumas luzes e um aviso no painel, em verde, “READY” ( Pronto) — pronto para quê, se não tem ruído nenhum de motor? Pronto para deixar ecologistas e ecochatos felizes? E quem gosta de um motor roncante, rosnante, uma carroceria que se move ao se acelerar o motor, faz o quê? Chora?
Não chega a tanto, mas eu quase chorei ao pegar o carro pela primeira vez, não por ele, mas pelo meu despreparo antes, pois não tive tempo de ler o manual, apanhando um pouco até descobrir que o carro estava ligado, e perceber que o freio de estacionamento era um pedal extra, que eu não enxergava pois estava escuro no local. Mas consegui, e depois, me diverti vendo outras pessoas sofrendo um pouco com esse procedimento sem ruído de motor. Alguns manobristas de estacionamento que não conheciam o carro foram meu alvo principal, no bom sentido.
Um comitê de quatro deles tentou fazer o carro andar mas não conseguiu, e deixei-os pensando um pouco antes de intervir. Um outro, de mais idade, me chamou de volta quando eu me afastava para que eu manobrasse o carro eu mesmo. E eu pensava que o Prius era mais conhecido, já que vários rodam como táxis em São Paulo há pelo menos três anos.
Não há conta-giros do motor a gasolina, nem indicador de temperatura dele, dificultando mais ainda os novatos entenderem o que está ligado.
Mas depois de alguns poucos minutos andando é fácil perceber que aqui quase tudo é diferente, embora nada faça o motorista ter que aprender alguma nova maneira de dirigir, exceto o costume de ligar e não ouvir nada. O Prius se usa como um carro normal. O motor elétrico tem torque em rotação mínima, teoricamente zero rpm, na prática, entendemos como “encostou o pé no acelerador, força máxima”, depois que está aumentando de velocidade, o torque vai diminuindo. Isso combina perfeitamente com um câmbio CVT que otimiza um funcionamento de passagem de potência do motor para as rodas exatamente assim.
A velocidade máxima divulgada pela Toyota é de 165 km/h, e o Josias escreveu que a 150 km/h havia ainda bastante acelerador, e que o carro não estava sendo forçado. Em uma das avaliações publicadas nos EUA, a velocidade máxima é de 112 mph, o que dá 189 km/h. Se considerarmos diferenças de combustível e de alguma variação de potência entre unidades, e sendo pessimista, dá para dizer que ele chega a 180 km/h tranquilo.
Desse jeito, a arrancada é forte para a potência combinada de 123 cv. Os 72 cv do motor elétrico, e mais os 98 cv do motor a gasolina de ciclo Atkinson, que tem o tempo de válvulas de admissão maior que num ciclo Otto. Não sabemos – e pesquisamos bastante – porque a potência total de 123 cv não é maior, não é a soma das duas, o que daria 170 cv. Essa é uma informação que a Toyota não divulga. Sobra a especulação.
Acredito que seja por dois motivos. O primeiro, economia, evitando consumos maiores e uma mais forte crítica dos que não acreditam nos híbridos, já que o consumo tenderia a ficar mais próximo de carros apenas com motor a combustão. Uma outra, também possível, é o resguardo de carga de bateria, que é carregada pelo gerador movido pelo motor a gasolina. Menos carga elétrica, mais trabalho do motor a gasolina, e maior consumo. Mas, como disse, é especulação apenas.
Mas a verdade é que o Prius funciona de uma forma perfeita, sendo uma prova que engenharia de veículos faz carros que podem atender missões complicadas. Os modos de operação dos dois motores, a união dos dois por um conjunto mecânico e a entrega de potência pela transmissão CVT para as rodas, a forma como trabalham, e a suavidade disso tudo, é coisa de deixar qualquer um impressionado. Não existe nenhum tipo de balanço, tranco ou “cabeçada”, nem entrando o motor a gasolina em ação, nem ao ser desativado.
Há junto do CVT um conjunto de engrenagens que divide e direciona as forças, do motor elétrico para a polia do CVT quando se acelera, ou passa a força que vem das rodas para o CVT e daí para o gerador quando não se está acelerando, e recebe potência do motor a combustão e mais o elétrico para o CVT, quando se acelera além de certo ponto e se precisa de potência maior.
Pode-se ativar a posição “B” na alavanca de câmbio para aumentar o efeito de freio do motor elétrico gerando energia nesse momento, que serve para segurar mais o carro em descidas e aumentar a capacidade de regeneração de energia dos freios. Nessa posição, energia vem das rodas para a bateria mesmo que não se esteja freando, mas apenas sem o pé no acelerador.
O local onde esses fluxos de energia são trabalhados é a PCU, power control unit (unidade de controle de potência), uma caixa sobre o motor elétrico e do lado esquerdo do motor a gasolina que é um autêntico sanduíche de tecnologia. Vejam nas imagens abaixo os componentes do sistema.
Prius tem significado em latim: primeiro, aquele que vem antes dos outros. Também existe uma explicação mais colorida, dita pelo ex-chefe de Design da Toyota, Tomio Yamazaki. Segundo ele, cada letra tem um significado. P – presença, R – radical, I – ideal, U – unidade, S – sofisticado.
Seja lá qual for o correto, o objetivo do carro é claro. Ele é o que se chama de tour de force tecnológico. Ou technology showcase. Um demonstrador prático da capacidade intelectual da Toyota. Uma das provas que isso não é apenas conversa de propaganda, é a eficiência termodinâmica do motor a gasolina, que a Toyota informa como sendo de 40%, número próximo de motores de ciclo Diesel.
INTEGRAÇÃO PERFEITA
Dirigir o Prius é como fazê-lo com um sedã médio como tantos outros. O que choca, sabendo-se tratar-se de um híbrido, é constatar a harmonia entre os motores a combustão elétrico, como se fossem feitos um para o outro. Quanto mais sendo possível visualizar no painel o fluxo de corrente elétrica, de onde ela vem para que as rodas motrizes dianteiras sejam acionadas, e quando a bateria de tração está sendo carregada. Instrutivo e divertido.
Agrada também saber que o start/stop (liga/desliga motor nas paradas) é verdadeiro e não artificial como nos carros de motor a combustão. Quando para é porque o motor elétrico realmente parou de funcionar. Como um trólebus ou um trem de metrô, não porque um sistema “matou” o motor.
É bom também não sentir o pequeno tranco com leve ruído do pinhão do motor de partida engatando na cremalheira do volante do motor, pois quem se encarrega de acionar o motor a combustão para colocá-lo em funcionamento é o próprio motor elétrico. Acionamento do motor a combustão totalmente silencioso.
O Prius é mesmo uma maneira diferente de se pensar em automóvel, viável, associada à liberdade que só um carro com motor a combustão proporciona. “Low fuel” diz que é preciso encontrar um posto, ao contrário de “Low battery” dos carros puramente elétricos, em que é preciso achar rapidamente uma estação de carga e perder 30 minutos, na melhor das hipóteses, para continuar a marcha. Carro não é telefone celular.
Bob Sharp
Lançado em 1997, imagine que já são mais de 5,7 milhões de Prii (esse é o plural) pelo mundo. E somando os outros modelos híbridos da Toyota, são 9 milhões de veículos produzidos até 30 de abril de 2016, data em que o número foi atingido. São números que impressionam realmente e mostram que o assunto híbrido na fabricante japonesa é sério.
No catálogo de informações do Prius há dados interessantes, além desses números. Enfatiza o coeficiente de arrasto de 0,24, mostra o consumo oficial do Inmetro — 18,9 km/l na cidade e 17 km/l na estrada —, informa que pode chegar a até 813 km de autonomia e 52% de economia de combustível comparado a um carro hatch médio com motor de mesma cilindrada, 1,8 litro.
Fala também da sustentabilidade, dizendo que segundo estimativas, os híbridos da Toyota contribuíram com o ambiente, deixando de emitir algo da ordem de 67 milhões de toneladas de CO2 e 25 milhões de litros de gasolina desde 1997, ano em que o primeiro híbrido da marca, justamente o Prius, foi colocado à venda.
Mas isso tudo é marketing, e nós gostamos mais de carros do que de belas frases publicitárias, e considerando isso, andamos com ele durante uma semana.
Como carro e não como pacote ecológico, o Prius é muito bem feito. Não é um carro de luxo, mas todas as peças nas quais tocamos e convivemos são bem feitas, como todo interior, muito confortável e agradável, espaço ótimo, tendo o mesmo entre-eixos do Corolla, 2.700 mm. Não há nenhum tipo de ruído de peças em contato e movimento relativo. Ruído de vento é inexistente até mesmo nos quadros das portas, ponto sempre crítico. As portas fecham com suavidade e perfeição. A tampa traseira – liftback – não precisa ser batida. De menos de 10 cm de altura, é só soltar e ela fecha com precisão, suavidade e silêncio.
O monobloco é rígido à torção, não apresentado nenhum ruído ao passar em valetas, lombadas, buracos ou calombos de qualquer tipo. O vidro vigia dividido é um toque visual diferente, e gostei demais dele. Na chuva é engraçado ver a parte superior inclinada toda molhada e a parte vertical seca. Os espelhos retrovisores tem campo visual ótimo. Ruim apenas em manobras apertadas pela extremidade externa pontuda, que alarga mais ainda o carro e incomoda em garagem com vagas apertadas como a do meu prédio. Essas pontas poderiam ser eliminadas e não fariam falta alguma.
O para-brisa é enorme e bem inclinado, o que requereu um filtro de raios infravermelhos, colaborando em menos aquecimento e menos exigência de trabalho do ar-condicionado. Este tem a possibilidade de ser selecionado no modo com passageiros apenas na frente ou na frente e atrás, assim na posição automática não ficará trabalhando mais do que o necessário para refrescar pessoas que não estão no carro.
Os bancos são revestidos no que se costuma dizer couro sintético, termo que os produtores de couro dizem ser um erro de linguagem, pois couro é algo orgânico. Se chama Softex e é bastante confortável, me parecendo menos quente do que couro real. Também não escorrega tão fácil, ajudando muito a sentir bem as reações do carro, um ponto importante para quem aprecia dirigir. Nisso o desenho dos bancos ajuda muito, pois retém o corpo na posição. Olha aí o carro híbrido colaborando com o entusiasmo!
Na frente a posição de dirigir é muito boa, ficando apenas a ressalva de que o volante poderia ser um pouco mais alto, para mim, uns 50 mm. Mas isso é gosto pessoal, a maioria das pessoas não se incomodará com isso. Os ajustes de altura e reclinação são feitos pelas alavancas com mola que são padrão na indústria japonesa, e usado em muitas outras marcas, mas que são desagradáveis de usar, e tomam mais tempo para acertar a posição do que ajustes de manopla giratória. Há regulagem lombar para a base das costas, e esse é o único ajuste elétrico do banco.
A suspensão dianteira McPherson trabalha firme, confortável e sem ruídos, mesmo sem os batentes hidráulicos de distensão, como comum em carros importados. Ela é silenciosa mesmo em pancadas em buracos e valetas absurdas, daquelas de “doer os dentes”. Na traseira, uma multibraço no mesmo padrão de qualidade e eficiência. No vídeo fica mais claro essa explicação, bem como é fácil ver que o carro é muito fácil de dirigir, muito estável e seguro, rolando pouco, apoiando bem na entrada de curva e seguindo tranquilo até a saída, mesmo em velocidades altas para cada situação.
A posição da bateria ajuda bastante, pois nessa 4ª geração ela foi movida do interior do porta-malas para baixo do banco traseiro, ou seja, está mais próxima do solo e agora entre eixos.
Nada é perfeito, e visualmente o Prius não agrada a todos. Muitos acham a traseira desagradável, mas para mim é ótima. Os vincos da dianteira e a forma dos faróis chamam muito a atenção. Foi um dos carros que andamos que mais virava cabeças pelas ruas, mesmo na cor branco perolizado com efeito bem discreto, passando por branco sólido na maioria das condições de luz. A Toyota estilizou essa 4ª geração do Prius para que ele fosse mais notado, e conseguiu, mesmo sem uma cor chamativa.
O pior ponto visual são as calotas sobre as rodas de liga leve, que estão lá por motivo aerodinâmico. O desenho dessas calotas está longe de ser agradável, e a borda forma um degrau com o pneu que parece que a calota está saindo, ou que não assentou na roda. Não é questão de gosto pessoal, é algo mesmo estranho. Uma calota de desenho mais futurista combinaria mais com o desenho geral, ou mesmo uma roda de liga de desenho aerodinâmico e sem calotas, o que seria mais lógico, pois seria menos peso.
Há um bom porta-malas, com cobertura enrolável levíssima, estepe e ferramentas no assoalho, dentro do carro, pneu e roda idênticos aos rodantes, tudo alojado em um berço antirruído e com vários porta-objetos, inclusive um circular em forma de tigela, que fica dentro da roda, apenas levemente encaixado, e que, brincando, disse ser perfeito para deixar dentro do carro quando se tem crianças pequenas com estômago sensível.
Brincadeiras à parte, fiquei e estou ainda bem impressionado. E como engenheiro, fico mais impressionado ainda, pois o produto final é notável. Mesmo que conceitualmente eu não devesse gostar dele, eu gostei, e muito. Mesmo sendo a pessoa que um mês antes de ter o primeiro contato com um Prius trocou o carburador do motor VW a ar de sua gaiola e ficou feliz ao extremo por isso, tanto pela facilidade quanto pelo resultado. E disse para mim mesmo, simplicidade é uma delícia. Mas tecnologia também é, desde que coesa e bem-feita, o que é o caso exato do Toyota Prius.
JJ
FICHA TÉCNICA TOYOTA PRIUS | |
MOTOR A COMBUSTÃO | |
Denominação | 2ZR-FXE |
Tipo | 4 cilindros em linha, dianteiro transversal, bloco e cabeçote de alumínio, duplo comando de válvulas, 4 válvulas por cilindro, ciclo Atkinson, gasolina |
Instalação | Dianteiro, transversal |
Diâmetro x curso (mm) | 80,5 x 88,3 |
Cilindrada (cm³) | 1.798 |
Aspiração | Natural |
Taxa de compressão (:1) | 13 |
Potência (cv/rpm) | 98/5.200 |
Torque (m·kgf/rpm) | 14,2/3.600 |
Formação de mistura | Injeção multiponto |
MOTOR ELÉTRICO | |
Tipo | Síncrono de ímã permanente |
Potência (cv) | 72 |
Torque (m·kgf) | 16,6 |
Potência máxima combinada (cv) | 123 |
Bateria | Níquel-hidreto metálico (NiMH), 28 módulos |
Tensão máxima (V) | 201,6 |
TRANSMISSÃO | |
Rodas motrizes | Dianteiras |
Câmbio | Automático CVT |
Relações extremas (:1) | n.d |
Relação de diferencial (:1) | 2,834 |
FREIOS | |
De serviço | ABS (obrigatório), distribuição eletrônica das forças de frenagem, assistência a frenagem |
Dianteiro (Ø mm) | Disco ventilado/225 |
Traseiro (Ø mm) | Disco/259 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | McPherson, mola helicoidal, amortecedores pressurizados e barra estabilizadora |
Traseira | Multibraço, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira eletroassistida indexada à velocidade |
Diâmetro mínimo de curva | |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio 6,5Jx15 |
Pneus | 195/65R15 |
PESOS (kg) | |
Em ordem de marcha | 1.400 |
Carga útil | 380 |
Peso bruto total | 1.780 |
CARROCERIA | |
Tipo | Sedã, monobloco em aço e alumínio, 4 portas, 5 lugares |
DIMENSÕES EXTERNAS (mm) | |
Comprimento | 4.540 |
Largura sem/com espelhos | 1.760/n.d. |
Altura | 1.490 |
Distância entre eixos | 2.700 |
Bitola dianteira/traseira | 1.530/1.545 |
Altura do solo | 136 |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente de arrasto (Cx) | 0,24 |
Área frontal calculada (m²) | 2,23 |
Área frontal corrigida (m²) | 0,535 |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 412 (697 com banco rebatido) |
Tanque de combustível | 43 |
DESEMPENHO | |
Velocidade máxima (km/h) | 165 |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 11 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL (INMETRO/PBEV) | |
Cidade (km/l) | 18,9 |
Estrada (km/l) | 17 |
PREÇO (R$) | 124.000 |
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