“Minha paixão pelo Dodge Viper é bem conhecida dos leitores, e grande parte dela vem do fato de que o Viper, em sua atual forma, é absolutamente e completamente previsível. Se você mover o acelerador cinco por cento, você recebe cinco por cento mais motor. Tente a mesma manobra em um McLaren, BMW ou Ferrari, e você pode acabar jogando roleta com o turbo. ” – Jack Baruth, Road&Track
Não sei vocês, mas eu fico totalmente abestado em como as coisas mudam com o tempo. Peter Frampton é um velhinho careca agora. Pontiac, Plymouth, Saab e Mercury não existem mais. A Jaguar tem dono indiano, e a Volvo, chinês. Gibis de super-heróis agora são agora um negócio cinematográfico multimilionário. Fotos não precisam mais ser reveladas. Não existe mais comunismo na Rússia. E turbocompressores são usados para reduzir consumo de combustível!
Eu experimentei um turbocompressor pela primeira vez no início dos anos 90. Era uma VW Saveiro de um amigo, com um turbo gigante, parecendo algo que nasceu num ninho de caminhões Scania, pendurado no coletor de escapamento do coitado do motor AP-800. Um momento de silêncio aqui para as multidões de APs como este, pobres coitados que deram a sua sofrida vida para o avanço da nobre procura da velocidade. Que descansem em paz em mil pedacinhos.
Naquela Saveiro, mesmo em movimento, em terceira marcha, uma afundada no acelerador produzia, inicialmente, absolutamente nada. Mas mantendo o pé lá se contava um, dois, três, quatro e… abriam-se as portas do inferno. Pneus fritavam, giro subia exponencialmente, controle desaparecia, e era como se você, motorista apenas no sentido mais vago da palavra, estivesse ali como mero passageiro. Perigosa, incontrolável, totalmente pirada era aquela Saveiro. Obviamente adorei aquilo, um tipo de semissuicídio involuntário agradável apenas aos jovens mais dedicados a, bem, serem jovens.
Turbos eram uma louca forma de aumentar potência durante os loucos anos 70 e 80. Naquela época palavrões, sexo livre, cigarros, bebida e filés malpassados só ofendiam umas poucas senhoras recatadas, e carros potentes eram universalmente adorados. A Porsche colocou uma turbina no seu 911 e criou uma lenda; um clássico exemplo até hoje de algo incrivelmente legal depois que a turbina entrava em ação. Mas também um clássico exemplo de imprevisibilidade de entrega de potência, com um turbolag (hesitação do turbo, demora a produzir efeito) que podia ser medido com um calendário.
Um carro turbo era algo para entusiastas, e um tipo especial de entusiasta. Para gente que não tinha medo de enfrentar o equivalente automobilístico de um garanhão selvagem e indomado: coragem, e a imagem de uma pessoa corajosa, era parte integrante do apelo. E habilidade para domar a fera, pré-requisito.
Hoje em dia, para minha surpresa, o total oposto é verdadeiro. Turbos modernos como o Cruze e o up! TSI na verdade têm turbininhas ridiculamente pequenas, que ajudam os motores até mais ou menos 5.000 rpm, e depois diminuem sua eficiência. Turbolag é totalmente inexistente, e o objetivo aqui é fazer carros mais econômicos, com motores menores com potência suficiente a baixas rotações.
Turbos andam no caminho da total onipresença, assim como são hoje em motores ciclo Diesel. O motivo é eficiência: motores menores com turbo para atingir a mesma potência são energeticamente mais eficientes. Mais eficientes e menos poluentes, então hoje todo mundo os persegue.
Num mundo perfeito, aquela terrivelmente enfadonha utopia que só malucos continuam a perseguir, todos os motores serão turbo. Não o turbo dos anos 70, aquela maluquice adorável e barulhenta que a gente experimentava num Porsche a 6.000.rpm, mas turbos como os do smart: módulos de produção de potência.
Eu nunca gostei deles, para ser absolutamente sincero. A natureza incontrolável e maluca dos antigos turbo, embora divertida, não me agradava muito, pela sua falta de linearidade. Mas alguns turbos mais modernos são difíceis até de notar. BMW, Mercedes e Audi hoje fazem carros turbo que não parecem turbo, máquinas que tornam o compressor quase que completamente imperceptível.
Estava pensando nisso ao dirigir um up! TSI, e depois um novo Cruze. Ambos também fazem uma boa imitação de um motor aspirado, o segundo melhor que o primeiro, mas ambos de forma bem convincente. Turbolag baixíssimo, linearidade muito boa. Seriam totalmente satisfatórios, e corroborariam sobremaneira à opinião corrente de que “andam pacas”, se eu não andasse todo dia em algo que, apesar de tecnicamente inferior e ultrapassado, subjetivamente não pode nem se comparar a isso.
Minha velha BMW tem 20 anos de idade e um seis-em-linha de 2,8 litros, sem turbo nenhum. Acelerá-la com vontade não podia ser mais diferente do que nesses dois carros: totalmente linear, às 3.000rpm começa a berrar profundamente, como um animal. E assim continua até mais de 7.000rpm. Essa linearidade, este berro, esta longa jornada desde as baixas rotações até a perda final de fôlego é algo inigualável. Seu pé comanda uma borboleta, e o fato de nenhuma sobrepressão artificial muda as condições, o faz previsível e linear como nenhum turbo consegue ser. Uma longa, comprida jornada a rotações altas, deliciosa em sua linearidade e de alegria quase palpável. O motor parece vivo. E o berro, ah, nem vamos falar nisso!
Ajuda o acelerador por cabo, que diferente dos eletrônicos, não filtra nada. Eu as vezes penso que aceleradores eletrônicos são como mandar uma carta para o motor, alguém abri-la dentro da ECM, e depois gritar umas ordens lá para o operador de borboleta. Alguma coisa, pequena que seja, se perde nesta viagem.
Não que ache meu carro perfeito; obviamente não é. O motor tem um volante pesado, e não é tão rápido para subir e baixar de giros como gostaria. Mesmo o motor quase idêntico da 325i anterior, o M50 de 2,5 litros, é mais solto, gira mais fácil. O que quero dizer é que quase todo motor aspirado decente de vinte anos para cá acelera mais gostoso que os turbos, atuais ou antigos. Todos tem aquela faixa de giros longa, gostosa, e especialmente, linear, até o giro máximo.
Tal coisa me faz até dizer o impensável: prefiro o velho 1,8 litros aspirado do Cruze I ao moderno 1,4 litros turbo do Cruze II. Sim, sou louco: o 1,4 litros é muito melhor em tudo que se pode medir objetivamente. Mas nem tudo pode ser medido: desde que possa trocar as marchas eu mesmo com um cambio manual, o velho Cruze era mais gostoso. Mais lento, mais beberrão, mas melhor. Estranho, mas é o que sinto.
E é por isso que acredito piamente que toda a eficiência do mundo nunca substituirá um bom motor aspirado. E não estou sozinho: o novo Mustang GT350R, equipado com o V-8 mais deliciosamente vocal, girador e arrepiante deste lado de um 458 Italia, hoje está sendo vendido com sobrepreço incrível nos EUA, e a Ford é incapaz de suprir a demanda. Uma olhadinha em vídeos deste carro sendo acelerado na internet é suficiente para entender o porquê: poderia ser o próprio garoto propaganda do motor aspirado, este Mustang. Por mais que adore um RS 7 por exemplo, com seu motor biturbo e câmbio automático, uma fera indomada como este Mustang, com sua faixa vermelha a 8 250 rpm, é bem mais desejável. Suave, linear, girador, potente, e com um grito a alta rotação capaz de acordar os mortos, este Mustang mostra claramente tudo que é delicioso no motor a combustão interna.
Mas o mesmo não acontece aqui com um carro que acredito merecer vender mais: o Sandero R.S.. Este pequeno Renault é o equivalente brasileiro do Mustang: relativamente acessível, feito para andar em pista no fim de semana depois de ser usado como transporte durante ela, um motor aspirado inspirado, câmbio manual. Mas ainda assim, não é tão procurado como seu irmão de espírito americano. Eu acredito que todo entusiasta que pode comprar um devia fazê-lo. É o seu dever. Goste ou não, você tem o dever de fazer o R.S. um sucesso. Para um futuro mais aspirado, nervoso e manual, é o seu dever.
O carro que se dirige sozinho e o carro elétrico podem estar chegando. Mas enquanto eles não chegam, melhor a gente dirigir algo que faz bem à alma do que algo meramente eficiente. Nada do que é realmente bom na vida é eficiente. Sexo não é nada eficiente. Ninguém elogia comida por ela ser “eficiente”. Eu não tenho vontade nenhuma de tomar uma Lager “eficiente”. Muito menos ler um livro eficiente e ver um filme eficiente. Eficiente, na verdade, é um grande eufemismo para “chato pacas”. Vamos ficar longe disso.
MAO